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Anthony Forrest foi contratado pela entidade após passar 25 anos preso. Agora, ele ensina jardinagem em uma escola em Oakland, Califórnia | JASON HENRY/NYT
Anthony Forrest foi contratado pela entidade após passar 25 anos preso. Agora, ele ensina jardinagem em uma escola em Oakland, Califórnia| Foto: JASON HENRY/NYT

Mesmo para os padrões da Grande San Francisco, onde a produção local de ração orgânica para galinhas é vista quase como um ato político, as 30 mil árvores frutíferas e as castanheiras sendo cuidadas por ex-detentos é uma novidade.

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Esses jardineiros talentosos estão ali por causa da Planting Justice, organização sem fins lucrativos com nove anos de existência que combina agricultura urbana com educação ambiental e trabalho para ex-presidiários. Da sede instalada em contêineres recuperados em uma rua sem saída em East Oakland, ela elaborou um processo em que empresas geradoras de receitas ajudam a subsidiar a missão do grupo: contratar os recém-saídos da prisão, muitos vindos da Penitenciária Estadual de San Quentin, nas proximidades, e dar-lhes um salário “que dê para sustentar a família”, juntamente com benefícios de saúde e um mês de férias remuneradas por ano. Cerca de metade da equipe de 30 integrantes já cumpriu pena.

Há dois anos, os fundadores do grupo – Gavin Raders, de 35 anos, e Haleh Zandi, de 34 – estabeleceram um pomar em um terreno vazio e abandonado nesta área empobrecida, onde a poda é acompanhada não pelo som dos pássaros, mas pelo ruído dos caminhões na autoestrada ao lado. O berçário de mudas Rolling River da Planting Justice agora vende e despacha cerca de 1.100 variedades de plantas e árvores em vasos – entre elas, 65 tipos diferentes de romã, 60 variedades de figo e espécies mais difíceis de encontrar, como jujubas (tâmaras chinesas), ameixas ume japonesas e um tipo de arruda, erva aromática usada no café da Etiópia. As placas avisam aos visitantes que esta é uma zona livre de pesticidas e refrigerantes.

Embora ainda jovem, o pomar orgânico gera aproximadamente US$ 250 mil dos US$ 2 milhões do orçamento operacional da Planting Justice. Outros US$ 250 mil vêm de um negócio de paisagismo de hortas, no qual horticultores itinerantes contratados por clientes abastados plantam árvores frutíferas e instalam colmeias, galinheiros, enormes barris para coleta de água de chuva e sistemas que tratam a água da máquina de lavar para o uso no jardim. O dinheiro ajuda a subsidiar paisagens comestíveis pro bono em bairros de baixa renda.

Além disso, existem os dois mil ou mais “assinantes” que fazem doações mensais à Planting Justice, gerando outros US$ 450 mil anualmente, e doações de uma variedade de organizações sem fins lucrativos, entre elas o programa Kresge FreshLo, a Fundação Thomas J. Long e programas de benefícios comunitários da Kaiser Permanente.

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A Planting Justice cultiva metáforas além da comida. “Fazemos a compostagem e a remoção de ervas daninhas das coisas em nossa vida que não precisamos e fertilizamos as partes que precisamos”, explicou Raders, sentado em um toco de eucalipto.

O princípio orientador: agrião, sim, prisão, não.

Raders e Zandi, que são parceiros e têm dois filhos juntos, começaram como ativistas da paz; ele passou algum tempo na Índia protestando contra uma fábrica de engarrafamento da Coca-Cola que estava esgotando as águas subterrâneas. O casal acabou decidindo que queria se comprometer com algo tangível, principalmente porque “havia uma guerra acontecendo em nossa própria comunidade; a violência e pobreza atingindo várias gerações”, disse Raders.

Os dois se ofereceram como voluntários no Insight Garden Program em San Quentin, parte de um movimento mais amplo de “prisão verde” que inclui desenvolvimento de carreira. O programa da penitenciária busca fornecer habilidades em horticultura, interações sociais positivas e atividade para detentos de segurança média.

Estudos de iniciativas semelhantes em San Quentin e em Rikers Island, na cidade de Nova York, indicaram taxas de reincidência mais baixas do que as médias do estado. “O que não é surpresa, dada a desolação de ambientes presidiários e o alívio que o acesso à natureza pode trazer”, disse Sander van der Linden, professor assistente de Psicologia Social da Universidade de Cambridge.

Segundo Raders, dos 35 ex-presos contratados pelo Planting Justice desde 2009, sabe-se de apenas um que voltou para a prisão. Os funcionários precisam se comprometer a ficar sóbrios e livres de drogas. Alguns participaram de programas de desintoxicação e tiveram recaídas, mas só dois foram dispensados por causa do mau desempenho no trabalho, segundo ele.

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Anthony Forrest, de 56 anos, que passou 25 deles em San Quentin por assalto à mão armada, começou seu trabalho na organização cinco dias após ter sido solto, ganhando US$ 17,50 por hora. (Agora tira US$ 25 por hora.)

“Trabalhar com as plantas me acalma”, disse Forrest. Sua primeira ocupação foi construir hortas para clientes e plantar árvores frutíferas no centro de justiça juvenil do condado. Ele agora lidera programas educativos semanais em quatro escolas de Oakland, outra parte da missão da Planting Justice, ajudando os alunos a plantar e a manter hortas, preparando smoothies de urtiga para adolescentes desconfiados e ministrando uma aula orientada para a saúde e a nutrição, “sobre o que acontece no corpo”, explica ele.

E acrescentou: “Nós vivemos no gueto. Tudo o que você vê nas prateleiras não é nutritivo nem fresco”. Recentemente, Forrest começou também a ensinar meditação e jardinagem na prisão onde já cumpriu pena.

Jennifer Sowerwine, especialista em agricultura urbana da Extensão Cooperativa da Universidade da Califórnia, em Berkeley, disse que Zandi e Raders “mudaram o conceito de justiça alimentar”.

“A ideia não é apenas a segurança alimentar, mas a segurança de oferecer salários dignos”, disse ela. Isso não é fácil em uma monocultura “foodie”.

A Planting Justice também teve sucesso com financiamento coletivo. Quando viram a chance de comprar 30 mil mudas de árvores de um berçário que estava fechando, Zandi e Raders levantaram US$ 100 mil pelo Kickstarter e garantiram financiamento adicional. Aí, havia a questão de onde colocá-las. O Fundo de Empréstimo Comunitário do Norte da Califórnia contribuiu com um empréstimo de US$ 600 mil para ajudar a financiar a aquisição da terra em East Oakland.

Carla Javits, presidente e executiva-chefe do Fundo de Desenvolvimento Empresarial Roberts, que financia e assessora empresas sociais, disse que a abordagem empresarial adotada pelo casal foi correta.

“Costumava ser embaraçoso para organizações sem fins lucrativos falar sobre receitas, mas essa nova geração de líderes reconhece que precisa haver uma intenção em seu modelo de negócios”, disse ela.

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Quando a área em East Oakland estiver quitada, a Planting Justice planeja transferir a posse da propriedade para um trust de terras indígenas que seja liderado por mulheres. É uma tentativa para corrigir o trauma causado ao povo ohlone, os habitantes originais da região, e o Sogorea Te’ Land Trust já começou a construir uma base cerimonial no local. Além disso, a organização também tem um contrato de arrendamento em longo prazo em outra fazenda, para a propagação de árvores.

Mas por enquanto, o foco principal é ajudar os ex-presidiários e tentar facilitar seu caminho de volta ao mundo exterior.

Ninguém está dizendo que a tarefa é fácil. Bilal Coleman, funcionário do Planting Justice que foi preso aos 17 anos e libertado 20 anos depois, fala em seu blog, The Freedom Chronicles, sobre os desafios de seu primeiro ano de liberdade, incluindo o estresse de conseguir moradia para a família em Oakland. Agora, ele faz smoothies de couve para alunos do ensino médio e tenta envolver aqueles que parecem estar mais em risco.

“Acredito que tenho uma vantagem”, disse ele sobre sua própria experiência, a qual foi conquistada a duras penas. “Em East Oakland, o que está na moda é ter energia. Agora minha energia é o jardim.”

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