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| Foto: OLI SCARFF /    AFP

Na última quarta-feira (25), o Facebook anunciou a retirada de 196 páginas e 87 perfis pessoais do ar. A decisão, unilateral, é capaz de gerar debates em diversos âmbitos, inclusive do ponto de vista jurídico. Isso porque ao mesmo tempo em que se trata de uma empresa privada, a rede social assumiu papel importante para o exercício da liberdade de manifestação, podendo influenciar, por exemplo, no resultado de eleições. Até que ponto, portanto, a companhia de Mark Zuckerberg pode agir de forma arbitrária?

A justificativa do Facebook foi de que os perfis teriam violado o item 17 da Parte IV de seus Padrões de Comunidade, que trata de integridade e autenticidade. Especificamente, o item dispõe que: 

A autenticidade é o pilar de nossa comunidade. Acreditamos que as pessoas se responsabilizam mais pelo que dizem e fazem quando usam identidades genuínas. É por isso que exigimos que as pessoas se conectem ao Facebook com o nome real. Nossas políticas de autenticidade têm a intenção de criar um ambiente seguro em que as pessoas possam confiar e se responsabilizar mutuamente. 

Tais perfis fariam parte de uma “rede coordenada” que “escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. De acordo com a Agência Reuters, responsável pelo furo de reportagem, essas páginas estariam ligadas ao Movimento Brasil Livre (MBL).

Por mais rasa que possa parecer a explicação do Facebook, a partir do momento em que se trata de uma empresa privada, e não de um espaço público de comunicação, não é possível classificar a atitude da rede social, nesse caso específico, como incorreta. É o que pondera o coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Rio, Pablo Cerdeira. Ele lembra que para se cadastrar no site os usuários precisam aceitar seus termos de uso – e lá está especificado que usuários com identidade falsa podem ser derrubados. 

O Facebook também afirma que a rede social se reserva o direito de desabilitar uma conta sem enviar avisos. As consequências da violação dos Padrões da Comunidade, de acordo com o site, variam de acordo com “a gravidade e com o histórico do usuário na plataforma”, sem entrar em maiores detalhes. Nesse cenário, segundo Cerdeira, a empresa poderia colocar em suas regras o que bem entendesse, embasada na liberdade de contratação. 

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O professor da FGV diz que as disposições do Facebook estão de acordo com o que prevê tanto a Constituição Federal quanto o Marco Civil da Internet, que garantem a liberdade de expressão identificada, sendo vedado o anonimato. Nesse sentido, “o usuário anônimo não está apenas violando os termos de uso da rede, mas também o Marco Civil e a Constituição”, alerta. 

Por outro lado, Maristela Basso, professora da USP e advogada do Nelson Wilians & Advogados Associados, opina que o Facebook deveria retirar as páginas do ar sem comunicação apenas em casos de determinação judicial. Do contrário, deveria informar o usuário sobre o cancelamento da conta, dando um prazo para a correção do problema. 

Se o internauta acreditar que teve seu perfil removido injustamente, é possível procurar a Justiça para tentar solucionar a questão, por meio do ajuizamento de uma ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela. Maristela acrescenta que o usuário também pode pedir indenização por perdas e danos, se o cancelamento da conta causou prejuízo à sua honra, reputação ou até mesmo ao seu negócio, caso utilize a página com finalidade profissional. 

Mas nem sempre acionar o Judiciário é garantia de sucesso. Raphael Dutra, advogado da área de Telecomunicações, Mídia e Tecnologia do Vinhas & Redenschi Advogados, lembra que, por se tratar de um assunto muito recente, ainda não há jurisprudência firmada. 

“O que a gente tem que analisar é essa ponderação entre as liberdades individuais e as ações que podem ser tomadas para garantir essas liberdades individuais”, afirma. 

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Desde 2016, Marcelo Cristiano Reis, fundador do movimento Revoltados Online, tenta reaver, judicialmente, a página original da comunidade no Facebook. Quando foi retirada do ar, no mesmo ano do ajuizamento da ação, contava com cerca de 2 milhões de curtidas. Recentemente, o juízo da 9ª Vara Cível de São Paulo negou o pedido de Reis. 

Nos autos, o Facebook alega ter notificado o autor da ação por mais de 45 vezes antes da remoção da página. Os representantes da rede social afirmam, no processo, que “algumas regras básicas de convivência devem ser mantidas na plataforma, para impedir conteúdos que incitem ódio, que configurem incentivo à discriminação de pessoas com base em características como raça, religião, nacionalidade, identidade de gênero, etc., se propaguem, cabendo ao Facebook disponibilizar ferramentas para garantir que tais publicações possam ser denunciadas e removidas”. 

Independentemente do que pode ser feito na via judicial, Maristela Basso salienta que bom senso e boa-fé devem ser os balizadores na relação entre usuários e redes sociais. A boa-fé no sentido de usar esse meio de comunicação de acordo com as regras oferecidas por ele, e que foram aceitas pelo internauta. Já o bom senso implica seguir uma espécie de fair-play, regras que não necessariamente precisam estar escritas, mas que são de bom tom seguir. 

“Em certas situações, não é a lei que lhe impede de fazer algo, mas o bom senso. Tratam-se, aqui, do bom senso e da boa-fé da pessoa média. Não é do intelectual, ou do integrante de facção criminosa, pessoas que seguem outro código ético, outro código legal. É o bom senso do ‘mundo como ele é’”, coloca a professora.

Fake news 

Inicialmente, a Agência Reuters chegou a divulgar que o motivo do cancelamento dos perfis teria ligação com a publicação de fake news pelas páginas, mas a afirmação não tem embasamento. O próprio Facebook coloca, em seus Padrões de Comunidade, que não remove notícias falsas da rede social, apenas reduz sua distribuição. 

“Queremos ajudar as pessoas a se manter bem informadas sem deixar de lado o discurso público produtivo. Existe uma linha tênue entre notícias falsas e sátiras ou opiniões”, traz o Facebook. 

Talvez por isso é que a página do polêmico InfoWars, site dedicado a teorias da conspiração e notícias de procedência duvidosa, nunca tenha sido tirado do ar de forma definitiva. Na última semana, o Facebook suspendeu o perfil pessoal do criador da referida página, o apresentador e radialista Alex Jones. A suspensão, contudo, é de 30 dias.

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No Brasil, diversos projetos de lei pretendem criminalizar as fake news. Uma dessas propostas, o Projeto de Lei no Senado (PLS) 473/2017, do senador Ciro Nogueira (PP-PI) prevê pena que varia de multa – sem especificação de valor – a três anos de reclusão para quem divulgar notícia com o conhecimento que se trata de informação falsa. O projeto aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

O advogado Raphael Dutra afirma que propostas nesse sentido não devem prosperar. Não só pelo fato de o Direito Penal ser considerado a ultima ratio, isto é, a última hipótese para resolver um conflito, mas porque a solução deve ser construída por meio da educação digital, que se trata da conscientização da população a respeito da procedência da informação. 

“Para que se garanta e se alinhe a questão da divulgação de conteúdo com liberdades individuais, é importante que haja, realmente, uma verificação por parte do usuário a respeito da informação, analisar se ela é ou não verdadeira”, opina. 

Na visão de Dutra, a simples retirada da página do ar poderia ser encarada como censura e acabar como um “tiro no pé” da rede social que a promovesse. O advogado acrescenta que “o caminho correto é combater as fake news com mais informação, e não com menos. Assim se garante o fortalecimento da democracia”.

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