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Naruto, macaco de crista negra, precisou de poucos instantes para tirar uma fotografia do próprio rosto usando a câmera do fotógrafo (e ser humano) David J. Slater. A batalha legal sobre quem teria os direitos das “selfies do macaco”, porém, durou quase dois anos.

Em 2015, o PETA (sigla em inglês de uma organização de proteção animal) abriu um processo em nome do primata, alegando que Naruto teria os direitos autorais das fotos, que se tornaram viral.

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Na segunda-feira (14), Slater e o grupo de defesa dos direitos dos animais chegaram a um acordo fora dos tribunais: Slater doará 25% da receita de vendas ou uso das “selfies do macaco” para instituições de proteção animal na Indonésia que protegem os macacos de crista negra, considerados uma espécie em risco crítico de extinção.

“PETA e David Slater concordam que esse caso levanta questões importantes e iminentes sobre a expansão dos direitos legais de animais não humanos, um objetivo que ambos apoiam, e eles continuarão seus respectivos trabalhos para alcançar esse objetivo”, disse o grupo em um comunicado com Slater. “Conforme descobrimos mais sobre Naruto, sua comunidade de macacos, e todos os outros animais, precisamos reconhecer direitos fundamentais apropriados para eles como nossos companheiros de ocupação global e membros das suas próprias nações que querem viver as suas vidas e estar com as suas famílias.”

O acordo coloca um fim ao que o PETA chamou de um “processo inovador” que busca “estender direitos fundamentais a animais para o seu próprio bem – não em relação aos modos com que eles podem ser explorados por humanos.” Ao longo dos últimos dois anos, Slater descreveu a disputa legal com o PETA (e, separadamente, com a Wikimedia Commons) em termos menos elegantes, comparando o litígio com um “macaco nas costas”.

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“Fotógrafos estão sob muita pressão atualmente para se sustentar”, escreveu Slater no mês passado em resposta a um usuário do Facebook. “Nós não precisamos de interpretações ridículas do que são direitos autorais por pessoas ignorantes como o PETA e a Wikipedia.”

Slater não respondeu imediatamente a um pedido de entrevista na última terça-feira. Agora, na sua página no Facebook, o fotógrafo adotou um tom de conciliação a respeito do seu acordo com o PETA, escrevendo que o seu objetivo em comum é “muito mais importante do que disputas sobre direitos autorais entre mim e um macaco que eu quero ajudar.”

Advogados das duas partes pediram ao 9º Circuito do Tribunal de Apelações dos EUA que aceitasse a desistência do caso e eliminasse uma decisão judicial de um tribunal menor que dizia que animais não podem ter direitos autorais. Andrew J. Dhuey, um dos advogados de Slater, não especificou quanto dinheiro o fotógrafo ganhou com as selfies ou se ele ficaria com os 75% restantes das receitas futuras.

O caso

Slater argumentou sempre que a sua viagem à Reserva Natural Tangkoko-Batuangus, na ilha indonésia de Sulawesi, em 2011, tinha o objetivo de chamar atenção para ajudar os primatas em risco de extinção – e que as fotos não teriam sido possíveis se ele não tivesse preparado o equipamento previamente.

“A divulgação e conservação dos macacos de crista negra, uma espécie em risco extremo de extinção relativo a nós, foi a minha intenção original quando eu visitei Sulawesi. Eu acreditava que comparando a personalidade deles à nossa, por meio de uma fotografia, eles poderiam ganhar o nosso respeito e o nosso amor”, escreveu Slater. “Eu vejo animais com personalidades exatamente do mesmo jeito que eu vejo os meus companheiros humanos. O modo como eu considero a natureza os torna muito especiais para mim e eu quero compartilhar isso. Eu espero que mais e mais pessoas tentem ver os animais do jeito que eu os vejo. Se isso acontecer, a conservação do nosso planeta e dos animais com os quais evoluímos se tornarão uma prioridade na nossa sociedade.”

No seu blog de fotografia, Slater descreveu como as selfies se tornaram possíveis depois de passar três dias seguindo um grupo de macacos nas matas de Sulawesi, tentando ganhar a sua confiança. Foi no segundo dia que um grupo de macacos começou a pegar a sua câmera, levando Slater a montá-la em um tripé para ver se eles brincariam com ela. Eles fizeram isso por cerca de trinta minutos, segundo ele.

“Então eu coloquei a minha câmera em um tripé com lente grande angular, configurada para foco automático, e até mesmo flash externo, para me dar uma chance de um close facial se eles se aproximassem para brincar. Eu prontamente saí de perto e, bingo, eles se aproximaram, mexendo no brinquedo, apertando botões e tocando na lente. Eu estava presenciando uma das coisas mais engraçadas que já aconteceram enquanto eles sorriam, faziam caretas e mostravam os dentes para si mesmos no reflexo das grandes lentes de vidro... Eles brincaram com a câmera até que, claro, algumas imagens inevitavelmente foram capturadas! Foi como a alegria de ver o seu bebê aprender algo novo e se tornar mais informado com um novo brinquedo. Eles adoraram o barulho do obturador, mas mais do que isso, eles adoraram os seus próprios rostos, ‘fazendo macaquices’ com algo que parecia ser uma grande diversão para eles”, relatou.

As “selfies do macaco” rapidamente se tornaram viral e apareceram em um livro de fotografia de Slater, em 2014, chamado “Wildlife Personalities”. Notoriamente, ele especificou no livro que o botão da câmera tinha sido pressionado pelo macaco.

O PETA, então, o processou por danos, alegando que Slater infringiu os direitos autorais de Naruto, em uma queixa registrada no Tribunal Distrital dos Estados Unidos, na Carolina do Norte.

“A lei de direitos autorais dos EUA não faz distinção quanto a quem pode ser o autor de um trabalho com base na sua espécie”, disse Jeffrey Kerr, conselheiro geral do PETA, ao The Washington Post, em 2015. “Se um ser humano tivesse feito essa selfie ou fotografias similares, ele teria os direitos autorais da fotografia. Naruto não é diferente por ser um macaco.”

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Um juiz federal discordou, determinando em janeiro deste ano que a lei de direitos autorais não se aplica a animais. No entanto, o PETA recorreu da decisão, estendendo ainda mais a disputa legal – e deixando a porta aberta para mais um ano de manchetes cheias de trocadilhos sobre o caso. (Nada disso mudou com a notícia do acordo: “Quem tem os direitos da selfie do macaco? Acordo deve deixá-lo sorridente”, declarou o New York Times. “Macaco vê. Macaco processa. Macaco faz acordo”, a Associated Press tweetou.)

Ao anunciar o acordo, PETA fez questão de insistir que o considera como uma vitória e diz que continuará lutando pelos direitos legais dos animais.

“Naruto e a famosa ‘selfie do macaco’ que ele inegavelmente fotografou demonstram claramente que ele e os seus companheiros macacos – assim como muitos outros animais – são seres altamente inteligentes, reflexivos e sofisticados que merecem ter direitos legais sobre a sua propriedade intelectual e terem outros direitos como membros de uma comunidade legal”, diz o PETA.

Slater, por outro lado, agradeceu as pessoas que doaram e o incentivaram durante o processo, e disse que está ansioso para voltar ao campo.

“Isso me ajudou muito a reacender as minhas paixões, e mais uma vez sair e continuar o meu trabalho como fotógrafo de natureza e conservacionista”, diz Slater.

Ele não especificou se incentivará animais a tirarem as suas próprias fotos de novo.

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