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O fracasso de George W. Bush em compreender os limites do poder global norte-americano o levou a um aventura pelo qual seus sucessores pagarão um alto preço. Há poucos anos, o mundo estava mergulhado na idéia do poder americano. A agenda neoconservadora não apenas seinfiltrou na perspectiva da Casa Branca, como também dominou o debate global sobre o futuro das relações internacionais.

Depois do 11 de setembro tivemos, em rápida seqüência, a "guerra ao terror", o "eixo do mal", a idéia de um novo império americano, a exacerbada importância do poder militar, a noção e o desejo de mudança de regime, a invasão do Iraque e a proposição de que o modelo de democracia ocidental era relevante e aplicável a todas as nações do mundo, começando pelo Oriente Médio.

Muitos desses acontecimentos se desenrolaram com uma velocidade que dificilmente alguém poderia antecipar. Com o fracasso da ocupação americana no Iraque – até o ponto em que mesmo o eleitorado americano reconheceu o fato – a era neoconservadora está aparentemente caminhando para o fim. Mas o que exatamente vai terminar?

O neoconservadorismo, com toda a pompa com que foi concebido – como um projeto americano para o novo século – para que, depois do colapso da União Soviética, o mundo pudesse refazer a imagem americana. A idéia era que o antigo mundo bipolar pudesse ser substituído por uma visão unipolar em que os Estados Unidos fossem o árbitro dominante em questões globais e regionais.

Na verdade, a administração Bush jamais chegou perto disso. O que funcionou por um breve período foi a persuasão para que a maior parte dos países aceitasse como prioridade a guerra contra o terrorismo e, aparentemente, apoiasse isso: a intervenção no Afeganistão, após o 11 de setembro, arrancou a aquiescência geral. Mas os Estados Unidos falharam singularmente em liderar um grupo majoritário de países que apoiavam a invasão do Iraque e conquistaram ainda menos apoio da opinião pública.

Os americanos demonstraram seu desejo unilateral ao ignorar a falta de apoio do Conselho de Segurança da ONU para a invasão do Iraque, mas a conseqüente derrota da aventura no Iraque só serviu para reforçar o isolamento do país e demonstrar a loucura de seu unilateralismo.

Sua estratégia no Oriente Médio – sempre no epicentro de um projeto neoconservador global – ficou em frangalhos. Em outros lugares, o projeto neoconservador estava natimorto.

A Coréia do Norte foi rotulada como parte do "eixo do mal, mas os Estados Unidos concordaram com o diálogo de seis partes (Coréias, China, Japão, EUA e Rússia) como meio de lidar com a crise na Península Coreana, admitindo tacitamente que simplesmente não teria tanta influência na região para dialogar diretamente com o regime de Kim Jong Il, o que ficou demonstrado com mais ênfase com o fracasso em evitar o recente teste nuclear norte-coreano e a subseqüente dependência da China para encontrar meios de trazer a Coréia do Norte para o diálogo.

Na verdade, a China agora alivia os EUA concordando que é preciso fazer algo a que antes Pequim resistia: dialogar diretamente com a Coréia do Norte, fazendo o papel de negociador justo. Apesar de toda a fanfarronice neoconservadora, os Estados Unidos são simplesmente muito fracos no Leste da Ásia – e China forte demais – para serem mais do que um jogador secundário na crise com a Coréia do Norte. Essa tem sido uma impressionante demonstração do declínio lento e sem volta da influência americana na região.

Enquanto isso, na região que tem dominado facilmente por mais de um século, que é tradicionalmente vista como seu próprio quintal e na qual os EUA fizeram intervenções impunes durante a guerra fria – a América Latina – os Estados Unidos agora enfrentam a mais desanimadora das situações, bem pior do que qualquer ameaça representada pelo regime cubano durante a guerra fria. Os Estados Unidos estão confrontados com um adversário articulado e bem municiado, Hugo Chávez da Venezuela, e com uma região em que a esquerda fez extraordinários avanços. A administração Bush, até agora pelo menos, tem sido relativamente incapaz de lidar com o crescente isolamento na América Latina e com o progresso da marcha esquerdista.

Mesmo no Oriente Médio a fraqueza da postura neoconservadora tornou-se incrivelmente evidente na questão do Irã, outro integrante do "eixo do mal". Como no caso da Coréia do Norte, os Estados Unidos, em parte como conseqüência de sua preocupação com a ocupação do Iraque, passou a responsabilidade das medidas relativas à ambição nuclear do Irã a um grupo de quatro consistentes negociadores – Alemanha, França, Rússia e Reino Unido.

Embora os europeus do leste estejam felizes com a maior parte das cartadas americanas, a Rússia não está, e, aparentemente, a China também não. Ambos os países têm assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e, tanto chineses quanto russos, resistem à aplicação generalizada de sanções e a intervenções militares. Por isso, as negociações envolvendo o Irã chegaram a um impasse.

É óbvio que se os neoconservadores se sentissem fortes o bastante, teriam forçado a discussão, de modo similar ao que fizeram antes de invadir o Iraque. O ponto é que não fizeram isso. E agora parece inconcebível que possam pensar em uma ação militar contra o Irã. Ao contrário, a jogada parece prestes a se inverter: os Estados Unidos, em vez de procurar isolar o Irã, agora parece precisar do apoio iraniano e sírio para resolver a derrocada no Iraque.

Tomando-se o fracasso da invasão do Iraque no Líbano e o contínuo desastre da situação nos territórios palestinos ocupados, podemos ver os Estados Unidos em capitulação. Desde 1956 os EUA têm sido incrivelmente dominantes na região, com Israel a reboque, e desde 1989 tem sido um desafiante árbitro dos acontecimentos locais. Este ano marca o início do declínio do poder americano no Oriente Médio, com suas imprevisíveis conseqüências. Assim podemos ver o custo da aventura de Bush em nome do poder imperial americano.

Ficou evidente a incapacidade de Bush para entender os limites inerentes ao poder global dos Estados Unidos, agora não tão claro.

A administração de Bush superestimou o poder americano e, por isso, cometeu atos grosseiros de imperialismo, que custarão caro aos futuros governos. Longe de associar a queda de seu poder somente à conjuntura pré-1989, quando a União Soviética ainda existia, os EUA têm se confrontar com um mundo em que cresce o poder distribuído para um leque maior de atores, notadamente – mas não apenas – China, Índia e Brasil.

Apenas seis anos após o início do novo século, nada indica que este será um período de domínio americano. Na verdade, a tendência indica que os Estados Unidos terão de enfrentar um tipo diferente de futuro: como lidar com seu próprio declínio imperial. E, como nota de rodapé, pode-se dizer que essa tarefa exige muito mais pragmatismo que ideologias.

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