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O Papa, em visita à Universidade de Regensburg, proferiu na tarde do dia 12 de setembro uma conferência sobre a relação entre a fé e a razão. O texto suscitou polêmicas e dificuldades com o mundo islâmico. O intuito deste artigo é descrever um pouco do texto que gerou uma polêmica desproporcional e colocou em evidência o vazio existente no mundo atual, quer seja no Ocidente ou no Oriente, onde faltam perspectivas e sentido.

O objetivo da conferência era tratar da relação fé e razão. Seu título era: "Fé, razão e universidade. Recordações e reflexões". Ele pode ser dividido em uma prolusão, argumento a ser discutido, as hipóteses sobre o problema e uma conclusão.

Prolusão

Depois de abordar seus profundos sentimentos, o Papa deu destaque ao professor Theodore Khoury, de Münster, que editou o texto do diálogo entre o imperador bizantino Manuel II Paleólogo e um sábio persa, escrito pelo próprio imperador. Este discurso foi realizado no ano de 1391, na cidade de Ankara – atual capital da Turquia.

O Papa destacou que o diálogo era sobre a estrutura da fé contida na Bíblia e no Alcorão, apresentando o valor da imagem de Deus e do homem. Ao interno deste discurso, o imperador aborda a questão da jihad, ou seja, da guerra santa. Neste momento, o imperador Manuel II Paleólogo apresenta uma frase ofensiva a Maomé. Porém, no mesmo parágrafo o Papa diz que o imperador foi forte e brusco. No entanto, Ratzinger quis abordar com este comentário a questão da relação entre fé e razão.

Esta introdução provocou uma série de dúvidas e oposição. Houve protestos em países árabes e acabou tornando-se uma notícia pertinente, na qual a imprensa deu grande atenção. No dia 15 de setembro, o diretor da sala de imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, apresentou uma declaração dizendo que o Papa faz uma refutação, de modo claro e radical, de toda motivação religiosa da violência e não era sua intenção desenvolver um estudo aprofundado da jihad e nem ofender a sensibilidade dos fiéis mulçumanos. No dia seguinte, o novo Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, confirmou a nota anterior acrescentando a insatisfação do Papa com o desenrolar dos acontecimentos e a afirmação de sua estima aos que professam o Islamismo. No seu retorno a Roma, Bento XVI declarou no domingo passado seu entristecimento com as reações suscitadas pelo seu discurso, que não exprimiam sua opinião pessoal, e acrescentou, na audiência geral, que o texto foi mal interpretado. Sua intenção era apresentar a racionalidade que deve guiar a transmissão da fé.

Argumento

O tema principal do discurso é a relação entre fé e razão. Este tema é um desafio e foi provocado pelo afastamento de Deus da sociedade moderna, pela indiferença do mundo científico e pela negação do fato no âmbito universitário. Partindo da afirmação medieval que "não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus", Bento XVI afirma a concordância entre o pensamento grego e a fé em Deus, na qual se realiza uma síntese entre a fé bíblica e a procura filosófica grega. Esta síntese foi rompida no final da Idade Média com Duns Scoto, com a afirmação da total liberdade de Deus, provocando a abolição de qualquer analogia entre a verdade de Deus e de sua criação e, conseguinte, pela apresentação de uma transcendência total do Absoluto, em que é impossível uma relação entre fé e razão.

Hipóteses

Com a afirmação da impossibilidade de relação entre fé e razão, acontece o distanciamento gradual entre o mundo da cultura e da ciência e o de Deus e da fé. Este fenômeno é apresentado com três hipóteses, ou melhor, três ondas, as quais o Santo Padre responde a esse problema. A primeira seria conexa aos postulados da Reforma do século 16. Ela faria uma oposição à sistematização da fé condicionada pela filosofia e apresentaria o argumento da busca primordial da fé no transcendente do sola Scriptura, em que os argumentos da fé baseiam-se somente nas Sagradas Escrituras. A segunda onda seria a teologia liberal dos séculos 19 e 20, baseada no programa de deselenização. Esta corrente é representada pelo teólogo Adolf von Harnack, que pregava o retorno ao simples homem Jesus e sua mensagem, afastando de toda teologização, que era considerada fruto da helenização. O Papa continua descrevendo esta corrente como uma tentativa de afastamento entre a razão e a fé, em virtude da mudança da filosofia moderna, principalmente, a de Emmanuel Kant, que limita o conhecimento à razão prática e, depois, é radicalizada nas ciências modernas. A terceira onda, segundo Bento XVI, seria caracterizada pela inculturação, que identifica a fé com uma determinada cultura.

Conclusão

O Papa chega a uma conclusão não identificada com o retorno ao desenvolvimento científico atual, mas que deve deter-se nos seus aspectos negativos e alargar o nosso conceito de razão e de seu uso. Ele acentua ainda que o devido desenvolvimento será possível, apesar das ameaças provocadas pela ciência, se houver uma nova síntese entre razão e fé, em que os critérios sejam a busca da verdade, o reconhecimento da teologia como interrogativo sobre as razões da fé e a capacidade de um verdadeiro diálogo entre as culturas e as religiões.

Portanto, o polêmico texto de Bento XVI trata-se da discussão entre a fé e a razão e não pode ser lido aleatória e isoladamente. Outrossim, o Papa teólogo procura dar sua contribuição ao debate suscitando no meio acadêmico, indicando a necessidade da devida relação entre teologia e racionalidade.

Assim, o texto medieval citado quer ajudar a compreender a necessidade deste entrosamento entre fé e razão de todos os "filhos de Abraão" – judeus, cristãos, muçulmanos – para que, unidos pela fé no Deus único, possam manifestar a necessidade e a urgência do Transcendente no mundo de hoje. Portanto, isso não significa oposição e nem desprezo entre as religiões, mas é diálogo com os irmãos mulçumanos e estima pelos grandes valores que unem essa duas tradições religiosas, que manifestam o Deus transcendente e único.

Padre José Carlos Veloso é teólogo e reitor do Seminário Propedêutico São João Maria Vianey, em Curitiba.

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