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É difícil imaginar um aspecto mais fundamental e ubíquo da vida na Terra do que a gravidade, desde o momento você dá o primeiro passo e cai sentado so­­bre a fralda até o lento surgimento de rugas e flacidez da pe­­­­le e o murchar dos so­­nhos.

Mas e se tudo for apenas uma ilusão, uma espécie de enfeite cósmico, ou um efeito colateral de algo que se pas­­sa nos ní­­veis mais profundos da realidade?

É no que acredita Erik Verlin­­de, 48 anos, respeitado teórico das cordas e professor de Física da Uni­­ver­­si­­dade de Amsterdã, cuja ale­­­gação de que a gravidade é na verda­­de uma ilusão tem causado certo rebuliço entre a co­­munidade de físicos, ou pelo menos entre aqueles alegam entendê-la.

Re­­ver­­tendo a lógica de 300 anos de ciência, o físico argumen­­tou em um recente trabalho intitulado "Sobre a Origem da Gra­­vidade e as Leis de Newton" que a gravidade é uma consequência das veneráveis leis da termodinâmica, que descrevem o comportamento do calor e dos gases.

"Para mim, a gravidade não existe", disse Verlinde, que esteve recentemente nos Estados Uni­­dos para se explicar. Não que ele não possa cair, mas Ver­­lin­­de está entre um grupo de físicos que diz que a ciência esteve olhando para a gravidade de forma errada e que há algo mais básico, a partir do qual a gravidade "surge", assim como os mercados de ações surgem a partir do comportamento coletivo dos in­­vestidores individuais e a elasticidade surge da mecânica dos átomos.

Olhar para a gravidade a partir desse ângulo, de acordo com eles, poderia fornecer alguma luz sobre questões cósmicas problemáticas do momento, como a energia escura, um tipo de antigravidade que parece estar acelerando a expansão do universo, ou a matéria escura, que supostamente é ne­­cessária para manter as galáxias unidas.

O argumento de Verlinde se assemelha a algo possível de ser chamado de teoria "dia de cabelo ruim" da gravidade. Tal teoria funciona mais ou menos assim: o cabelo encrespa no calor e umidade, porque há mais formas de­­le, cabelo, ficar encaracolado do que reto, e a natureza gosta de op­­ções. Logo, seria necessária uma força para deixar o cabelo reto e eliminar as opções da natureza.

Esqueça o espaço curvo ou a atração a uma distância, descritas bem o suficiente pelas equações de Isaac Newton para nos permitir navegar pelos anéis de Sa­­tur­­no. A força que chamamos de gra­­vidade é simplesmente um subproduto da tendência da natureza de maximizar a desordem.

Alguns dos melhores físicos do mundo dizem não entender o trabalho de Verlinde e muitos são declaradamente céticos. Mas al­­guns desses mesmos físicos di­­zem que ele forneceu uma no­­va perspectiva para algumas das questões mais profundas da ciência, em outras palavras, o porquê de espaço, tempo e gravidade existirem – apesar do cientista ainda não tê-las respondido.

Dando cordas

Verlinde, todavia, não é o melhor candidato para defender a teoria até o fim. Ele e seu irmão Her­­man, um professor de Princeton, são gêmeos ilustres que ganharam mais fama pelo domínio da matemática da teoria das cordas do que por voos filosóficos.

Nascidos em Woudenberg, Holanda, em 1962, os gêmeos se inspiraram em dois programas de televisão dos anos 1970 sobre física de partículas e buracos negros. "Eu fiquei completamente vi­­drado", lembra Verlinde.

Sua primeira aparição brilhante no mundo acadêmico foi quando inventou a Álgebra Ver­­linde e a fórmula Verlinde, que são importantes na teoria das cordas, a chamada teoria de tudo, que diz que o mundo é composto de pequenas cordas retorcidas.

Você pode se perguntar por que um teórico de cordas está in­­teressado nas equações de New­­ton. Afinal, Newton foi derrubado há um século por Einstein, que explicou a gravidade como dobras na geometria do espaço-tempo. E que alguns estudiosos acham que poderá ser derrubado pelos teóricos das cordas.

Nos últimos 30 anos, a gravidade está sendo "despida", nas palavras de Verlinde, de sua condição de força fundamental. Verlinde teve esta inspiração por cortesia de um ladrão.

Quando estava prestes a voltar para casa de férias no sul da França em meados do ano passado, um ladrão en­­trou em seu quarto e roubou seu laptop, chaves, passaporte, tudo. "Eu tive que per­­­­ma­­necer mais uma semana", ele disse, "e tive essa ideia".

Na praia, seu irmão re­­cebeu uma série de e-mails primeiro dizendo que teria que ficar mais tempo, depois dizendo que ele teve uma nova ideia e, finalmente, no terceiro dia, dizendo que ele sabia como derivar as leis de Newton a partir dos primeiros princípios, a ponto de Herman dizer ter pensado: "O que está acontecendo? O que ele anda be­­bendo?"

Pense no Universo como uma caixa de letras de Scrabble (jogo que consiste de palavras cruzadas em um tabuleiro). Há apenas uma forma de arranjar as letras para soletrar uma pa­­lavra correta, mas um número astronômico de formas para se soletrar ‘’palavras’’ sem sentido. Sacuda a caixa e ela tenderá a gerar palavras sem sentido, a desordem aumentará e a informação será perdida à medida que as letras se misturam na direção de suas configurações mais prováveis. Seria isso a gravidade?

Verlinde reconhece que o trabalho resultante é um pouco va­­go. "Essa não é a base de uma teo­­ria. Eu não finjo que isto é uma teoria. As pessoas devem ler as palavras que estou dizendo e não os detalhes das equações", explicou Verlinde.

John Schwarz, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, um dos pais da teoria das cordas, disse que o estudo é "muito provocador". Smolin, por sua vez, o clas­­si­­ficou como "muito interessante e também muito incompleto".

Incompreensível

Em um recente workshop no Te­­xas, Raphael Bousso, da Univer­­sidade da Califórnia, em Berke­­ley, liderou uma discussão a respeito do estudo. "O resultado final foi que ninguém o entendeu, incluindo pessoas que inicialmente achavam que ele fazia sentido. De qualquer forma, o trabalho de Erik chamou atenção para uma pergunta genuinamente profunda e importante, e isso é bom", prosseguiu Bousso, "eu apenas não acho que sabemos mais sobre como isso funciona após o trabalho de Erik. Há muitos trabalhos sobre o assunto, mas ao contrário de Erik, eles nem mesmo entendem o problema", disse Bousso em um e-mail.

Os irmãos Verlinde agora es­­tão tentando reformar essas ideias utilizando termos mais técnicos da teoria das cordas, e Erik tem viajado bastante, tendo visitado em maio o instituto Pe­­rimeter e à Universidade Stony Brook, em Long Island, para falar sobre o fim da gravidade.

Michael Douglas, um professor em Stony Brook, descreveu o trabalho de Verlinde como "um conjunto de ideias que possui eco na comunidade, acrescentando que "todos estão aguardando pa­­ra ver se é possível torná-lo mais preciso".

Ele também revelou que amigos o encorajaram a ir além e que não lamenta. "Se ficar provado que estou errado, algo servirá de lição disso tudo. Ignorar esse fato seria a pior coisa".

No dia seguinte, Verlinde deu uma palestra mais técnica para alguns físicos na cidade. Ele lembrou que alguém tinha lhe contado que a história da gravidade parecia a das novas roupas do imperador. "Nós sabemos há muito tempo que a gravidade não existe. Chegou a hora de gritar isso pa­­ra que o mundo também saiba", finaliza Verlinde.

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