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Apesar das implicações do sentimento antiamericano ainda não terem ido muito longe, os EUA precisam identificar seus reais inimigos. O que existe para não se gostar nos EUA? Existem várias respostas para essa pergunta, nem todas publicáveis.

Após semanas entrevistando antiamericanos em Paris, Cairo e Caracas, estou mais convencido do que nunca que a mentalidade antiamericana não passa disso: uma mentalidade, um preconceito. Não é racismo (os EUA não dispõem de um perfil racial a ser odiado), mas também não é uma mera reação aos eventos e políticas americanas.

Alguns argumentam que esse ódio é causado pelas ações americanas – como um professor universitário do Cairo definiu: "São as políticas, seu imbecil!".

Essa linha de pensamento põe o suporte a Israel no topo da lista de ações que acaba com quase tudo que George Bush disse ou fez. Para mim, entretanto, Bush é um facilitador do antiamericanismo, não seu criador. Essa crença não é reativa. É visceral.

Por qual outro motivo "amigos ingleses" com credencias anti-racistas indefectíveis iriam, ao perguntarem sobre as crianças americanas, dizer algo assim "Como é que vocês farão para ser livrar do sotaque delas?" Bem, eu pergunto: e por que nós iríamos querer isso?

É fato histórico que o antiamericanismo surgiu antes dos EUA. Ele não foi inventado como uma reação à doutrina Monroe, à Hollywood, ao uso de fuzileiros navais para pacificar a América Latina ou nem mesmo ao governo Bush. Ele foi inventado por biólogos europeus que escreveram sobre o Novo Mundo, logo após a descoberta, afirmando que nada bom poderia sair dalí. Esse lugar era horripilante. Fedia. Um cientista holandês definiu o descobrimento da seguinte maneira: "Tudo que foi encontrado lá é degenerado ou monstruoso".

Muitas coisas aconteceram desde então, mas algumas pessoas ainda não notaram ou fazem um enorme esforço para não notar. O escritor francês Bernard-Henri Lévy destaca que a maior parte do desdém europeu pelos EUA vem da direita; de uma "tendência fascista francesa baseada no medo e ódio da democracia". Parte desse ódio reside na pergunta dos nossos "amigos" sobre o sotaque das crianças: é crença difundida entre os países europeus que a democracia americana leva a um embrutecimento cultural.

Eles pensam que nossas crianças são grosseiras. Não importa quantos ganhadores do prêmio Nobel morem nos Estados Unidos, ou quantos escritores e músicos nós temos. No final, o gosto que a "América" deixa na boca vai ser sempre o de hambúrguer, não o de foie gras.

O embaixador John Bolton me parece muito um vendedor de hambúrguer. Bolton é o menos diplomático dos diplomatas americanos atuais. Agora na ONU, ele é a personificação viva do que os antiamericanos querem dizer com a frase "São as políticas, seu imbecil!". Quando Bolton "rosna" que "a legitimidade dos Estados Unidos vem de nós mesmos e nós não precisamos de validação externa", você sente que todos os antiamericanos do mundo dão um pulo de alegria. Eles têm um motivo e, sim, ele é racional.

Então Hubert Védrine, ex-ministro das Relações Exteriores francês, me diz com um sorriso que "os americanos são um povo colonizador com a missão de converter o mundo". Eles esqueceram das lições de História e é trabalho da Europa relembrá-los delas, ele diz.

Eu pedi a John Bolton comentários sobre a arrogante visão francesa. Sorrindo, ele me disse "Boa sorte!". É perfeitamente racional e óbvio discordar de Bolton. É perverso dizer, no entanto, como alguns comentaristas americanos dizem, que o antiamericanismo é sempre ilegítimo. Afinal de contas, alguns americanos não gostam de Bolton com o mesmo entusiasmo que os antiamericanos não gostam dos EUA.

É também possível exagerar na dose quando se mede as implicações do antiamericanismo. Morando nos EUA nos últimos cinco anos, eu presumi que o resto do mundo borbulhava de ressentimento em reação à maneira que vem sendo tratado pelos norte-americanos. Mudei de idéia ao analisar um integrante da Irmandade Muçulmana egípcia (organização islâmica fundamentalista) que tinha acabado de sair da prisão, só esperando para ser preso novamente. Dele, surpreendentemente, eu só ouvi um desdém educado. Ele não tinha nenhum interesse na "América", mas também não esperava a ver destruída.

Obviamente existem os que matariam todos os americanos, mas nossas entrevistas sugerem que os EUA deviam ser menos discriminatórios ao julgarem quem são realmente seus inimigos.

Samuel Huntington, cientista político da Universidade de Harvard, escreveu que "Os EUA não são uma mentira, são um grande desapontamento". Em outras palavras, a promessa do país é real, apesar da realidade da ação norte-americana ser falha. Os EUA são um projeto do qual o mundo tem uma parte; nós, forasteiros, o criamos e agora temos que alimentá-lo, não fazê-lo em pedaços.

Justin Webb é chefe do escritório da BBC em Washington.

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