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Jang Se-yul, que virou dissidente após assistir a uma novela sul-coreana, envia DVDs do gênero para a Coreia do Norte | Jean Chung para The New York Times
Jang Se-yul, que virou dissidente após assistir a uma novela sul-coreana, envia DVDs do gênero para a Coreia do Norte| Foto: Jean Chung para The New York Times

Como professor de matemática na Coreia do Norte, Jang Se-yul fazia parte das classes privilegiadas do país e conseguia assentos especiais em restaurantes e tre. Então, ele arriscou tudo isso —por uma novela da Coreia do Sul.

Essa tentação televisiva era "Scent of a Man" [Aroma de Homem], sobre o amor proibido entre um ex-presidiário e sua meia-irmã. Um de seus alunos lhe ofereceu uma pilha de CDs proibidos contrabandeados para o país.

Jang e outros cinco professores foram à casa de um deles e ficaram vendo os capítulos até o amanhecer. Eles tiveram o cuidado de fechar as cortinas para evitar olhares curiosos, mas foram descobertos e relegados ao trabalho braçal em uma usina elétrica.

Jang disse que eles escaparam de ir para a prisão porque pagaram suborno, porém ficaram para sempre com um estigma social —e, depois de conhecer os confortos sul-coreanos em "Scent of a Man", ele resolveu fugir.

Agora, lidera um grupo de dissidentes que envia novelas e outros programas de entretenimento para a Coreia do Norte, a fim de inspirar as pessoas a lutarem pelo fim do regime autoritário.

"Estou certo de que essas novelas têm impacto sobre os norte-coreanos. Caso se disseminem futuramente, elas podem até fomentar movimentos contra o governo."

Os dramas notoriamente simplórios —com títulos como "Bad Housewife" [Dona de Casa Má] e "Red Bean Bread" [Pão de Feijão Azuki]— viraram um cavalo de Troia que introduz visões do pujante Sul no empobrecido Norte.

A inteligência sul-coreana relatou rumores de que o líder norte-coreano, Kim Jong-un, ficou tão abalado com a disseminação das novelas que, no final do ano passado, ordenou a execução de dez dirigentes do Partido Trabalhista, acusados de sucumbirem ao fascínio exercido por elas.

A infiltração dos dramas até nos círculos da elite é uma indicação dos desafios que Kim enfrenta em um mundo globalizado. Outro indício dessa situação complexa é a chegada à Coreia do Norte de cópias piratas de "A Entrevista", comédia considerada pelo regime como uma "ação de guerra".

As novelas da Coreia do Sul têm penetração mundial, inclusive nos Estados Unidos. Algumas pessoas atribuem tamanho sucesso a suas tramas de grande carga emocional; outras, às modas que são parte da "Onda Coreana".

Um estudo realizado pelo Instituto pela Paz e Unificação, da Universidade Nacional de Seul, com 149 dissidentes recentes mostrou que mais de oito em cada dez tiveram contato com filmes ou canções sul-coreanas antes de fugir.

Dissidentes dizem que as novelas tiveram um impacto enorme, menos por suas tramas frequentemente bizarras, mas sobretudo por mostrar os confortos cotidianos desfrutados na Coreia do Sul.

Segundo Jeon Hyo-jin, foram essas demonstrações de riqueza que a inspiraram a tomar a decisão arriscada de fugir em 2013.

"As cozinhas com torneiras de água quente e fria, pessoas namorando em cafés, ruas repletas de carros, mulheres usando roupas diferentes a cada dia —ao contrário de nós, que usamos diariamente a mesma jaqueta", exemplificou Jeon. "Por meio das novelas, percebi o quanto meu país é estranho e regido por mentiras."

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