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New York - Sir Isaac Newton, um dos maiores no­­mes da história da ciência, sabia que era um gênio e não gostava de perder tempo. Nascido em 25 de dezembro de 1642, o grande físico e matemático in­­glês raramente socializava ou viajava, não jogava cartas e não apostava em cavalos. Também não praticava esportes nem tocava instrumentos musicais, desprezava a poesia – que classificava de "tolice criativa" – e, na única vez em que frequentou uma ópera, deixou o teatro durante o terceiro ato. Newton era solteiro e não há notícia de que te­­nha se envolvido em um romance se­­quer – acredita-se que tenha morrido virgem, aos 85 anos de idade. "Nunca soube de um passatempo dele. Para ele, as horas não dedicadas ao estudo eram tempo perdido", relatou seu assistente, Humphrey Newton.

Não era fácil ser Newton. Respon­­sável pelas leis da mecânica e da gravidade, o cientista formulou equações que são usadas até hoje para definir trajetórias de sondas espaciais, descobriu o espectro da luz e inventou o cálculo. Mas isso não é tudo. Newton manteve em relativo segredo uma paixão intelectual na qual trabalhava intensamente, em uma espécie de carreira pa­­ralela: a alquimia. Durante três décadas, o físico atravessou madrugadas em frente a uma fornalha, tentando transformar um elemento químico em outro.

O escopo e os detalhes desse empreendimento secundário de Newton – que, em linhas gerais, era conhecido há bastante tempo – começam agora a ficar mais claros, à medida que são analisados textos do físico que nunca ha­­viam sido publicados.

Várias dúvidas surgem a partir desse levantamento. Por que o homem que rivaliza com Albert Einstein pelo título de "maior físico da história", e que já foi descrito como "o grande ar­­quiteto do mundo moderno", se deixou seduzir por um delírio medieval? Co­­mo o sujeito que personifica o rigor cien­­tífico foi enganado por uma pseudociência, descrita na maioria das ve­­zes como o simples desejo de transformar chumbo em ouro? Newton ficou louco por causa da exposição contínua ao mercúrio? Era ganancioso, ingênuo ou apenas relutava em enxergar o ób­­vio?

Para William Newman, professor de História e Filosofia da Ciência da Uni­­versidade de Indiana, o "Newton alquimista" não foi um cientista menor nem menos comprometido do que o "notório Sir Isaac Newton". Newman explica que havia motivos teóricos e empíricos para a alquimia ser levada a sério no sé­­culo 17. Acreditava-se na época que os compostos químicos podiam ser quebrados em elementos básicos, que por sua vez seriam reconfigurados em substâncias mais atraentes.

Nesse período, eram comuns as notícias de mineiros que arrancavam do solo feixes únicos de cobre e prata. Nos arredores de outras minas, lagos davam a impressão de ter propriedades extraordinárias. Uma barra de ferro, mergulhada em algumas fontes naturais do que hoje é a Eslováquia, emergia envolta em cobre – era como se as partículas do minério original tivessem si­­do reinventadas. "O fato de Isaac Newton ter acreditado na alquimia é perfeitamente lógico. A maioria dos cientistas experimentais da época acreditava nessa possibilidade", diz New­­man.

Hoje sabemos que transformar um elemento em outro é uma tarefa dificílima, que requer um acelerador de partículas ou a temperatura do interior de uma estrela. Ainda que os alquimistas não tenham conseguido atingir seu objetivo, o trabalho deles gerou subprodutos valiosos na forma de novos remédios, tintas brilhantes, sabões mais fortes e melhores bebidas alcoólicas. "Alquimia era um sinônimo para química, o que permitia ir muito além da transmutação de elementos", explica o professor norte-americano.

No caso de Newton, a alquimia trans­­cendeu até mesmo a química. Newman sugere que as investigações alquímicas do autor dos Princípios Matemáticos deram origem a um dos avanços mais espetaculares da física: a descoberta de que a luz branca é, na verdade, uma mistura de luzes coloridas, que podem ser divididas por meio de um prisma. "Podemos dizer que, ao usar o prisma, ele reformulou a luz. Foi uma espécie de ‘transferência tecnológica’ da química para a física", defende o doutor Newman.

Três séculos e meio atrás, a alquimia era sustentada pela noção da matéria como algo particulado e hierárquico. Esse conceito sugeria que partículas minúsculas, indivisíveis e semipermanentes uniam-se umas às outras para formar substâncias cada vez mais complexas e porosas. Tal suposição foi parcialmente confirmada muito mais tarde pela biologia molecular e pela física quântica.

Os alquimistas acreditavam que, com os solventes corretos, seria possível reduzir substâncias a "corpúsculos", e que esses elementos poderiam ser induzidos a adotar novas configurações. Os pesquisadores da época também achavam que os metais podiam "brotar" num frasco qualquer – afinal de contas, várias reações químicas costumavam deixar resíduos de aspecto floral. Dissolva um pouco de prata e mercúrio numa solução de ácido nítrico, acrescente um amálgama metálico, e logo surgirão ramificações brilhantes – conhecidas como a "Árvore de Dia­­na". Outro exemplo: adicione ferro a ácido clorídrico e ferva a solução até que ela seque. Em seguida, prepare uma mistura de areia com carbonato de potássio. Junte as duas coisas e o re­­sultado será um jardim de sílica, em que o cloreto de ferro formará galhos de cor vermelha.

Com esses efeitos no laboratório, os alquimistas tinham razão ao elaborar uma série de hipóteses. Por exemplo: em vez de surgirem na natureza, os me­­tais não seriam o resultado de um processo de amadurecimento? O chumbo não é apenas um estado intermediário da prata? O cobre pode ser transformado em ouro? A resposta é não. Se as ra­­mificações metálicas às vezes parecem ilustrações botânicas, a culpa é da natureza liquefeita da Terra e da mecânica dos fluidos – quando observado das alturas, um rio também pode lembrar o formato de uma árvore.

Mesmo com essa frustração, os al­­quimistas conquistaram triunfos. Vários pintores deixaram de misturar as próprias tintas, uma vez que as me­­lhores cores passaram a ser obtidas desses pesquisadores. Os laboratórios de alquimia também substituíram os mos­­teiros como o lugar onde se encontravam novos medicamentos. "Até hoje os farmacêuticos são chamados de ‘chemists’ no Reino Unido. A origem dessa expressão data do século 17", cita Newman. Além disso, os alquimistas acabaram se tornando especialistas em descobrir fraudes. Um deles explicou que as propriedades "miraculosas" das fontes da Eslováquia não têm nada a ver com a transformação de elementos químicos. O sulfato de cobre presente nessas águas retira átomos de ferro de qualquer superfície, abrindo poros que são rapidamente ocupados pelos átomos do metal mais brilhante.

"Havia muitos charlatães nas cortes europeias. O alquimista que fosse culpado de enganar o rei era enforcado – e em grande estilo. Vestiam o sujeito com uma roupa brilhante e a forca era folheada a ouro", conta o professor Newman.

O próprio Isaac Newton se mostraria intolerante quando, já na velhice, assumiu o cargo de Chefe da Casa da Moeda. "Ao perseguir falsificadores, Newton invocou uma retidão e uma raiva puritanas que deviam ser nutridas há muito tempo", escreveu o biógrafo James Gleick. Segundo Mark Ratner, químico da Northwestern University, o pai da física foi também "brutal". "Ele sentenciou à morte pessoas que tentavam raspar o ouro de moedas", explica. Newton pode ter sido um Merlin, um Zeus, o maior cientista de todos os tempos, mas não se engane, diz o professor Ratner: "Ele definitivamente não foi um sujeito agradável".

Tradução: João Paulo Pimentel.

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