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Londres – Durante sua visita no início do ano a Cartagena, na Colômbia, o escritor nigeriano Wole Soyinka se deparou com uma cidade com paredes espanholas na costa Caribenha e com crianças que achavam que o tinham reconhecido pelo seu cabelo prateado e pele negra. A confusão das crianças era porque elas não conseguiam distinguir se ele era Kofi Annan (ex-secretário-geral da ONU) ou Don King (ex-empresário do boxeador Mike Tyson).

Os meninos e meninas de Cartagena não foram capazes de identificar o grandioso escritor africano, mas puderam perceber uma coisa com certeza: Soyinka é um pugilista e, ao mesmo tempo, um pacificador. O escritor, hoje com 72 anos, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1986 – o primeiro africano a receber tal honraria – e tem sido por varias décadas um ícone de consciência no seu país, a Nigéria, e no continente Africano.

O escritor, um flagelo de sucessivos déspotas, foi preso sem direito a julgamento por 28 meses em 1967, maioria dos quais passados sem companhia em uma cela que mais parecia um túmulo. As experiências durante esse difícil período em que ficou na cadeia deram origem à obra The Man Died (O Homem Morreu), de 1972, escrita em papel-higiênico, o que acabou resultando em um exílio auto-imposto.

Trinta anos depois, quando estava no exílio, Soyinka foi condenado à morte sob a acusação de traição ao governo ditatorial do General Sani Abacha (morto em 1998), cujos crimes incluem o enforcamento do escritor Ken Saro-Wiwa e desvio de bilhões de dólares dos cofres públicos da Nigéria.

O vencedor do Nobel de Literatura esteve em Londres no mês passado para dar uma palestra no festival de Guardian Hay. O assunto do qual ele tratou foi a culpabilidade internacional sobre o que está acontecendo em Darfur, região sudanesa onde mais de meio milhão de pessoas já morreram em decorrência do conflito armado tribos de língua árabe e povo não-árabes.

Nesse festival, Soyinka presidiu um júri que simulava o que aconteceu no julgamento do presidente do Sudão, Omar al-Bashir, condenado em novembro do ano passado a exílio perpétuo por crimes contra a humanidade.

Para o roteirista, poeta e romancista, a Corte simbólica foi uma "encenação de algo sério". Durante o tribunal organizado pela Genocide Watch, Soyinka ouviu depoimentos cáusticos, diz ele, de "pessoas que vieram do sul do Sudão, as quais tiveram suas famílias assassinadas, sofreram estupro ou mutilação. Essas vítimas testemunharam os crimes de guerra dos Janjaweed (a milícia mandatária do governo sudanês).

"Os ataques constantes dos Janjaweed e os mais de 2 milhões de refugiados deram suporte ao governo militar sudanês, que espalhou guerra aos países vizinhos", diz.

Para o escritor, ao invés de denúncias públicas e sanções contra as atrocidades, "as autoridades tomam decisões simbólicas". "É mais uma falha. Eu não entendo como isso pode estar ocorrendo no século 21", lamenta. O prêmio Nobel nigeriano diz que todas as "atrocidades escondidas" serão reveladas uma hora ou outra, mesmo que leve anos. "Tudo fica claro no final. Então, por que esses Stalins e Hitlers de mentirinha não aprendem com a História ao invés de ficarem nos sobrecarregando com seus crimes? Por que isso tem que acontecer repetidamente?", pergunta com certa amargura na voz.

As repetições da História, tragédias ou farsas, têm assombrado a vida e o trabalho de Soyinka. Eu encontrei-o pela primeira vez em 1994, quando ele tentava desesperadamente impedir uma guerra civil na Nigéria, após as eleições de 1993 terem sido anuladas. O vitorioso, Moshood Abiola, líder da oposição, havia sido sido preso e o poder estava sendo exercido por Abacha, o "açougueiro de Abuja".

No terceiro volume de suas memórias, intitulado de Ibadan: The Penkelemes Years (Ibadan: Os anos Penkelemes), Soyinha relembra de um "roubo eleitoral", em 1965, quando ele foi preso por ter tomado posse de uma estação de rádio com armas e ter transmitido programação "pirata" de protesto. Meses após nosso encontro, o passaporte de Soyinka foi apreendido pelo regime de Abacha e ele se viu forçado a fazer uma fuga arriscada, numa viagem de 12 horas de motocicleta através da fronteira de Benin.

Sempre pontuada pelas reviravoltas políticas da Nigéria, nossas conversas sempre ocorreram em diversos locais, desde as celebrações de aniversário de 70 anos do seu compatriota literário, Chinua Achebe, no rio Hudson, em Nova Iorque, até um cuscuz em Paris, onde ele brindou ironicamente a morte inesperada de Abacha como um fim ao exílio, em 1998. Abiola morreu misteriosamente um mês após sua prisão.

Agora, apesar da voz do escritor parecer estar perdendo a força, suas convicções continuam firmes como sempre. Após o líder interino da Nigéria ter devolvido o passaporte dele, Soyinka achou sua recepção "estupefata".

"Houve surpresa com relação ao que ela significava para os outros, apesar de que, para mim, eu nunca saí da Nigéria", diz.

Em You Must Set Forth at Dawn (Você precisa andar para frente no amanhecer, em tradução livre), um volume de memórias publicado neste mês, Soyinka coloca abaixo a crença que teve durante a vida de que "a Justiça é a primeira condição da humanidade" mudando-a para "um senso de remédio muito refinado de certo e errado".

Suas memórias, um tanto melancólicas às vezes, fazem homenagem aos mortos, especialmente seus pais. O escritor e poeta diz que quer ser enterrado num pedaço de cacto, no chão de sua casa. Soyinka diz ainda sentir saudades da busca dos tempos prazerosos do passado, desde quando colecionava arte africana até à época que caçava sozinho nas florestas.

"Cada vez que eu penso que achei tempo para mim mesmo", diz Soyinka, "junto com esse tempo vem um obstáculo para atrapalhar meu próprio espaço". A posse, no mês passado, do novo presidente da Nigéria, Umaru Yar’Adua, é, para Soyinka, um desses obstáculos. O escritor, junto com observadores internacionais, não considera que as eleições presidenciais possam ser chamadas "eleições de verdade, pois foram forjadas de maneira descarada". "Em alguns estados não houve votos sequer", denuncia.

Soyinka pertence à Nigéria Unida por Democracia, uma "coalizão política temporária". Recentemente, em 2004, ele foi atacado com gás lacrimogênio e preso numa marcha de protesto contra o governo, mas foi solto logo após a prisão.

"A polícia insiste que tem a autoridade para decidir quem tem direito de andar na rua", diz ele. "Como é que eles podem decidir se eu posso fazer protesto contra as políticas do governo ou não? Isso é inaceitável. Se eles disserem que eu preciso de uma permissão da polícia, eu a rasgo", contesta.

Em seu ensaio sobre a "psicopatologia do fanático" ("estou certo, você está morto"), o escritor diz que "o limite lunático", seja no poder do Estado ou na resistência a ele, deve ser observado.

Em sua visão, George W. Bush (presidente dos EUA), acredita ter uma conexão direta com Deus. "Ele (Bush) diz ‘não nos importamos com aprovação mundial se Deus nos aprovar’. É um fundamentalismo extremista do tipo mais perigoso – e que levou ao que aconteceu no Iraque".

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