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Curitiba – Os termos do acordo comercial que o Uruguai tenta alinhavar com os Estados Unidos vão definir o futuro do Mercosul. Segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, o acordo tem potencial implosivo – pode minar a união aduaneira, que tenta há duas décadas alcançar o status de mercado comum, com uma integração mais ampla.

Se o Uruguai negociar tarifas reduzidas para vender carne aos EUA e comprar produtos industrializados, poderá se transformar num portal norte-americano dentro do Mercado Comum do Sul. Pelas regras da união aduaneira, Argentina, Brasil, Paraguai e Venezuela também teriam acesso a mercadorias norte-americanas com taxas reduzidas. Mesmo que o triângulo de importação não afete indústrias sul-americanas, terá impacto na política tarifária da região, negociada com dificuldade.

Como o potencial do mercado uruguaio é relativamente pequeno para atrair os EUA, o acordo desperta desconfiança sobre os interesses norte-americanos. Os EUA têm interesse em "implodir o Mercosul" para levarem adiante o projeto de criação de uma área de livre comércio sob seu domínio, afirma Tatyana Friedrich, especialista em Direito Internacional e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

"Isso faz parte da estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos. A criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), rejeitada pelo Brasil e aparentemente abandonada, está nos planos do governo (George W.) Bush. Esses mesmos documentos determinaram a represália ao Afeganistão (2001) e a invasão do Iraque (2003)", diz a analista. "Se as guerras aconteceram, por que o projeto da Alca não pode ser levado adiante?", questiona.

Até março, o governo uruguaio negava estar negociando um acordo comercial com os Estados Unidos. Admitia simpatizar com a idéia de ampliar o comércio bilateral, mas rejeitava a possibilidade de abrir mão do Mercosul. Esse quadro, no entanto, foi mudando pouco a pouco. Nas últimas semanas, as discussões se ampliaram. A adoção de um Tratado de Livre Comércio (TLC) entrou na roda das discussões políticas.

Apesar do consenso de que o acordo depende de licença do Mercosul, não há regras claras sobre a abrangência de acordos bilaterais com terceiros, afirma o especialista em Gestão de Negócios no Mercosul, Rodrigo Rossi, professor da UFPR. Ou seja, qualquer iniciativa, mesmo que não represente risco para a união aduaneira, acaba despertando temores na região.

Rossi diz que a importância do Uruguai no Mercosul vai além de sua participação no mercado. "O Uruguai tem uma posição estratégia, é um elemento de estabilização do Mercosul. Além disso, tem acesso ao aqüífero Guarani (o maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do mundo)", aponta. Em sua avaliação, esses fatores vêm sendo ponderados pelos EUA.

Essas questões ampliam as discussões sobre as conseqüências de um possível TLC entre o Uruguai e os EUA. Há uma série de questões sem resposta mesmo para Montevidéu. O governo uruguaio se pergunta se tem condições de enfrentar os problemas que devem surgir diante dos sócios do Mercosul, diz o jornal La República, de Montevidéu. Avalia se o TLC lhe dá condições de negociar com um país economicamente bem mais forte. Além disso, o governo uruguaio ainda não teria medido as vantagens e desvantagens de optar pelos EUA e deixar o Mercosul.

Os líderes uruguaios vêm adotando uma postura um tanto ambígua. Ao mesmo tempo em que colocam novamente em pauta o problema das limitações comerciais impostas pelo Mercosul, dizem que não pretendem deixar o bloco. Diante dos holofotes, estão colocando em prática a linha de ação defendida pelo chanceler uruguaio, Reinaldo Gargano, que prometeu deixar o cargo se o TLC fosse assinado, segundo a rádio uruguaia Espectador. Gargano defende uma ampliação do comércio entre o Uruguai e os Estados Unidos, mas acredita que o TLC seria prejudicial aos uruguaios. Entretanto, o TLC volta à discussão com tanta freqüência que parece não ter sido descartado.

Argentina e Brasil

A diferença entre ampliar as relações comerciais e assinar um TLC é grande. Porém, Montevidéu não esclarece quais suas pretensões, reclamam Brasil e Argentina. O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, disse à imprensa uruguaia que Montevidéu não cansa de repetir que quer ampliar seus negócios, mas não diz exatamente o que isso significa na prática.

Há duas semanas, o presidente Tabaré Vázquez e os ministros da Economia, Danilo Astori; de Relações Exteriores, Reinaldo Gargano; da Pecuária, José Mujica; de Indústria, Jorge Lepra e de Turismo, Héctor Lescano, confirmaram que vão tentar um acordo comercial com os Estados Unidos. Sem falar em TLC, Montevidéu confirmou apenas que pretende reduzir o risco de sair em desvantagem diante dos EUA. Em outras palavras, quer que Washington reconheça as peculiaridades uruguaias. A idéia seria fazer um acordo que traga os benefícios de um TLC – com tarifa zero para produtos previamente listados – sem deixar o Mercosul.

Depois disso, o presidente uruguaio recebeu uma espécie de puxão de orelha de seu colega brasileiro. Num encontro com Tabaré Vázquez em Canoas (RS), dia 8, Luiz Inácio Lula da Silva alertou sobre o risco de o acordo Uruguai/EUA colocar em perigo o bloco sul-americano. Tabaré Vázquez saiu de Canoas dizendo que havia obtido o aval do Brasil para um acordo com os EUA. Ele já alegara que a Argentina tinha adotado esse mesmo posicionamento.

O que está claro é que o Brasil e a Argentina não se opõem a um acordo restrito, em que o Uruguai negocie preferências tarifárias para venda de carne, por exemplo, oferecendo, em contrapartida, vantagens a outros produtos. Por outro lado, os líderes do Mercosul rejeitam prontamente um acordo aos moldes dos TLCs firmados pelos EUA com Peru, Colômbia e Chile. Como os EUA vêm assinando acordos padronizados, o temor é de que Montevidéu não alcance um meio termo.

Mesmo que o Uruguai faça um acordo limitado, deverá submetê-lo à avaliação dos demais sócios do Mercosul, analisa Tatyana Friedrich. "Em tese, um acordo entre Uruguai e Estados Unidos é incompatível com o Mercosul", diz, frisando que "o processo de integração regional pressupõe o interesse coletivo". Teoricamente, os integrantes do Mercosul deveriam priorizar o fortalecimento da economia regional.

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