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No Afeganistão, para além da guerra contra o Taleban, uma guerra nas sombras é travada em silêncio. É uma batalha de espi­­ões, feita por procuração, com centenas de milhões de dólares e ameaças diplomáticas em jogo.A luta é entre os rivais Índia e Paquistão, ambos detentores de armas nucleares, numa disputa por influência que quase certamente ganhará força à medida que os ponteiros do relógio caminham para a retirada das tropas americanas, a qual o presidente dos Estados Unidos, Barack Oba­­ma, diz que começará no próximo ano.

O choque já espalhou ataques sangrentos de militantes e militares americanos temem que a região poderá se desestabilizar ainda mais. Com o serviço secreto paquistanês mantendo laços com a milícia fundamentalista islâmica Taleban no Afeganistão, a Índia ameaçou forçar o Irã, a Rússia e outras nações para a competição, se um governo anti-indiano tomar o poder em Cabul.

"Existe um jogo muito delicado sendo jogado aqui", avalia Daoud Muradian, um assessor graduado no Ministério do Ex­­terior do Afeganistão. Ele falou sem cansaço sobre como o Afe­­ganistão, um ponto montanhoso de ligação entre o Sul da Ásia, o Oriente Médio e a Ásia Central, foi durante séculos, frequentemente, pouco mais que um palco para as disputas de poder en­­tre outros países. "Nós não queremos ser forçados a escolher entre a Índia e o Paquistão." Para um como para o outro, o Afega­­nistão seria um prêmio de enorme valor.

Para a Índia, laços estreitos com Cabul significam novas rotas comerciais, acesso às vastas reservas de energia da Ásia Cen­­tral e uma maneira de repelir o crescimento da militância islamita. Significa a chance de Nova Délhi minar a política de Islama­­bad, enquanto nutre suas aspirações de superpotência ao expandir sua influência regional.

O Paquistão também está de­­sesperado por novas reservas de energia, e sua política exterior tem se escorado na visão de que o Afeganistão é um aliado natural. Os dois países dividem uma longa fronteira, populações ma­­joritariamente islâmicas e ligações étnicas profundas.

E existe também o medo. Ín­­dia e Paquistão lutaram três guer­­ras durante as últimas sete décadas e os líderes militares paquistaneses são aterrorizados pela perspectiva de algum dia se en­­contrarem entre a Índia numa fronteira e um Afeganistão pró-Índia na outra. "Nós não podemos permitir um governo hostil no Afega­­nis­­tão", acredita Mohammad Sadiq, embaixador do Paquistão no Afe­­ganistão.

A guerra nas sombras começou logo depois da invasão americana ao Afeganistão, no final de 2001, quando o governo do Taleban em Cabul foi derrubado e Nova Délhi começou a cortejar a nova liderança afegã.

Foi uma interferência num país que Islamabad, que apoiou entusiasticamente o governo do Taleban, viu como seu território diplomático por duas décadas. Mas Nova Délhi rapidamente virou aliada do governo do presidente Hamid Karzai.

Na superfície, tanto Índia quanto Paquistão estão trazendo ajuda para um país que precisa desesperadamente dela. Nova Délhi construiu rodovias nos de­­sertos do oeste e trouxe eletricidade para Cabul. A Índia está construindo um novo prédio para o Parlamento do Afeganis­­tão e oferece assistência médica gratuita em clínicas ao redor do país. Apesar das suas enormes necessidades próprias – a Índia possui grande parte da sua população na pobreza e uma infraestrutura deficiente, mesmo com seu rápido crescimento econômico – forneceu mais de US$ 1,3 bilhão em ajuda para o de­­senvolvimento do Afega­nistão.

Isso, por sua vez, aumentou os esforços do Paquistão, com Islamabad gastando US$ 350 milhões, de livros escolares a ônibus.

Mais que ajuda humanitária

Mas tudo isso está longe de ser apenas ajuda humanitária. "Enquanto as atividades da Índia em grande parte beneficiam o povo afegão, a crescente influência indiana no país tende a exacerbar as tensões regionais e a encorajar medidas do Pa­­quistão", advertiu o general Stan­­ley McChrystal, ex-comandante das forças dos EUA e da Organi­­zação do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em solo afegão, em relatório elaborado no ano passado.

As tensões em alta são a última coisa que os EUA querem. A guerra afegã já custou a vida de mais de 1.800 soldados da coalizão militar ocidental, mais de 1.100 deles norte-americanos. Mais de 2.400 civis afegãos foram mortos apenas no ano passado.

Se a competição no Afeganis­­tão está enraizada numa série de questões, muitas delas giram ao redor do Taleban. As percepções de Nova Délhi sobre o Afeganis­­tão moderno foram moldadas por suas memórias do governo do Taleban, de 1996 a 2001, um regime fundamentalista islâmico que chegou ao poder com o apoio do Paquistão.

Foi um período no qual Nova Délhi foi abertamente desdenhada e hostilizada em Cabul, quando insurgentes que lutavam contra a Índia treinavam em campos afegãos e sequestradores de um avião comercial in­­diano foram recebidos como heróis na cidade.

Mesmo após a queda do go­­verno do Taleban, a ISI (poderosa agência de espionagem do Pa­­quistão) manteve ligações com a insurgência do Taleban, que agora combate as forças lideradas pelos norte-americanos e o go­­verno de Karzai, para a eventualidade de o Taleban voltar ao poder.

Mas se existe algo que Nova Délhi não quer é outro regime militante islamita no poder em Cabul. "Nós queremos a estabilização do Afeganistão porque isso é algo diretamente relacionado à nossa segurança. Isso é óbvio e simples", disse Jayant Prasad, embaixador da Índia no Afe­­ganistão, falando na sua residência em Cabul, fortemente vigiada.

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