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Soldados somalis patrulham os arredores de uma pequena loja de chá em Mogadíscio onde ocorreu um atentado suicida na última quarta-feira | Omar Faruk/Reuters
Soldados somalis patrulham os arredores de uma pequena loja de chá em Mogadíscio onde ocorreu um atentado suicida na última quarta-feira| Foto: Omar Faruk/Reuters

Kony 2012

Maior problema de documentário é ingenuidade

Um norte-americano cheio de boas intenções fez um documentário denunciando Joseph Kony, líder do Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês), acusado de sequestrar crianças que transforma em soldados e escravos sexuais e de uma quantidade absurda de outros crimes – incluindo estupros em massa engendrados apenas para chamar a atenção da mídia.

Kony 2012, de Jason Russell, bombou nas redes sociais e se tornou o vídeo no YouTube que chegou mais rápido aos 100 milhões de acessos. O objetivo de Russell e da organização por trás do filme, chamada Invisible Children, é fazer de Kony uma celebridade porque só assim ele será perseguido e preso pelos seus crimes, segundo a lógica defendida pelo documentário.

As reações foram diversas, de elogios da Casa Branca a críticas de especialistas. Na revista Foreign Policy, David Rieff, autor de livros sobre imigração e conflitos internacionais, diz que o pior defeito de Kony 2012 – e de seus realizadores – é a ingenuidade. Questões complexas são simplificadas ao extremo ou completamente ignoradas, como a história ugandesa, o contexto do surgimento de Kony ou as consequências de um conflito armado.

Rieff analisa que, ao pedir a punição de Kony e o fazer de uma maneira simplista, o filme é uma propaganda pró-guerra. "Que Russell e seus colegas pareçam cegos para o quanto isso é perigoso sugere que o velho adágio sobre o inferno estar cheio de boas intenções faz mais sentido do que nunca."

Prisão

Na manhã deste sábado, o diretor Jason Russell foi preso em San Diego, nos EUA, acusado de masturbação em público, de acordo com a polícia local. Russell foi encontrado nu, correndo numa rua, quebrando vidros de carros estacionados e se masturbando. A polícia suspeita que ele estivesse sob efeito de drogas.

A fundação Invisible Children emitiu comunicado lamentando o ato e afirmando que Russell foi "hospitalizado sofrendo de exaustão, desidratação e desnutrição". Ele recebe tratamento médico.

"As últimas duas semanas foram de emoções severas para todos nós, especialmente para Jason, e esse estalo se manifestou nele com um incidente infeliz." (IBN com agências)

Ninguém consegue encontrar um número certo para os conflitos existentes hoje na África. São tantos e tão confusos que fica difícil apontar quem são os envolvidos e o que eles querem. Estima-se que quase a metade dos 55 países do continente esteja servindo de campo de batalha.

Cinquenta anos atrás, os rebeldes lutavam contra o apartheid ou contra o colonialismo. Agora, como explica o jornalista Jeffrey Gettleman, correspondente do New York Times na África Oriental, o que ocorre é "algo mais selvagem, bagunçado, predatório e difícil de definir".

Em um artigo para a revista norte-americana Foreign Policy, Gettleman diz que as guerras africanas parecem intermináveis por um motivo: "Elas não são guerras de verdade". Ele defende que os rebeldes atuando na África não têm ideologia nem objetivos claros e cita como exemplo um episódio ocorrido enquanto cobria a conferência para a paz em Darfur, em 2007. No evento, sediado na Líbia, os "líderes" rebeldes (as as­­pas são dele) estavam mais interessados nos bufês livres do hotel do que nas sessões de negociação.

"Dá para dizer que muitos dos rebeldes são simplesmente bandidos", afirma Gettleman, "oportunistas e agressivamente armados". O que torna impossível qualquer tipo de negociação. "Tudo o que eles querem é dinheiro, ar­­mas e permissão para matar. E eles já têm tudo isso."

O escritor nigeriano Chinedu Okafor, em entrevista à Gazeta do Povo, concorda que algumas guerras no continente africano são difíceis de entender. E cita os problemas de Mali, Uganda, Ar­­gélia, Marrocos e Líbia. "Todos esses [conflitos], em minha opinião, são insanos porque, quando você analisa as causas, não encontra nada que justifique as barbaridades que estão acontecendo", diz Okafor.

O nigeriano é autor do livro Os Escorpiões Vermelhos (Instituto Me­­mória), um romance histórico so­­bre várias das dificuldades enfrentadas pelos africanos. "A gênese do problema é a falta de confiança entre as etnias que formam os países da África", explica. Esses grupos foram levados a conviver quan­­do o continente foi dividido em países pelas nações colonizadoras, explica Okafor, "agrupando et­­nias diferentes, pessoas com culturas distintas e religiões distintas".

O resultado desse agrupamento somado à desconfiança é explosivo e Okafor exemplifica com a Líbia, país em que os rebeldes começaram desacreditados pelo mundo – palavras do escritor – e terminaram derrubando o go­­verno de Muamar Kadafi (1942-2011). "O que se vê na Líbia hoje é um cenário em que déspotas diferentes estão tentando passar a perna uns nos outros, e a questão da desconfiança tribal começa a exibir sua face horrenda", diz.

É uma situação que espelha o período em que a África, na se­­gunda metade do século passado, viu várias nações conquistarem a independência para, em seguida, enfrentar distúrbios internos sobre quem deveria assumir a li­­derança dos países autônomos.

Nos Estados Unidos, acaba de sair pela Cambridge University Press o livro Warfare in Indepen­­dent Africa ("Conflitos na África independente"), de William Re­­no. Na obra, o cientista político procura explicar os movimentos rebeldes africanos no passado e no presente dividindo-os em cinco grupos: os rebeldes anticoloniais, os que brigam por um go­­verno da maioria negra (contra a minoria branca), os reformistas, os déspotas e os paroquiais.

Sobre o cenário atual, Reno descreve um "beco sem saída nas piores partes do continente, com um excesso de conflito armado e uma escassez de transformação política".

O fim das guerras por independência dos anos 1960 e 70 mergulhou a África em um lamaçal de rebeldes déspotas (Somália, Con­­go, Serra Leoa etc.) e paroquiais (Nigéria, Níger), para usar a no­­menclatura de Reno. Ele escreve: "O ‘sucesso’ irônico dos rebeldes déspotas e paroquiais e das políticas de estado que os produzem é que eles servem de obstáculo para rebeliões armadas motivadas ideo­logicamente em sociedades africanas".

Reno foi o criador da expressão "estado sombra" para definir países africanos em que um mandatário toma decisões e assume atitudes que não se baseiam em leis nem em diretrizes escritas – ainda que elas existam. Nikki Funke e Hussein Solomon, professores da Universidade da Pretória, na África do Sul, analisaram as teorias de Reno. "Esses líderes minam as instituições governamentais enfraquecendo suas estruturas burocráticas e manipulando os mercados com o objetivo de enriquecer e aumentar seu poder de controle sobre os outros", dizem os professores.

Ordem política deixa de preocupar rebeldes

A próxima geração de rebeldes africanos deverá ser motivada por questões mais mundanas e se preocupar menos com a ordem política. A afirmação é do cientista po­­lítico William Reno, professor da Northwestern University, em Chicago, no estado de Illinois.

Para o escritor Chinedu Oka­­for, da Nigéria, a maioria das rebeliões da África nasce da ganância. "Mui­­tos presidentes que surgiram de movimentos rebeldes pa­­ra lutar contra a corrupção acabaram se tornando mais corruptos do que as pessoas que eles destituíram do po­­­der", diz. "Veja Paul Biya, de Ca­­­ma­­rões, [Abdoulaye] Wade, do Sene­­gal, [Blaise] Cam­­paoré, de Burkina Faso, [Laurent-Désiré] Kabila, do Congo, e o restante deles."

Mesmo líderes que são vistos com certa simpatia por parte de al­­guns analistas, como Yoweri Mu­­seveni (Uganda) e Paul Kagame (Ru­­anda), citados por Nicolas Van De Walle, da Universidade de Cor­­nell, em artigo para a revista Fo­­reign Af­­fairs, parecem não resistir a uma análise mais crítica. "[Kaga­­me e Mu­­seveni] po­­dem sugerir in­­sur­­reições reformistas, mas se você os analisar de ân­­­­gulos diferentes, verá ainda elementos de insatisfação tribal e ga­­nância de­­senfreada", afirma Oka­­for.

Em Burkina Faso, lembra o ni­­­ge­­­­riano, Thomas Sankara e seu primo Blaise Campaoré derrubaram Saye Zerbo em um gol­­pe em 1983. "Qua­­tro anos depois, Cam­­paoré as­­sas­­sinou Sankara e se tornou pre­­si­­dente. Isso não teve nada a ver com intenções reformistas e, sim, com pura fome de po­­der", diz.

Embora tenha argumentos con­­tundentes para censurar o que se passa na África, Okafor é também otimista. "Num futuro próximo, vejo essas rebeliões morrendo naturalmente quando os países africanos aprenderem a administrar suas riquezas e a ex­­tirpar a corrupção de sua política."

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