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Mulher caminha em Berlim, capital da Alemanha | Krisztian Bocsi/
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Mulher caminha em Berlim, capital da Alemanha| Foto: Krisztian Bocsi/ Bloomberg

A Alemanha está florescendo sob o governo da chanceler Angela Merkel nos últimos 12 anos, com recordes de baixas taxas de desemprego e crescimento econômico robusto. Mas o sucesso não tem se traduzido em salários melhores para as mulheres no país, onde há uma das maiores desigualdades em relação aos homens. E não há sinais de que a situação vai melhorar. 

Apesar de uma mulher estar à frente do governo, uma nova lei que objetiva destacar o problema não tem força para impulsionar a posição das mulheres no setor corporativo. O Ato de Transparência Salarial, que entrou em vigor em janeiro, coloca a responsabilidade dos empregados dar um passo adiante e solicitar informações sobre as discrepâncias salariais, enquanto as companhias tem uma ampla margem de manobra. 

“A lei praticamente não terá nenhum impacto em promover a igualdade salarial”, disse Hans-Georg Kluge, um advogado especializado em casos antidiscriminação. “As mulheres que estejam dispostas a levar seu caso aos tribunais não terão nenhum benefício com isto.” 

Isto está muito longe de outros países, onde a responsabilidade recai sobre os empregadores. No Reino Unido, as empresas estão obrigadas a publicar as diferenças salariais de gênero anualmente. Os informes iniciais a princípio deste ano publicaram um furor público, bem como a renúncia de um editor sênior da BBC em protesto. O governo francês planeja leis que exigem um acompanhamento das diferenças salariais entre gêneros. 

Mundo corporativo

Apesar do status de Merkel como uma das mulheres mais poderosas do mundo e a política alemã estar cheia de fortes lideres femininas, o papel da mulher no mundo corporativo é pequeno. Enquanto o movimento #MeToo despertou atenção aos problemas de assédio e agressão sexual, a diferença salarial, muitas vezes, encontra-se enraizada na cultura alemã. Um termo – Frauenberufe (trabalhos de mulher) – é usado para se referir a carreiras de baixos salários como trabalhos sociais, cabelereiras e enfermeiras. 

Mesmo em áreas dominadas pelas mulheres, como assistentes médicas, os homens podem ganhar até 40% a mais. Os salários menores, em conjunto com mais trabalhos de tempo parcial para as mulheres, significam ganhos 50% menores ao longo de sua carreira do que dos homens, aponta um estudo realizado em 2017 pelo Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, em Berlim. 

Estas diferenças, aliadas às deficiências em cuidados infantis e pressões sociais, contribuem para menos mulheres no mercado de trabalho. 78% dos homens em idade ativa estavam empregados em 2016. O número de mulheres era de 70%, aponta o escritório nacional de estatísticas. É uma oportunidade perdida por uma economia lutando contra uma escassez de mão de obra. O Ministério do Trabalho informou, em um relatório no ano passado, que vê um potencial significativo no aumento de horas trabalhadas, mas para que isso ocorra as condições gerais teriam de melhorar. 

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Globalmente, acabar com a diferença salarial e promover participação equitativa no mercado de trabalho poderia enriquecer o mundo em US$ 160 trilhões, segundo um estudo do Banco Mundial. É, aproximadamente, o dobro do PIB global. 

Os salários na Alemanha não são o primeiro esforço para enfatizar a discriminação de gênero. Uma iniciativa de 2016 exigia que as grandes empresas indicassem, no mínimo, 30% de pessoas para os conselhos de supervisão. Enquanto isto teve um impacto no alto escalão corporativo, a desigualdade mais ampla permanece. 

Quando a lei foi aprovada em julho de 2017, o governo alemão disse que era um “passo importante em direção em direção a uma maior igualdade salarial”, porque as empresas necessitam informar sobre os planos para equilibrar as condições de trabalho para homens e mulheres. Entretanto, a versão final tem mais finalidade burocrática do que gera condições para a mudança, disse Torsten von Roetteken, um juiz aposentado do Tribunal Administrativo de Frankfurt e autor de vários livros sobre as leis alemãs de igualdade de gênero. 

“As barreiras são extremamente grandes e exigem que as pessoas tenham uma elevada tolerância e capacidade para o conflito”, diz o juiz. “Mesmo assim, ainda há o perigo de intimidação aberta ou oculta.” 

Resposta morna

Como era de se esperar, a resposta foi morna. Apenas uma em oito pessoas que responderam a uma pesquisa feita pela consultoria EY afirma que pediria uma explicação sobre as diferenças salariais a seus empregados. Um terço dos que se recusaram a fazer solicitações citaram repercussões negativas como o motivo. 

O Deutsche Bank, com mais de 30 mil funcionários, só recebeu 134 pedidos de informações durante o primeiro trimestre, mesmo com a maior instituição alemã de crédito tendo disponibilizado formulários na intranet voltada para seus funcionários. Nos primeiros meses da entrada em vigor da lei, outro gigante alemão, a Bayer, recebeu menos de dez solicitações. A BMW recebeu 17 pedidos, de um total de 90 mil funcionários na Alemanha. 

“Se a lei é eficaz, isto não é medido pelo número de solicitações de pedidos de informação”, apontou o Ministério da Família da Alemanha. “É sobre as pessoas que fazem perguntas que têm razões para acreditar que estão em desvantagem ou precisam de melhores evidências para as negociações salariais.” 

As mudanças institucionais foram evidentes em um raro caso sobre diferenças salariais, julgado no ano passado, antes de a nova lei entrar em vigor. Uma repórter da rede alemã ZDF perdeu um processo contra seu empregador após um tribunal em Berlim dizer que as condições de trabalho de um colega masculino melhor pago não eram comparáveis. 

Sem apoio legal, as alemãs podem esperar, na melhor das hipóteses, pela boa vontade dos empregadores ou o apoio dos comitês da empresa, que representam os interesses dos funcionários. 

“Transparência está se tornando um fator de diferenciação”, disse Gernot Sendowski, diretor de diversidade e inclusão. “As pessoas que se juntam às empresas exigem muito mais do que a realidade por trás dos slogans.”

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