• Carregando...

Durante praticamente o ano inteiro, a Dra. Tamara Khidoyatova cuida de seus pacientes nesta cidade antiga e pitoresca na Rota da Seda, mas durante algumas semanas no outono é forçada a colher algodão, tarefa pela qual recebe muito pouco ou nada.

Quando começa a temporada, o governo sorteia para a colheita cerca de um milhão de pessoas, principalmente funcionários públicos e prestadores de serviços, que contribuem para manter o país como o quinto maior exportador da matéria-prima do mundo.

"Você vem trabalhar toda maquiada, bem vestida, de salto, aí chega o diretor da clínica e diz que precisa de 40 pessoas no campo e ainda manda a gente se apressar!", conta a Dra. Khidoyatova, de 61 anos.

Ao chegarem aos campos, os colhedores prendem um saco pesado de estopa no pescoço, se equilibram entre os sulcos no terreno e vão pegando as bolinhas brancas para preencher a cota de 50 kg/dia. À noite, todos dormem em beliches nos estádios das escolas públicas ou nas casernas à beira da estrada.

Até bem pouco tempo, os estudantes, alguns até de sete anos de idade, eram sempre chamados para a tarefa, e alguns adolescentes são requisitados até hoje; porém, pressionado por um boicote organizado pela Campanha do Algodão e a Rede de Contratação Responsável, grupos que trabalham com as maiores confecções ocidentais, o governo uzbeque desistiu de convocá-los. Para substituí-los, as autoridades se voltaram para os pais.

É um dos sistemas mais bizarros de trabalho agrícola do mundo, sem dúvida, possível somente numa das sociedades mais repressoras da atualidade. País mais populoso da Ásia Central, com trinta milhões de habitantes, o Uzbequistão é governado desde 1989 pelo presidente Islam Karimov, primeiro como "apparatchik" (representante) soviético e depois, como chefe de Estado.

De meados de setembro a meados de novembro, mais de um milhão de pessoas saem das cidades e vilarejos para os vastos algodoais. Ali, as condições de vida de professores e médicos não são muito diferentes das dos escravos de antigamente — exceto por um detalhe.

"Ninguém usa a chibata", conta Muhabbat Abdullayeva, uma professora primária rechonchuda de cabelo curto, tingido de vermelho, num vilarejo perto de Samarkand.

Segundo a explicação do governo, todos esses professores, médicos, burocratas, comerciantes, engenheiros e arquitetos são "voluntários", mas se não se "prontificam" a servir de mão de obra, podem ser demitidos ou até presos.

Para as autoridades, a participação popular em massa na colheita é vista como a continuação de uma tradição ou serviço patriótico.

Defensores dos direitos humanos se dizem chocados ao descobrir que sua luta é quase sempre malvista no país.

"’Olha aí o que vocês conseguiram’", o ativista Dmitri Tikhonov conta ter ouvido de um uzbeque. "’Queriam eliminar o trabalho infantil, agora somos nós que temos que fazer tudo.’"

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]