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No fim das contas, o Exército se aliou aos manifestantes, e a piada cruel recaiu sobre o presidente: os cartazes com os dizeres "o Egito e Mursi não se misturam" eram os que mais causavam risos na praça Tahrir.

As Forças Armadas derrubaram o presidente Mohamed Mursi na quarta-feira, declarando que ele havia "faltado" com o povo egípcio.

Mursi teve uma infância pobre no delta do Nilo, conseguiu estudar nos EUA e se manteve piamente leal à então clandestina Irmandade Muçulmana, condição da qual saltou da obscuridade há um ano para se tornar o primeiro presidente eleito livremente na história egípcia.

Mas sua aprovação pessoal logo foi derrubada pelas dificuldades econômicas e pelos sucessivos erros políticos - o que incluiu não ter conseguido convencer a elite urbana de que ele não era um fantoche nas mãos de uma sociedade secreta de fanáticos religiosos.

Quando, em janeiro, ele arriscou algumas palavras em inglês durante uma visita à Alemanha, virou o alvo perfeito para uma nova leva de humoristas que aproveitam as liberdades conquistadas na revolução de 2011 na praça Tahrir.

"Gasolina e álcool não se misturam", disse o engenheiro muçulmano abstêmio, de 61 anos, para uma intrigada plateia em Berlim, usando um inglês forçado e batendo na mesa para enfatizar um argumento sobre segurança rodoviária.

As imagens, ironizadas por um humorista no horário nobre da TV, se espalharam via redes sociais entre os membros da elite liberal fluentes em inglês. O comediante Bassem Youssef, que gosta de ser comparado ao norte-americano Jon Stewart, foi intimado a depor sobre um suposto insulto ao presidente, o que só ajudou a piada a crescer.

Quando alguém escreveu pela primeira vez em um cartaz que "o Egito e Mursi não se misturam", o slogan decolou. Logo milhões de pessoas estavam nas ruas, e Mursi ficou isolado, proferindo confusos discursos sobre as injustiças da mídia contra ele.

Sameer Shehata, especialista em política árabe e islâmica na Universidade de Oklahoma, resumiu o dilema exposto pelo destino de Mursi no Egito, onde liberais estão celebrando um golpe militar que depôs um líder democraticamente eleito. "Sua política é dominada por democratas que não são liberais, e por liberais que não são democratas", escreveu Shehata no The New York Times.

ERROS

Mursi e seus aliados no Conselho de Orientação da Irmandade - a quem os liberais egípcios se referem como os marionetistas por trás de Mursi - também cometeram erros. "Ele foi um líder desastroso", disse Shehata. "Divisivo, incompetente, com mão pesada e surdo a amplos segmentos da sociedade egípcia que não partilham da sua visão islamita."

As promessas descumpridas, especialmente na economia - em meio a uma redução da renda real e de desabastecimento de combustíveis - ampliaram o apelo de um movimento de protesto arraigado na oposição liberal, que perdeu sucessivas eleições para os políticos islâmicos.

"Mursi alienou as outras forças, ele não lidou bem com a economia e fez muitos inimigos - nos tribunais, no Exército, na polícia, na mídia", disse Khalil al-Anani, pesquisador-sênior do Instituto do Oriente Médio, de Washington, mas atualmente no Cairo.

Enfatizando a "guerra midiática", ele acrescentou: "Ele estava lutando em muitas frentes ao mesmo tempo, e essa é sempre uma péssima tática política. Ele uniu a oposição contra si."

Sem a expectativa de consenso, Mursi continuou na ofensiva, retratando seus oponentes como maus perdedores que rejeitaram uma mão estendida. Seus aliados, enquanto isso, iam se reduzindo aos políticos islâmicos da extrema direita religiosa.

Mursi defendeu sua legitimidade como líder eleito em um discurso lido na semana passada a convidados que o aplaudiram, depois de um primeiro alerta do Exército para que fizesse concessões à oposição. Transmitido ao vivo em rede nacional de TV durante quase três horas, o pronunciamento foi um sinal da sua teimosa incapacidade de compreender como se comunicar para além da base eleitoral da Irmandade.

"Ele sabe que sua audiência primária não são os partidários da oposição ou os moradores urbanos de mentalidade laica", disse Yasser El Shimy, da consultoria International Crisis Group.

Para Imad El Anis, da Universidade Nottingham Trent, Mursi se indispôs com a opinião pública e em particular com os militares por causa da má gestão econômica e de uma política externa aventureira, mas acima de tudo porque "'entendia a democracia como sendo algo que só tem a ver com eleições".

Ele simplesmente ignorou dezenas de milhões de egípcios que não votaram nele.

Nesta semana, o general Sisi escutou essa gente, e concordou com os humoristas. Muri e o Egito simplesmente não se misturam, decretou o militar.

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