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A cara de bom moço de Tony Blair não resistiu a cinco guerras e investigações por corrupção. O homem que nos últimos dez anos esteve à frente do governo da Grã-Bretanha deixará o cargo nas próximas semanas com uma impressionante reversão de sua popularidade. Hoje, apenas 27% dos ingleses o apóiam. Em 1997, eram 93%.

Uma revisão de seu governo revela acertos e erros da trajetória de um personagem com múltiplas facetas, que revelou-se ao mesmo tempo um sedutor de multidões e um político obstinado que não exitou em levar seu país a uma guerra com argumentos que depois se revelaram falsos.

Seu carisma ajudou no início de sua meteórica carreira política. Advogado proveniente de uma família de classe média alta, Blair entrou para o Parlamento com apenas 30 anos, em 1983. Mostrou ser um deputado enérgico e ambicioso, sendo eleito líder dos trabalhistas em 1994. E em 1997 tornou-se, aos 43 anos, o primeiro-ministro inglês mais jovem desde 1812.

Semanas depois de Blair assumir o poder, a Inglaterra foi sacudida com a morte da princesa Diana, em um acidente de carro em Paris. Foi quando o premiê demonstrou enorme habilidade política e também seu lado populista. Como bem mostra o filme "A Rainha" (que deu o Oscar de Melhor Atriz para Helen Mirren), ele costurou com a realeza britânica as homenagens à mãe dos príncipes herdeiros Harry e William. Também foi Blair quem cunhou o termo "princesa do povo".

No poder, o premiê trabalhista se beneficiou de uma década de sucessos econômicos. Utilizou o brado da modernização (leia-se o neoliberalismo) até mesmo para romper vínculos com os sindicatos e os forçou a aceitar totalmente os princípios do livre mercado. Desembolsou milhares de milhões de libras para os setores da educação, da saúde e do transporte. O legado econômico de Blair também inclui a regionalização, a independência do Banco da Inglaterra e a implementação de um salário mínimo.

Na área social ele foi considerado um liberal, ao autorizar o casamento homossexual. Por outro lado, foi conservador em matéria de imigração.

Desigualdade

Antes de ser escolhido como primeiro-ministro, Blair disse certa vez que queria ver as ruas da Grã-Bretanha livre de mendigos. Dez anos depois Londres é a megalópole que concentra o maior número de milionários no mundo, mas a cidade abriga tantos sem-teto que eles já fazem parte da paisagem cotidiana.

Na área de política internacional o premiê britânico obteve êxito ao costurar o acordo de Sexta-Feira Santa na Irlanda do Norte, em 1998 -que resultou no governo de união entre separatistas e unionistas.

Mas foram suas idéias intervencionistas e seu apoio irrestrito à agenda bélica do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, as principais responsáveis pela queda de sua popularidade.

Blair foi mais vezes à guerra (Iraque em 1998, Kosovo em 1999, Serra Leoa em 2000, Afeganistão em 2001 e novamente o Iraque em 2003) que a belicosa primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher, a "Dama de Ferro", a quem o escritor anglo-paquistanês Salman Rushdie batizou de "Mrs Tortura" ("Senhora Tortura") em sua obra "Versos Satânicos".

Ao decidir se associar sem reservas à invasão no Iraque liderada pelos Estados Unidos e apoiada por outros aliados de menor peso, na ausência de uma resolução da ONU, Blair se afastou da esquerda e empurrou para as ruas milhões de britânicos contrários ao papel britânico nessa guerra.

O profundo desacordo do país com a intervenção no Iraque se agravou com o suicídio do especialista em armamento David Kelly, considerado a fonte das revelações da rede britânica "BBC" segundo as quais o governo exagerou a ameaça representada por Saddam Hussein para justificar a entrada na guerra.

Blair afirma em entrevistas que é "apenas um homem decente", um ser humano comum que "fez o melhor que pôde". Mas para o historiador Dominic Sandbrook, Blair será "curiosamente lembrado não pelo que fez, mas pelo que não conseguiu fazer".

Apesar de a aventura no Iraque não ser a única fonte de críticas, os trabalhistas conseguiram ganhar um terceiro mandato consecutivo em 2005. Mas no final do mesmo ano o partido sofreu sua primeira derrota no parlamento em oito anos.

Foi também em 2006 que a Scotland Yard abriu uma investigação sobre o financiamento de partidos politicos, depois de acusações de que doadores ricos teriam emprestado dinheiro em troca de nomeações para a Câmara dos Lordes. Blair foi interrogado sobre o assunto -a primeira vez que um primeiro-ministro ainda no poder foi questionado pela polícia. Cada vez mais pressionado, ele decidiu no ano passado que deixaria o poder em 2007.

Com 53 anos e quatro filhos, frutos de seu casamento com Cherie -uma mulher apaixonada por política-, Blair indicou dias atrás que apoiará Gordon Brown, seu ministro das Finanças, para sua sucessão. Mas não revelou o que fará após deixar a casa de número 10 da rua Downing, em Londres, e ingressar em sua "aposentadoria política".

A revista "The Economist" especulou em uma recente reportagem que o premiê britâncio pode seguir o caminho trilhado pelo ex-presidente dos EUA Bill Clinton, que se manteve no cenário internacional ao rodar o mundo dando palestras que engordaram em muitos milhões de dólares sua conta bancária.

Bom orador, Blair pode aderir ao estilo Clinton e propagar nos próximos anos seu neoliberalismo pelo mundo, conquistando platéias com seu sorriso plastificado e um discreto humor britânico. Resta saber se esses aplausos terão destaque no lugar que a história vai lhe reservar.

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