• Carregando...
Para analistas, a Alemanha da premier Angela Merkel está cada vez mais sozinha na defesa de sua receita de austeridade | Fabian Bimmer/Reuters
Para analistas, a Alemanha da premier Angela Merkel está cada vez mais sozinha na defesa de sua receita de austeridade| Foto: Fabian Bimmer/Reuters

Dores da austeridade impõem nova agenda política

O duplo mergulho na recessão e os desdobramentos políticos dos severos cortes de gastos públicos colocam o crescimento econômico no centro dos debates na Europa. Com o objetivo de reduzir o elevado endividamento público, os ajustes estrangulam a economia e acabam impedindo o cumprimento das metas de déficits fiscais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), argumento já usado para rebaixamento de ratings no bloco.

Novamente em recessão e no centro das preocupações atuais, Espanha e Itália já reduziram suas ambições de redução de déficits para este ano. Esse círculo vicioso isola a Alemanha, grande comandante do processo de consolidação fiscal no bloco.

O peso político também é evidente. Diversos líderes caíram ao longo da crise de dívida, sem distinção entre direita ou esquerda. Em alguns casos, como Grécia, Portugal e Irlanda, a necessidade de eleições antecipadas trouxe instabilidade política. Apesar dos esforços dos governos, os mercados permanecem desconfiados da capacidade de obtenção de sustentabilidade fiscal.

Em meio à armadilha da austeridade, surgem cada vez mais vozes políticas para falar da necessidade de um "pacto do crescimento", como forma de complementar o pacto fiscal já aprovado pela União Europeia. Dá impulso à discussão a comparação com os Estados Unidos, onde o rombo do governo também é grande, mas a ausência de austeridade permite que a economia caminhe, ainda que devagar.

O debate ganhou força com o discurso do candidato socialista à presidência da França, François Hollande, à frente na disputa do segundo turno, em 6 de maio, contra o presidente Nicolas Sarkozy. Com viés próprio, o tema também foi abordado na semana passada pelo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, e a chanceler alemã, Angela Merkel.

Com apenas cinco meses de vida, o pacto fiscal assinado em dezembro pelos líderes da União Europeia passou de solução a problema. O acordo, celebrado como o grande avanço para enfrentar a crise da dívida na União Europeia, provou-se amargo demais e está sob ataque de líderes políticos de vários países. A questão é polêmica: alguns defendem a necessidade de o bloco aceitar uma meta de déficit menos rigorosa que os 3% determinados, enquanto outros afirmam que a austeridade é necessária, tendo em vista os excessos fiscais dos governos europeus no passado.

Para o professor de Eco­nomia da Universidade de São Paulo (USP), Simão Silber, a implementação do pacto será muito difícil. "Após a queda de dez governos na UE está claro que é impossível que o pacto fiscal seja aprovado". O último governo a sucumbir ao peso político das negociações sobre austeridade foi a Holanda. Na última segunda-feira, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, e seu gabinete apresentaram sua renúncia à rainha Beatriz após o colapso da aliança parlamentar do governo com o Partido para a Liberdade (PVV, na sigla em holandês), de extrema direita. O rompimento ocorreu após o fracasso das negociações sobre um novo pacote de austeridade fiscal. Na quinta-feira, o Parlamento da Holanda fechou acordo para cortar o Orçamento, que inclui medidas como o congelamento dos salários de servidores civis por dois anos e o aumento do imposto sobre valor agregado (VAT, na sigla em inglês) de 19% para 21%.

Segundo Silber, o colapso do governo holandês e a vitória de François Hollande no primeiro turno das eleições presidenciais na França – o candidato socialista já disse que não sancionará o pacto fiscal se for eleito no segundo turno – são sinais claros de que o tratado fiscal não é politicamente efetivo. "É difícil obter apoio dos Parlamentos porque o custo político, social e econômico das medidas é muito alto."

Isolamento

Na quinta-feira, a chanceler alemã e grande defensora do pacto fiscal Angela Merkel afirmou que o acordo "não é negociável". No mercado, crescem as avaliações de que a líder alemã está cada vez mais sozinha na defesa de sua receita de austeridade, inclusive dentro do próprio governo alemão. Em campanha para a disputa em segundo turno, marcada para 6 de maio, Hollande disse na semana passada que se for eleito enviará aos líderes da UE quatro propostas para emendar o pacto. "Ficar focado numa obediência cega a esse mito do déficit de 3% é contraproducente. É preciso trabalhar com flexibilidade, esse quadro de cortes só aprofunda a crise", defende o especialista em Política Públicas e Gestão Governamental do governo brasileiro, Paulo Kliass.

Na Espanha, onde as medidas de austeridade derrubaram o governo de José Luis Zapatero para eleger um governo de centro-direita cujos cortes ao Orçamento enfrentam resistência dos governos das Províncias, o professor Jorge González Gurriarán, da Universidade de Estudos Empresariais de Vigo, reforçou a necessidade de um abrandamento nas medidas de ajuste na UE. "É necessário estender o prazo para que se alcance um equilíbrio do orçamento e da dívida, estimulando ao mesmo tempo o crescimento econômico para que o euro e a Europa recuperem a confiança nos mercados financeiros." Para Silber, a solução para a crise europeia não está no pacto fiscal: a União Europeia, defende o economista da USP, deveria implementar um forte programa de privatização, reestruturar o mercado de trabalho e distribuir renda, além de adotar um federalismo fiscal. Todas essas receitas, entretanto, dependem da Europa atingir maturidade política para fazer isso. "Ainda vamos ouvir falar da crise europeia nos próximos anos."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]