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Mais terra, menos donos |
Mais terra, menos donos| Foto:

A Argentina está ganhando terras agriculturáveis, mas perdendo agricultores. Dados do Censo Nacional Agropecuário, divulgado em novembro, revelam que entre 2002 e 2008 o país destinou 1 milhão de hectares a mais à produção de alimentos. Porém, no mesmo período, quase 50 mil fazendas fecharam definitivamente as porteiras.

Os números indicam um aumento na concentração de terras na Argentina. Em 2002, o tamanho médio de um latifúndio era de 587,7 ha. No ano passado, subiu para 635 ha. A forma de cálculo da área total, obtida a partir de questionário respondido pelos proprietários, revela que as propriedades fechadas foram adquiridas por outros latifundiários, que a incorporaram ao próprio patrimônio. O censo também mostra diminuição na quantidade de terra usada para a produção das principais culturas, o que aponta para uma crescente ociosidade das fazendas.

A concentração de terra expõe uma mudança do perfil produtivo no país nestes últimos 50 anos. Anteriormente chamada de "cesto de pão do mundo" – por causa da importante produção de trigo – a Argentina iniciou sua cultura de soja durante a Revolução Verde dos anos 1960, quando o uso de sementes melhoradas e agrotóxicos proporcionaram aumento da produtividade agrícola em países desenvolvidos. A partir dessa época, a agricultura do país começou a flertar com as monoculturas de exportação.

Pequenos produtores

Nirta Quiroga, produtora rural afiliada ao Movimento Campesino de Santiago del Estero (Mocase), no norte do país, afirma perceber o fenômeno da concentração de terra. "Estamos cada vez mais rodeados pela produção de soja", relata. "Sabemos que é um alimento importante para a humanidade, mas a nós (do Mocase) interessa produzir culturas tradicionais como o milho, usando apenas sementes naturais. Não vamos plantar transgênicos", garante.

O Mocase atualmente congrega 9 mil famílias de pequenos produtores e de grupos indígenas. Segundo Nirta, o movimento é uma forma de defesa contra um modelo de negócios que ameaça a sobrevivência dos minifundiários. "Estão desalojando famílias que tem problemas de registro de terra. Aparecem com escrituras e se dizem donos da terra. O mesmo acontece nas terras indígenas. Aqui em Santiago del Estero estamos conseguindo resistir, mas em outras províncias da Argentina isto está ocorrendo bastante", diz.

Ela afirma não haver apoio à agricultura familiar por parte do poder público: "O governo para nós não existe. Todos os programas de incentivo são feitos para as grandes empresas exportadoras".

Para o agricultor Paulo Aranda, também integrante do Mocase, produtores como ele estão cada vez mais desestimulados a continuar trabalhando. "As pessoas não conseguem competir com a produtividade do latifúndio e desistem. Algumas delas acabam alugando a terra para outros, o que aumenta ainda mais a concentração", relata.

Causas da mudança

Noemí Girbal, vice-presidente de Assuntos Científicas do Con­selho Nacional de Investigações Cintíficas e Técnicas (Conicet), diz que a desistência dos agricultores é resultado da soma de dois fatores: "Os preços pagos aos produtos argentinos estão baixos. Além disso, secas e inundações na região dos pampas, causadas pela mudança no painel climático, mudou todo o clima antes temperado do país".Ela reconhece o crescimento na cultura de soja, porém afirma que o modelo comercial de exportação reequilibra a distribuição dos ganhos. "A Argentina segue sendo um país agrário, que pouco exporta produtos de valor agregado. Porém se converteu em um mercado baseado na produção de soja, onde quem comercializa não é o produtor. Com isso, compensa-se outros setores pelo privilégio à agricultura sojífera. Além da soja, não há muitas outras opções", analisa.

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