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 | Mauro Campos
| Foto: Mauro Campos

Uma economia robusta está atraindo pessoas para uma região que era decadente. No romance Admirável Novo Mundo (1932), de Aldous Huxley, as autoridades puniam um indivíduo com o exílio nos rochedos varridos pelo vento Atlântico Sul. Esse local era considerado um dos piores destinos do mundo. Estar nas ilhas Falklands, em outras palavras, era estar condenado. As ilhas eram tão melancólicas que, mesmo após terem sido descobertas pelos europeus no século 19, nem ingleses nem franceses ou espanhóis tiveram pressa em ocupá-las.

Um pequeno número de colonos até chegou a vir, mas desistiu e o arquipélago virou nada mais que uma parada para navios.

Quando a Marinha Real Britânica clamou pela posse das Falklands para a Grã-Bretanha, em 1833, o ato inspirou raiva na Argentina, apesar de não ter tido tanta importância para o Império Britânico.

Criadores de ovelhas escoceses foram "importados" e instalados com dificuldade numa existência completamente ignorada pela Grã-Bretanha, a mais de 10 mil quilômetros de distância. Os habitantes da área chegaram à década de 70 com muita dificuldade. Não havia televisão, estradas, vias aéreas ou telefonia decente.

O Departamento de Relações Exteriores Britânico, farto com a situação de anacronismo estratégico inútil, queria trocar soberania por relações melhores com a América do Sul. Então, em 1982, apesar de poucos ousarem pôr a situação em termos tão claros, a Argentina deu aos moradores da ilha um presente inesperado: invasão.

O momento exigiu presença militar britânica em Port Stanley, a capital, e tudo mudou. "Dá pra dizer que os argentinos nos fizeram um favor. Estamos onde estamos hoje por causa da invasão", diz a fazendeira Glenda Watson,59.

O ataque de 2 de abril de 1982 foi uma tentativa do General Leopoldo Galtieri de resolver a situação frustrada da soberania Argentina e também de espalhar a ditadura para além do continente.

Sete semanas mais tarde, as tropas britânicas enviadas por Margaret Thatcher expulsaram os invasores num conflito rápido e violento, que, além de matar 900 soldados, deu fim ao regime de Galtieri.

Nesse fim de semana o 25.º aniversário do evento volta a colocar as atenções sobre a "armadilha rochosa de vento" (um dos apelidos da ilha). O Reino Unido vai comemorar sua vitória com muita pompa. Buenos Aires, que ainda reclama a soberania das ilhas, vai estar mais sombria e amarga. Para ambos os lados, será uma oportunidade de rever a fonte do antagonismo entre eles e ver que tipo de sociedade emergiu da lama e sangue derramados em 1982. A resposta: um pequeno Reino Unido.

Mudanças rápidas e profundas transformaram o decadente entreposto de lã e carne de carneiro em uma comunidade que se parece cada dia mais com o velho continente.

As Falklands agora não só espelham a terra mãe elas oferecem uma reflexão idealizada de inclusão e poder econômico. "Esta é uma sociedade muito igualitária, muito à vontade consigo mesma" diz Chris Simpkins, o chefe executivo do governo das Falklands.

Como está

As ilhas estão fervilhando. Dos 1.800 habitantes na véspera da invasão, a população subiu para 2.995, como revela um censo que deve ser publicado no próximo mês. Mais incrível que isso foi o PIB, que explodiu de 4 milhões para 74 milhões de libras, oferecendo aos moradores uma renda per capita maior que a do Reino Unido.

Port Stanley deixou de ser um vilarejo sem graça para ser uma grande cidade. A transformação começou com os fundos de reconstrução e decolou em 1987, com a declaração de proteção de áreas de pesca. O que parecia uma banalidade burocrática revelou-se revolucionário.

Vender licenças para barcos de pesca gera mais de 26 milhões de libras por ano. Essa renda é colossal quando se leva em conta as populações muito pequenas das ilhas, que aliás são praticamente auto-suficientes. "Eu não acho que ninguém vai parabenizar a Argentina pela invasão, mas guerras realmente estimulam as coisas. A economia anda muito bem e as Falklands têm se mostrado auto-suficientes", diz o governador Alan Huckle, que foi indicado por Londres.

Um pequeno grupo de 29 residentes argentinos, em sua maioria casados ou "aparentados" com os moradores da ilha, estão entre os que estão aproveitando o crescimento econômico. Eles tendem a manter-se discretos.

Os amigos de Carlos Rodriguez o chamaram de "loco" quando ele decidiu mudar para as Malvinas (nome dado as Falklands pelos argentinos). Agora, diz, eles o invejam por que ele ganha muito bem com seu abatedouro e seu emprego na limpeza de uma escola local.

O compromisso de Londres com o respeito à vontade dos moradores de continuarem a serem britânicos foi implacável desde que a forca tarefa içou velas em 1982. "Uma vez que se desencadeia uma grande ação militar, não se pode mais voltar atrás", diz o governador Huckle. Sob os atentos olhares de Londres o conselho executivo de três membros (espécie de gabinete) e o Legislativo, com oito, têm usado bem a bonança pesqueira com pensões, educação e saúde (incluindo a doação de remédios).

As escolas têm instalações excelentes e um professor para cada dez alunos, em média." Como somos a única escola que tem alunos em uma determinada faixa etária, nós não temos aquele estresse terrível dos campeonatos entre escolas" diz Nick Barret, professor responsável pela pré-escola e ensino fundamental.

Para níveis mais altos em educação (após os testes finais dados nas escolas de sistema britânico por volta dos 17 anos do aluno) e cursos terciários, os alunos são enviados ao Reino Unido e o governo de Falklands paga pelas matriculas, transporte aéreo, acomodações e gastos com a estada. Essa ajuda estatal vai aumentar ainda mais quando houver confirmação da existência de reservas de petróleo que, estima-se, são capazes de produzir 500 mil barris por dia. Esses prospectos andam gerando rumores sobre a vontade de mais autonomia em relação a Londres, ou quem sabe até mesmo a independência.

Do conflito que abriu caminho à política tatcherista surge um estado de bem-estar social de fazer inveja aos velhos tempos. O que preocupa Londres é uma mentalidade que alguns moradores da ilha têm. Eles esperam a "mesada" que vai lhes garantir conversão digital de tevê e tratamento cosmético dentário grátis.

Para complementar o crescente poder econômico, existem vôos semanais ao Chile e ao Reino Unido, internet de banda larga e telefones celulares. Essas mudanças são todas atuais e muito rápidas e estão diluindo tradições.

Jane Cameron, a arquivista da ilha, está confeccionando um dicionário de 109 páginas com palavras típicas das Falklands, com termos como "poocha man" (expressão de surpresa, como o "puxa!" brasileiro) antes que elas sumam. Alguns costumes locais, como cortar turfa com a mão, são apenas vistos em exibições feitas aos navios de passageiros que fazem anualmente escalas nas Falklands, quando estão se dirigindo para a Antártida. Poucos moradores têm saudades do passado.

Tédio e solidão podem afetar os jovens e os mais velhos de maneira muito similar. Aos que gostam dos prazeres da vida as noites de sábado na discoteca Deano parecem muito mais com Shetlands do que com Ibiza.

Drogas ilegais e violência são praticamente inexistentes (o último assassinato foi ha 30 anos). Quase todo mundo tem mais de um emprego e ainda presta serviço comunitário.

Tradução de Thiago Ferreira.

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