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Curitiba – Metade dos 21 anos da catarinense Lenir Maria Willemann em Washington (EUA) tem sido dedicada à luta contra o preconceito da Justiça e da sociedade norte-americana. O fato de ser brasileira, diz ela, foi determinante para o enredo de problemas que enfrenta desde o rapto da filha pelo ex-marido. Lenir sofreu ameaças e perseguições, foi agredida e despejada de casa, perdeu o emprego e há seis anos não vê a filha. Lesada por advogados, estudou a legislação e hoje, aos 50 anos, ela mesma faz sua defesa na corte americana para reaver a guarda da menina, atualmente com 12 anos.

Intercâmbio

Nascida em Braço do Norte (SC), Lenir migrou para os Estados Unidos em 1986, num intercâmbio que permitiria estudar de manhã e trabalhar como babá no resto do tempo. Não foi exatamente como o planejado, mas ela foi levando, trabalhando mais do que estudando. Em 1993, aos 37 anos, casou-se com Andrew Lee Richardson, funcionário público no distrito de Colúmbia, em Washington D.C. No dia 21 de outubro de 1995 nasceu a filha do casal, Irene Louisi. A convivência já não estava boa, mas se agravou com a viagem dela ao Brasil.

Lenir quis apresentar a filha aos familiares que moram em Ivaiporã e Curitiba, ambas no Paraná. Ao tentar voltar, em fevereiro de 1997, não pôde sair do Brasil sem autorização do pai da criança, mesmo tendo entrado no país sem o documento. Andrew recusou fazê-lo porque não se via obrigado a seguir ordens de outro país, mas no final se rendeu à exigência brasileira. O episódio seria decisivo na vida dos três. O casal já tinha problemas de relacionamento antes da viagem, que se agravaram depois do retorno dela.

Tão logo voltou aos EUA, Lenir foi trancada em casa e denunciada à polícia por tentativa de rapto. Não só isso. Andrew passou a insultá-la e espancá-la com freqüência. Antes, ele já havia abandonado a mulher quando Irene Louisi tinha 3 meses.

Pretexto

A brasileira acredita que Andrew já pensava em separação e a viagem ao Brasil serviu de pretexto. O problema maior, diz Lenir, foi o fato do ex-marido ter levado a criança, no dia 20 de janeiro de 1998. Ela só voltou a ver a filha em 13 de fevereiro, quando o marido requereu a custódia da menina e o juiz determinou visitas à mãe. Mesmo com ordem judicial ele dificultou o contato entre mãe e filha. Nesse meio tempo Lenir entrou com recurso judicial para reaver a filha no condado de Fairfax, cidade vizinha ao condado de Arlington, onde ele vivia.

Ainda em 1998 Andrew transferiu de Arlington para Fairfax o processo de custódia, junto com o pedido de divórcio. Lenir acredita que a corte discriminou-a de tal forma por ser brasileira que o divórcio acabou saindo no ano seguinte à revelia dela. Ela argumenta que pela lei americana deveria ter havido nova audiência. Mas a mesma corte que deu a custódia ao agora ex-marido decidiu ainda que ela teria de sair da casa do casal para ele poder voltar a viver ali com a criança. Antes, porém, a corte já havia restringido as visitas da brasileira à filha.

A corte exigiu pagamento de US$ 150 por hora a um psicólogo durante a visita. Lenir disse não ter dinheiro e sugeriu um grupo da igreja dos Mórmons para supervisionar as visitas. O juiz aceitou. O bispo da igreja, Norman Van Dam, faria o controle das visitas supervisionadas, que se tornaram um tormento. Segundo ela, Norman dizia para Andrew que ela não tinha tempo para as visitas. Quando os encontros aconteciam, havia quatro ou cinco supervisores, atrapalhando o contato entre mãe e filha. Isso estava deixando a criança revoltada e agressiva.

Em 2000, Lenir conseguiu na Justiça suspender a exigência, mas na última visita supervisionada ela sofreu um revés que a impediria de voltar a ver a filha. O encontro seria na igreja, na presença do bispo, dia 27 de abril. Antes, porém, a diretora da pré-escola Trinity Children Episcopal Center, Susan Thomas, levou Irene Louisi até o prédio onde a mãe morava, no bairro Annandall. "Foi tudo uma armação", diz Lenir. A mulher apareceu de surpresa e forjou uma situação para incriminá-la. A diretora gravou a menina gritando "mamãe, mamãe, não bate na Susan".

Advogados

A mulher registrou queixa por agressão na delegacia e, mesmo sem Lenir ter-lhe encostado a mão, a Justiça suspendeu as visitas e tentou colocá-la na cadeia. Lenir contratou um advogado que não teria feito boa defesa. Prestes a ser presa, ela apelou. Contratou novo advogado, que repetiu os erros do anterior, mas pelo menos conseguiu libertá-la mediante mais de US$ 1 mil de fiança. Então Lenir decidiu estudar as leis americanas. Não sabia o paradeiro da filha até 2001, quando uma mulher telefonou dizendo ser diretora da escola onde ela estudava.

O telefonema foi na verdade um aviso para que ela não tentasse uma aproximação. A conversa foi ríspida. Dias depois Lenir seria acionada pela Justiça, acusada de ameaças à diretora, que apresentou gravação de parte da conversa. Sorte ela também ter gravado o diálogo. Saiu ganhando no confronto de versões. Mas isso traria complicações três anos mais tarde. Em março de 2004, supostos policiais arrombaram a porta do apartamento dela por suspeitarem que não compareceria à próxima audiência sobre o caso. Nem esperaram para saber se ela iria ou não.

Espancamento

Lenir conta que foi espancada durante a invasão e ainda carrega as seqüelas. Mas não foi só isso, diz ela. Além da discriminação étnica, diferentes represálias vêm desde então. Em 2002, por exemplo, um homem invadiu sua casa e roubou documentos que ela juntava para recorrer da sentença favorável a Andrew.

O mesmo homem que invadiu a casa dela agarrou-a três meses depois num parque próximo e disse que a mataria. Ela só escapou porque gritou por socorro. Nos dois casos a polícia nada fez. O litígio com o ex-marido tirou-lhe o emprego na Inter-América Foundation (hoje trabalha como vendedora de roupas) e passou a viver de aluguel. O mais grave, diz, é que a necessidade de se defender de tantas acusações e ameaças a fez desviar do principal objetivo: recorrer na Justiça contra a sentença que tirou-lhe a filha. Depois de estudar as leis americanas, ela mesma escreveu a petição da revisão judicial que apresentou mês passado à corte de Fairfax.

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