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Curitiba – Após nove anos, o mandato de Francisco Rezek como juiz no principal órgão jurídico na Corte Internacional de Justiça (CIJ) de Haia (Holanda) chega ao fim. Durante sua passagem por Curitiba para ministrar uma palestra e receber o título Doutor Honoris Causa da Unibrasil, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal falou à Gazeta do Povo sobre sua trajetória. Rezek fez um balanço do tempo em que esteve em Haia e criticou a postura dos Estados Unidos. Confira os principais trechos da entrevista.

O mandato na CIJ

"Foram seguramente os anos mais intensos na atividade da Corte em Haia. Pelo número de processos, por um lado, mas sobretudo pela qualidade destes casos."

Caso destacado

"O caso Lockerbie, quando houve um atentado contra um boeing da PanAm que sobrevoava a cidade de Lockerbie, na Escócia, nas vésperas do Natal de 1988 (no episódio morreram 270 pessoas). Atribuiu-se o atentado a dois indivíduos de nacionalidade líbia. A Grã-Bretanha (por causa da posição geográfica do ataque) e os EUA (nacionalidade do avião e da maioria das vítimas) queriam que a Líbia extraditasse os dois suspeitos. A Líbia sustentou o seu direito de não extraditar nacionais, como a maioria dos países. Por outro lado, os países que tinham a maior parte das vítimas no atentado de Lockerbie não pareciam ter muita confiança na Líbia. As partes entraram em acordo e a Líbia concordou em enviar os suspeitos a Haia para o julgamento."

Pena de morte

"Paraguai, Alemanha e México processavam os EUA por irregularidades na aplicação da pena de morte. Nesses três processos o que se questionava não era se os estados dos EUA tinham ou não direito de aplicar a pena de morte. A pena de morte é amplamente condenada pelo direito internacional, mas ainda não existem proibições. A questão era outra. Pelas Convenções de Viena dos anos 60 que tratam do serviço diplomático e consular, o foro tem o dever de avisar o consulado do respectivo país no caso de uma pena séria como a capital. Os juízos estaduais norte-americanos diziam simplesmente desconhecer as Convenções de Viena. Para a corte, esse processo é viciado."

Planos no Brasil

"Sempre fui um funcionário público. Fui professor universitário, procurador da República de carreira e juiz em Haia. Pela primeira vez me vejo fora da função pública, mas com bastante curiosidade e energia. A princípio, vou retomar minhas atividades acadêmicas."

Guantánamo

"Guantánamo é um símbolo da erosão do direito no plano internacional do nosso tempo. Os atentados aos direitos humanos incluem a prisão sem nota de culpa, a prisão sem processo, a tortura, os interrogatórios sob metodologia troglodita, as mais diversas formas de humilhações impostas a seres humanos e a falta de formalização de acusações contra as pessoas mantidas presas ao longo de meses ou anos. Isso não é novidade, porque no passado nós sabíamos que coisas assim ocorriam, no interior das ditaduras mais sombrias e de modo não assumido. Ocorriam ações assim que não eram assumidas e também não eram sequer divulgadas para que as pessoas não tivessem de encarar uma forma de cumplicidade coletiva. Guantánamo é o modelo mais violento que já se conheceu até hoje de administração do processo penal de modo assumido. A cúpula do poder assume a co-autoria do que se faz em Guantánamo com o curioso argumento de que vale tudo na guerra contra o terrorismo."

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