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Se for possível chamar de guerra o conflito entre as iniciativas pró e anti-Wikileaks, que resultam em vários ataques de negação de serviço e, portanto, na queda de websites, o servidor de bate-papo IRC do grupo "Anonymous" pode ser considerado um quartel. Os "soldados" participantes agrupam-se para organizar os ataques em realização e definir a estratégia seguinte – seja a definição de um canal de comunicação, a relação com a imprensa ou o próximo alvo.

É nesse espaço de meras salas de bate-papo que o grupo orquestrou seus ataques à MasterCard, à Visa, ao Paypal e à Amazon. Atacar o Authorize.net, que processa pagamentos da Visa, foi considerado, mas descartado em favor do Paypal. Há uma sala geral para a operação, cuja participação gira em torno de 3 mil membros.

"Nós somos muito mais do que 3 mil", esclarece um dos Anonymous. "Os clientes [programa dos usuários para acessar a sala] não aguentam ficar lá e desconectam", diz outro. O volume de mensagens e de entradas e saídas da sala é tal que não é humanamente possível acompanhar e, segundo eles, nem algumas máquinas conseguem.

Mas há outros espaços mais tranquilos. Há uma sala para discutir questões relacionadas ao Wikileaks. Outra sala fornece auxílio para configuração das ferramentas usadas por quem quer se juntar aos ataques – quase um "helpdesk". E há uma sala para organizar a captação de "recrutas" destinados à operação – muitos deles vindos do fórum 4chan, conhecido pelo seu conteúdo polêmico, piadas recorrentes (chamados de memes) e pela sua popularidade absurda, porém focada em seus próprios usuários.

Ninguém sabe ao certo o que deu origem ao Anonymous. O grupo ganhou notoriedade com seus protestos contra a Igreja da Cientologia e com os ataques à indústria fonográfica em defesa do site The Pirate Bay. Eles negam ter qualquer visão política. Acreditam apenas na liberdade de expressão e de informação e, por isso, simpatizam com o Wikileaks.

"Anônimos é uma legião", diz um das regras do grupo. Essa ideia proíbe, por princípio, a identificação individual. Eles desprezam aqueles que deram nomes ou pseudônimos para falar com os jornais – e alguns que o fizeram reconhecem. "Como as pessoas sabem o meu nome, eu não sou mais ‘Anonymous’", diz Gregg Housh, um dos membros que mais tem aparecido na mídia.

Housh virou uma figura pública em 2008, quando protestos contra a Igreja da Cientologia eram organizados ("Projeto Chanologia", justaposição de "4chan" e "Cientologia"), levando-o a ter problemas com os tribunais. Ele reconhece que não é um "porta-voz" e tem meramente usado os problemas do passado para justificar os comentários atuais. Ele diz que não está participando nos ataques dessa operação.

Os participantes são educados e escrevem corretamente – uma surpresa considerando que muitos têm chamado o Anonymous de um "grupo de adolescentes" como forma de menosprezar sua seriedade. Entre os participantes, um se identifica como membro do Partido Pirata, organização que conseguiu eleger um represente no parlamento da União Europeia na Suécia.

Uma guerra virtual, mas sem hackersÉ difícil chamar de "guerra" o que está ocorrendo, embora muitos tenham usado o termo. Alguns preferem termos como "desobediência civil" ou "satiagraha", menção à forma de resistência pacífica defendida pelo líder indiano Mahatma Gandhi. Os ataques de negação de serviço realizados pelo Anonymous são efetivos, porém rudimentares quando comparados a outras formas de ataque, tal como o roubo de dados. Mesmo assim, trata-se do primeiro conflito continuado da web, com alvos claros e contra-ataques de diferentes grupos.

A arma usada é o LOIC, "Low-orbit Ion Cannon", ou "Canhão de Íons de Órbita Baixa". O canhão de íons é uma arma recorrente na ficção científica, mas a arma real usada pelos anônimos nada mais é do que um programa que tenta repetidamente conectar ao servidor alvo. O efeito, amplificado pelos milhares de usuários, é uma sobrecarga que o alvo não consegue suportar. É como lotar uma loja com clientes fajutos que não vão comprar nada de tal forma que os consumidores de verdade não tenham espaço para entrar.O Anonymous tem sofrido ataques por meio da censura de seu perfil nos sites Twitter e Facebook, mas eles dizem que as redes sociais provavelmente não serão atacadas porque são usadas como forma de comunicação por eles e também porque "perfis novos sempre podem ser criados". O site da operação AnonOps.net também está sob ataque e offline. Quanto aos problemas legais, "todos conhecem os riscos envolvidos. Não temos medo, mas já aconteceu", esclarece um anônimo.O canal de bate-papo, que existe há pelo menos cinco meses, também por vezes pareceu uma trincheira, com suas quedas frequentes e comunicação dificultada pela lentidão (lag) da comunicação. Os que falavam com a imprensa pareciam mensageiros tentando cruzar o campo de batalha para um local mais tranquilo, longe do barulho e da confusão.Fora do canal destinado à imprensa, alguns usuários mostram resistência para falar. Um queria prova de que estava conversando com um jornalista. "Não há estrutura nenhuma. É uma corrida maluca de pessoas com conhecimentos razoáveis de tecnologia gritando ‘Ataquem isso!’, enquanto outra diz ‘não, seu idiota, ataque isso aqui’ e todos vão com aquilo que acham melhor. Cartões de crédito hoje, pelo jeito", falou um anônimo que não quis revelar se está ou não participando dos ataques.

As ferramentas usadas pelos anônimos recebem ordens dos canais de bate-papo. Aqueles que controlam os canais podem, em teoria, redirecionar os ataques desses "zumbis voluntários" para os alvos que desejarem. Na prática, não podem abusar desse poder, sob o risco de serem expulsos. Eles dizem que discutem os alvos com todos antes colocar a "colmeia" para o ataque – o modo zumbi da ferramenta de ataque é chamada de "mentalidade de colmeia".

'Curiosidade'

Em um canal, um usuário confirma que um site atacado está fora do ar no Brasil, trazendo as notícias da batalha. Ele confirma: é brasileiro e está participando nos ataques. "Eu acredito na liberdade de expressão, acho o Wikileaks fantástico, e deve crescer muito mais, há coisas para serem reveladas. Ele divulga informações anônimas concretas, tem o poder de mudar a geopolítica mundial", justifica-se. "Me uni aos ataques por curiosidade, e vi que funcionam. Não custa nada deixar o PC fazendo o trabalho".

Outro brasileiro é estudante de filosofia na Espanha e está no canal tentando criar uma cobertura alternativa dos eventos por meio do blog Wikileaks War (Guerra Wikilekas), escrito em inglês por ele e outros companheiros. Segundo ele, a mídia não tem feito análises profundas do acontecimento. "Queremos fornecer uma visão mais elaborada, com comparação e reflexão histórica, sobre a importância deste momento e deste conflito para o futuro da humanidade", explica.

Mais um brasileiro curioso estava por lá e disse não estar participando. "Vi a notícia e quis olhar de perto".Os participantes negam serem hackers. "Não é preciso muito conhecimento para estar nessa operação". "Isso é muito fácil para ser considerado hacking", diz outro. E outro ainda fala que prefere o termo "hacktivista" – um ativista que usa meios tecnológicos para transmitir sua mensagem.

"Alguns de nós são especialistas em ciências da computação. Nós também somos médicos, advogados, estudantes, desempregados, um cara que trabalha para o McDonald’s, outros nos correios e assim por diante", responde um dos anônimos para outro repórter.

Um exército sem comando

Todos os movimentos nos canais são caóticos. Não há ordem. Quem ascendeu na hierarquia de "comando" diz que as pessoas chegam lá porque querem estar lá e discutir as coisas de forma mais aprofundada. Uma mensagem global da rede dizia: "Quem deve estar no canal de comando, entre no comando". O canal exigia convites para permitir a entrada, como, aliás, a área reservada para a imprensa.

Mas no canal da imprensa é possível ver que todos respondem as questões sem combinar, e mesmo assim concordam com o que é dito; quando há discordância, eles discutem entre si ali mesmo e entram em acordo. Em um caso, um repórter foi respondido com um texto escrito por todos os membros, criado num serviço estilo wiki que eles preferiram chamar de "editor de texto multiautor".

O canal que discute os alvos é aberto ao público. Lá, usuários discutem os efeitos e a eficiência das iniciativas. "Paypal não foi danificado", disse um. "Nós não conseguiremos derrubar a Amazon", disse outro, e um terceiro seguiu dizendo que "atacar a Amazon é o pior que podemos fazer". Alguns sugerem um cessar-fogo. "[Atacar a Amazon] irá nos tornar vilões".

Ainda outro anônimo, entre os cerca de 1.200 membros da sala, discorda: "precisamos mais". E outro: "devíamos voltar pra MasterCard". "Estamos dispersos, devíamos reagrupar". Há quem observe os efeitos no Paypal. "Olhe o Twitter deles". O perfil no Twitter do site de pagamentos diz que o ataque tem "causado lentidão por curtos períodos".

A rede de TV norte-americana Fox News chegou a sugerir que o Wikileaks deveria ser eliminado"cortando-se a cabeça", ou Julian Assange, no caso. Se o Anonymous é um sinal de como o Wikileaks poderia funcionar, cortar a cabeça não teria nenhum efeito – isso se uma cabeça pudesse ser identificada. De fato muitos membros do Anonymous estão nessa operação porque apoiam o Wikileaks. "Muitos de nós concordam com o que Wikileaks tem feito e estamos lutando por eles", disse um anônimo.

A operação, que se justifica como retaliação ao ataque contra o Wikileaks iniciado no dia 28 de novembro, horas antes de os primeiros telegramas serem publicados. A Visa, a Mastercard, o PostFinance e o Paypal tornaram alvos por cancelar as operações financeiras do Wikileaks. Já a Amazon, hospedou o site por um curto período de tempo, e por isso virou alvo.

Embora muitos usuários estejam lá só para se divertir com os sites caindo e com a movimentação massiva dos usuários, alguns tem ideais e acreditam no que fazem."Nem todos os anônimos têm um coração frio".

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