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Brexit supporters carry flags and placards as they walk gather in Parliament Square in central London on January 31, 2020 on the day that the UK formally leaves the European Union. – Britain on January 31 ends almost half a century of integration with its closest neighbours and leaves the European Union, starting a new — but still uncertain — chapter in its long history. (Photo by DANIEL LEAL-OLIVAS / AFP)
Apoiadores do Brexit comemoram em Londres| Foto: DANIEL LEAL-OLIVAS / AFP

A saída do Reino Unido do bloco europeu gerou e ainda gera muitas dúvidas em relação à vida de cidadãos de outros países em território britânico, inclusive da massa de europeus que soma mais de 3,7 milhões de pessoas, segundo o governo local, e que tinha livre acesso e a possibilidade de morar no país sem grandes entraves. O Brexit impôs novas regras a esse cenário, inclusive para os milhares de brasileiros que residem e trabalham por lá com passaporte europeu, especialmente italiano e português, e que precisam definir se ficam ou se mudam para outros lugares da Europa.

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Para quem já vive no Reino Unido, o governo criou um mecanismo que garante a permanência desses cidadãos, mas com algumas restrições. Qualquer pessoa com passaporte da União Europeia pode aplicar ao EU Settlement Scheme, que se divide em duas categorias. Para quem já vive há mais de cinco anos no país, fica enquadrado no settled, que é um visto permanente. Quem está há menos de cinco anos, recebe o pre-settled, que vale por cinco anos e pode se tornar permanente após esse período. Até janeiro deste ano, mais de 3,1 milhão de pessoas haviam aplicado ao programa e 2,7 milhões de pedidos já tinham sido aprovados, de acordo com dados do Ministério do Interior britânico.

O EU Settlement Scheme é a garantia de seguir trabalhando no Reino Unido, acessar o serviço público de saúde, estudar, viajar livremente e ter outros benefícios sociais. Foi esse processo que ajudou muitos brasileiros a se tranquilizarem.

Renata Centelhas, de 36 anos, vive desde 2013 com o marido em Londres, onde sempre quiseram morar. Munida do passaporte italiano, instalou-se na cidade, teve um filho nascido por lá e engrenou na carreira de chef confeiteira. Hoje, apesar do Brexit, sabe que está segura por ter aderido ao mecanismo de permanência.

“No lado profissional acredito que não terá impacto. Meus chefes perguntaram para todos os não ingleses se tinham feito a aplicação para o settlement e não questionaram nada”, comenta Renata.

É o mesmo caso da supervisora de comunicação e conteúdo, Heloisa Righetto, de 39 anos. Ela se mudou com o marido para Londres há mais de 11 anos, na época com visto atrelado ao trabalho dele, mas logo em seguida ela conseguiu o passaporte italiano, o que permitiu que ficassem tranquilamente no país. Hoje ele tem a cidadania britânica, o que deixa a situação bastante certa em relação a viver e trabalhar no Reino Unido.

“Eu me sinto segura aqui, no sentido de que não vai acontecer de eu ter que ir embora por causa da documentação, por estar há muito tempo aqui, ter meus documentos e meu marido agora ter a cidadania britânica”, diz.

Heloisa e o marido Martin se mudaram para Londres em 2008 | Foto: Acervo pessoal
Heloisa e o marido Martin se mudaram para Londres em 2008 | Foto: Acervo pessoal| Acervo pessoal

Futuro

A segurança de poder permanecer em território britânico não significa que seja o desejo dela e de vários outros brasileiros. O processo do Brexit, que começou após o resultado do referendo em 23 de junho de 2016, deixou marcas em muitos imigrantes. O sentimento de falta de pertencimento cresceu com o passar do tempo, até a efetiva saída do Reino Unido do bloco europeu em 31 de janeiro deste ano.

Por isso, Heloisa, mesmo segura no aspecto burocrático, se questiona sobre seguir morando no país do Brexit. “Fico questionando se quero continuar aqui e fazer parte de uma sociedade que exclui. O meu círculo de amigas e amigos brasileiros está todo bastante triste, frustrado e rolam muitas conversas sobre ir embora. Gente que eu nunca achei que fosse deixar Londres está considerando ir para outro país ou voltar para o Brasil. Essa sensação de ser ‘outro’ é o que mais incomoda”, revela.

Por enquanto ela não sofreu nenhum impacto do Brexit no aspecto profissional. Só que ela acredita que a partir de agora pode se tornar mais difícil se inserir em empresas britânicas. “Sempre desconfiei, até mesmo antes do Brexit, que o meu nome já gera dúvidas quando eu mando um currículo. É, obviamente, o nome de alguém que não nasceu aqui, e isso fica guardado no viés inconsciente de quem quer que esteja contratando, por mais inclusiva que a pessoa seja”, comenta. “Com o Brexit, tenho a impressão de que os empregadores ficarão ainda mais fechados para imigrantes, afinal quem vai querer a dor de cabeça de empregar um imigrante e gastar recursos para ter certeza de que a pessoa está aqui legalmente?”, questiona.

No lado pessoal, há o receio de uma escalada de casos de preconceito contra imigrantes. Isso, porém, não tem sido comum. Há, no geral, um convívio harmônico entre britânicos e imigrantes que já têm residência do país. Tanto que não se trata de uma preocupação para a chef confeiteira Renata. “Eu confesso que não sofri nenhum ato de intolerância. Meus chefes são ingleses e trabalho tanto com ingleses como outras nacionalidades da União Europeia e nada mudou na relação que temos com eles. Eu moro em uma região onde 75% dos moradores votaram a favor do Brexit. Tenho vizinhos da rua que votaram para sair, mas em nenhum momento sofri algum tipo de preconceito por não ser inglesa”, diz.

Novas regras

Se a situação dos brasileiros que já estão no Reino Unido está mais tranquila, ela é bem diferente para quem pretende se mudar para a terra da rainha a partir de 2021. É nesse ponto que aparecem os reflexos mais duros do Brexit, limitando consideravelmente a entrada de imigrantes com o objetivo de trabalharem no país.

Em 19 de fevereiro último o governo britânico divulgou as novas regras para os casos de imigração para trabalho. O sistema, que começa a valer em 1º de janeiro de 2021, é baseado em pontos e praticamente anula a chance de algum imigrante trabalhar no Reino Unido em profissões que exigem menos qualificação ou que sejam autônomos. O objetivo é permitir a entrada somente de trabalhadores altamente qualificados e com preferência para suprir áreas com escassez de mão de obra e de tecnologia.

O imigrante que quiser trabalhar em território britânico vai precisar somar 70 pontos dentro dos requisitos do governo. Eles envolvem pontos obrigatórios e outros que podem ser negociados. Entre os mandatórios, estão inglês fluente, trabalho qualificado e oferta de trabalho de uma empresa do Reino Unido. Só aí são 50 pontos. Os outros 20 são alcançados de acordo com o salário que vai receber, a área de atuação e o nível de ensino. No caso de estudantes, o sistema de pontos também valerá, mas sem a questão de oferta de trabalho.

“Hoje é um momento histórico para todo o país. Nós vamos atrair os mais brilhantes e os melhores de todas as partes do mundo, impulsionando a economia e nossas comunidades, e liberar todo o potencial desse país”, declarou a ministra do Interior do Reino Unido, Priti Patel, no dia do lançamento das novas regras.

São poucas as exceções no novo sistema de imigração. Algumas áreas sensíveis, como medicina, podem receber imigrantes com menos qualificação para suprir a demanda em alguns momentos, por exemplo, de enfermeiros abaixo do salário mínimo exigido. Além deles, artistas e atletas também não precisarão somar os pontos necessários para trabalharem no país.

Pontos inegociáveis e negociáveis

O governo britânico determinou que o estrangeiro que quiser trabalhar no Reino Unido a partir de 2021 precisará somar pelo menos 70 pontos no novo sistema de imigração.

Pontos inegociáveis

  • Inglês fluente (10 pontos)
  • Trabalho qualificado (20 pontos)
  • Oferta de trabalho comprovada (20 pontos)

Pontos negociáveis

  • Salário anual entre 20.480 e 23.039 libras (nenhum ponto)
  • Salário anual entre 23.040 e 25.599 libras (10 pontos)
  • Salário anual igual ou acima de 25.600 (20 pontos)
  • Trabalho em uma área de escassez de mão de obra (20 pontos)
  • Doutorado na área de atuação (10 pontos)
  • Doutorado na área de atuação nos setores de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (20 pontos)
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