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“Eles (os países ricos) fazem manobras com o objetivo principal de criar desconfiança entre os Brics.” | Sidney Murrieta/Ipea
“Eles (os países ricos) fazem manobras com o objetivo principal de criar desconfiança entre os Brics.”| Foto: Sidney Murrieta/Ipea

Uma coalizão de civilizações distintas capaz de promover a reestruturação mundial sem sobressaltos. É assim que o diretor do Instituto da América Lati­­na da Academia de Ciências da Rússia, Vladimir Davydov, define o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China (Bric). Res­­ponsável por um dos maiores núcleos de estudos acadêmicos sobre os Brics no mundo, ele avalia as dificuldades de relacionamento entre os quatro países, mas destaca a importância estratégica dessa união.

"Os Brics não são contra al­­guém. São a favor de quatro países e de recolocações de forças na rede internacional", afirmou. Davydov integrou a comitiva russa que participou da cúpula entre os chefes de estado dos quatro países realizada em Bra­­sília na semana passada. Na quarta-feira, ele concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Povo e elogiou o entrosamento diplomático entre Rússia e Brasil.

Os países do Bric se conhecem o suficiente?

Não, falta muito. Não é uma questão de informação, mas de uma diferença enorme de interpretação dessa informação. Es­­tamos falando de quatro civilizações. Nós, russos, temos relações seculares com a China, mas nunca entendemos ao certo como são os chineses. O mesmo acontece com a Índia. De uma maneira geral, nós nos parecemos mais com o Brasil. E tanto para a Rús­­sia quanto para o Brasil é importante colaborar mais ativamente, entre si, dentro dos Brics. So­­mos os países que mais necessitam um do outro para o enfrentamento político. Não somos os maiores, mas nos somando po­­demos ter uma voz mais forte, mais influente. Eu sei, e os políticos dos nossos países também sabem, que possuem maior en­­tendimento entre si do que ocorre nas relações com a China e com a Índia.

Brasil e Rússia usam essa sintonia?

Ambos têm vantagens e desvantagens que, quando se combinam, se convertem em algo positivo para os dois. Já descobrimos isso. Hoje em dia, eu ressalto, te­­mos o melhor entendimento di­­plomático entre os países do Bric.

Qual é a definição atual dos Brics?

É de uma coalizão internacional baseada na coincidência de interesses estratégicos. Uma coalizão de um novo formato, um projeto que não está realizado completamente. Estamos no início. Por isso é difícil responder a essa pergunta. Eu penso que em curto prazo os Brics podem se converter em um instrumento sério pa­­ra a reestruturação internacional. Esse é o objetivo principal. Os Brics podem promover essa mudança de uma maneira suave, sem provocar tensões. Os Brics não são contra alguém. São a favor de quatro países e de recolocações de forças na rede internacional.

O que os Brics deveriam fazer para exercer esse poder?

Estamos falando de um grupo de pressão internacional, que de­­pende de uma plataforma conjunta bem-elaborada. Os Brics têm chance de promover essas mudanças, mas só se atuarem em conjunto. Atualmente, ninguém no mundo é capaz disso a não ser esses quatro países. Os núcleos tradicionais de poder não estão interessados em uma mudança tão rápida. Só que nós estamos.

Quais são os pontos de interesse comum entre os quatro países hoje?

Na esfera de segurança da comunidade internacional temos muitas coincidências. O mesmo acontece com os interesses em criar novos mecanismos de regulação econômica entre todos os países. Os Bric também querem a reestruturação do sistema Bret­­ton Woods, que surgiu em 1944 e não é capaz agora de criar premissas para o desenvolvimento estável, progressivo, da economia internacional. A crise econômica mundial deixou isso claro. É necessário corrigir esse sistema. É necessário elevar a quantidade de votos em instituições de regulação internacional a que os quatro países têm direito. Esses países são mais maduros atualmente, mais potentes, e têm o direito de ter mais voz.

Como os países ricos veem os Brics?

Com certa preocupação, com suspeitas. Estão conscientes que há que reconhecê-los. Isso se re­­flete na diferença de opiniões entre eles. Uma coisa é Nicolas Sarkozy (presidente da França) ou Angela Merkel (primeira-mi­­nistra da Alemanha), que di­­zem que é necessário reconhecer o poder de Brasil, Rússia, Ín­­dia e China, de envolvê-los nas grandes decisões internacionais. Mas há outros que dizem que não, que é preciso esperar. Eles fazem manobras com o objetivo principal de criar desconfiança entre os Brics.

Que tipo de manobras?

Não é casual que nos últimos dois ou três anos apareceram meios de comunicação de massa e certas publicações com comentários de que, por exemplo, o Brasil não é um país capaz. Di­­zem que o desenvolvimento do Brasil não é sustentável. No que se refere à Rússia, enfatizam que o país caiu demais na crise, perdeu sua autoridade. São insinuações que vão continuar ainda mais fortes no futuro. Estou se­­guro disso, mas infelizmente é assim que funciona a política internacional. É um campo de lutas e contradições, sempre foi assim e vai continuar sendo.

Quanto tempo levará para os Brics estarem maduros?

Esse desenho que está se definindo agora é decisivo. É preciso restabelecer o dinamismo econômico dos Brics, em primeira ordem para Brasil e Rússia. As últimas projeções feitas pelo Bank of America e o Merryl Linch são positivas para os dois países, há uma expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto de até 7% para este ano. Mas esse crescimento precisa ser sustentável e deve ser baseado em modernização. Aliás, a modernização precisa ser o foco também da Índia. Apenas 300 milhões de indianos estão envolvidos com a vida mo­­derna. Um bilhão está fora desse contexto. Na China, a situação não é tão melhor assim. Quando falamos hoje do desafio social do Bric, a solução passa pela questão econômica. Estamos falando de enormes mercados internos, que apoiam o dinamismo econômico. Se todos comem, se todos são capazes de consumir, se têm acesso à cultura, aos serviços modernos, construímos uma força inestimável dentro dos próprios países.

A desigualdade social é o principal problema dos Brics?

É um dos obstáculos, comum aos quatro países. Mas há outros aspectos coligados, como a educação. Na Rússia isso se reflete de outra maneira porque há ainda alguma herança institucional positiva dos tempos soviéticos. Ainda há acesso à saúde, à educação. O ensino superior foi privatizado, mas as escolas primárias e a secundárias continuam com o governo e não são ruins. A vantagem comparativa da Rússia é o nível de cultura geral. Perdemos muito, principalmente no campo científico, durante os anos 1990, mas ainda temos pontos fortes. Apostar em educação para os Brics é essencial.

Qual é a principal novidade desta cúpula?

É a aproximação de vontades po­­líticas. Isso gera a possibilidade de os quatro países atuarem de ma­­neira conjunta nos principais fó­­runs internacionais. Os Brics têm mostrado cada vez mais que são capazes de intervir na estrutura mundial de maneira solidária.

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