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O argelino tem visto de permanência no Brasil até julho de 2016. Está em liberdade condicional concedida pela Justiça francesa | Reprodução: Revista Época/
O argelino tem visto de permanência no Brasil até julho de 2016. Está em liberdade condicional concedida pela Justiça francesa| Foto: Reprodução: Revista Época/

Reservado e praticamente sem vida social desde que chegou ao Rio, em 2013, o físico Adlène Hicheur, argelino naturalizado francês de 39 anos, condenado na França a cinco anos de prisão sob a acusação de planejar atos terroristas, desenvolveu um único hábito: frequentar toda sexta-feira a Mesquita da Luz, o único templo muçulmano da capital fluminense, situado em Vila Isabel (zona norte).

Professor da UFRJ foi condenado em 2009 por planejar atentados na França

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“Ele vinha toda semana, às sextas e às vezes aos sábados também”, conta Mohamed Abdien, presidente da Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro, nome oficial da mesquita. “Vinha sozinho e sempre foi muito quieto, reservado”, descreve Abdien. “Sempre o convidamos para os almoços que preparamos aqui, mas ele nunca aceitou.”

Fundada em 1951 e com prédio próprio desde 2008, a mesquita reúne a cada culto até 120 pessoas - cerca de 500 famílias integram a comunidade muçulmana no Rio. “Há umas três semanas Adlène não aparece”, disse Abdien, que conhece a maioria dos frequentadores, mas afirmou não saber nada da vida pessoal do físico. “Soube pela imprensa.”

Adlène mora na Tijuca, perto da mesquita, e se ocupa rotina basicamente com o trabalho. “Ele é hiperativo, uma usina de ideias”, descreve Ignácio Bediaga, professor e pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), órgão subordinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação situado na Urca (zona sul). Bediaga lidera no Brasil o projeto internacional de física ligado ao Cern (sigla em francês que identifica a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, sediada na Suíça). Foi dele a iniciativa de convidar o franco-argelino para trabalhar no Rio.

“Adlène havia saído da prisão e não queria ficar na Europa. Os chefes da Cern me sugeriram convidá-lo a trabalhar no Brasil”, disse Bediaga, que conhecia a situação de Adlène. “Sabia da acusação contra ele, por isso tomei todas as precauções. O presidente do CBPF chegou a consultar um embaixador para saber se poderíamos trazer Adlène para o Brasil, e fomos autorizados. A entrada dele no Brasil foi absolutamente regular, não houve nenhum artifício, tudo foi feito absolutamente dentro da lei”, disse.

Bediaga firmou acordo com o físico para um período de adaptação. “Ele veio primeiro para ficar três meses, com uma bolsa de estudos, e foi muito bem sucedido. Adaptou-se ao Brasil, gostou daqui e fez um trabalho de pesquisa brilhante.” O estudo resultou em uma descoberta científica (a assimetria entre matéria e anti-matéria envolvendo prótons) e um artigo publicado em revista norte-americana.

Após os três meses no Rio, ainda em 2013 o físico voltou à Suíça, onde apresentou o trabalho feito no Brasil. “Ele não queria permanecer lá, e havia se saído muito bem no Brasil. Por isso o convidamos pra ficar no País, ampliando a pesquisa inicial”, disse Bediaga. Durante a passagem pela Suíça, Adlène foi informado da decisão do governo daquele país de que não poderia mais permanecer lá e que estava proibido de entrar na Suíça até 2018. “A decisão foi com base na condenação dele na França, mas o caso já havia sido analisado pelo Ministério Público suíço e os promotores nem quiseram denunciá-lo. Consideraram que não havia provas e arquivaram o caso. Depois o governo decidiu impedir a permanência dele, sem dar maiores explicações.”

Adlène voltou ao Brasil, complementou a pesquisa no CBPF e hoje dá aulas como professor convidado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com salário de R$ 11 mil. “Ele gosta de lá e tem tomado iniciativas, como as aulas conjuntas com a Universidade de Zurique pela internet”, disse Bediaga.

Cinco cientistas que atuam em instituições da Suíça, Itália, Inglaterra e França encaminharam nessa terça, 13, a Bediaga uma carta de apoio a Adlène, classificado como pesquisador “muito competente, dedicado e produtivo” e professor “apreciado por seus alunos”. “Hicheur nunca cometeu, direta ou indiretamente, qualquer ato criminoso ou terrorista. Ele cumpriu a sua sentença totalmente e foi trabalhar pacificamente no Brasil”, diz o texto.

Hicheur desenvolvia até 2009 uma carreira acadêmica reconhecida internacionalmente. Fazia pós-doutorado na Suíça e trabalhava no Centro Europeu para Física de Partículas quando se afastou para tratamento médico. Na casa dos pais, na França, passou a frequentar fórum na internet que reúne jihadistas e trocou mensagens com uma pessoa que se identificava como “Phenix Shadow” - segundo a polícia, era Mustapha Debchi, tido pelo governo da França como membro da organização terrorista Al Qaeda. Nos emails, ele teria assumido compromissos interpretados pela Justiça francesa como vinculados a ações terroristas. As mensagens foram interceptadas pela polícia, que prendeu o físico. Processado, foi condenado a cinco anos de prisão. Detido em 2009, foi libertado em 2012 e chegou ao Brasil em 2013.

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