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Rio – Doutor em ciência política e professor titular da Universidade Central da Venezuela, o argentino Andrés Serbin afirma que Hugo Chávez, além de equipar suas Forças Armadas com fuzis AK-47, agora vai produzir munição para o armamento russo. "Até então, somente Cuba e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) usavam em larga escala na região o rifle automático criado em 1947 pelo comunista Mikhail Kalashnikov", diz Serbin.

Ele afirma que "a melhor prova" de que Chávez é um risco para a democracia na América Latina é o apoio a movimentos antidemocráticos em outros países – Serbin cita o caso de um embaixador venezuelano afastado após a denúncia de que financiava grupos de oposição ao governo da Argentina. O professor é presidente da Coordenadoria Regional de Investigações Econômicas e Sociais (Cries), rede latino-americana e caribenha de 80 centros de investigação, fundações e ONGs. A Agência Estado conversou com Serbin durante o 3.º Encontro Internacional do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon), realizado quinta e sexta-feira na Universidade Candido Mendes, no Rio.

Na última cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro, o presidente Lula e o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, advertiram Chávez sobre recentes decisões dele, consideradas antidemocráticas. A conversa terá algum resultado?

Andrés Serbin – Eu gostaria que isso funcionasse efetivamente. Creio que se eles não conseguirem a contenção, os presidentes Lula e Kirchner junto com alguns outros presidentes da América do Sul, vamos chegar a uma situação muito complexa. Não sei até que ponto Chávez está disposto a escutá-los. Ele tem um plano geopolítico que inclui um rol próprio dentro da região, mas que vai muito mais adiante. Basicamente em função de uma visão de mundo de enfrentamento com os EUA. Daí vem a aliança com Irã, com países árabes, e o jogo que ele faz na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), e mesmo seus vínculos com China e Rússia. Tudo parte da estratégia global que ele tem desenhada.

Lula gosta de mostrar-se próximo de governos considerados de esquerda, como o de Chávez e o de Evo Morales (Bolívia), apesar das divergências. Ele também teria um benefício dessa aproximação...

Ninguém a essa altura do campeonato tem que se assustar com a existência de governos de esquerda. É muito bom que haja governos de esquerda. O que todos gostaríamos é que fosse uma esquerda democrática, que tenha aprendido a regra do jogo da democracia. Apesar de todas as dificuldades, no caso de Evo Morales, todavia não temos evidência de que ele não siga o jogo democrático. No caso de Chávez, estamos vendo que sim, que ele não segue o jogo democrático, nem as regras do jogo.

Logo após a cúpula do Mercosul, o presidente Lula frisou, em dois discursos, um deles no Fórum Econômico Mundial, a questão da democracia, o que foi interpretado como um recado para a Venezuela. Por que Chávez seria um risco?

Creio que sim, Chávez é um risco para a democracia na América Latina. A melhor prova é que Chávez, de fato, estava apoiando movimentos que questionam a democracia em outros países. Só quero recordar que há cerca de dois meses o presidente Kirchner pediu a Chávez que retirasse seu embaixador na Argentina porque ele estava financiando grupos contrários ao governo argentino.

A militarização é um problema?

Eu creio que esse é um problema, e um problema muito grave. Havíamos chegado a uma situação na América Latina onde o processo armamentista havia sido paralisado, e a concorrência por maior poder de armamento entre os países havia diminuído. Chávez causa um desequilíbrio em função de sua idéia de que tem que enfrentar os EUA. Não creio que comprar 100 mil Kalashnikov sirva para enfrentar os Marines. Mas evidentemente 100 mil Kalashnikov estarão circulando basicamente na América Latina. Não somente quero recordar isso: quando compra 100 mil Kalashnikov, os únicos que usam Kalashnikov são as forças armadas revolucionárias em Cuba e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Chávez vai produzir munição para os AK-47. Onde vai parar essa munição? A outra pergunta é sobre os 100 mil FAL, os fuzis norte-americanos que ele tira de circulação para dar os Kalashnikov às suas forças armadas, onde vão parar, na Rocinha?

Um dos objetivos seria, então, fornecer munição para as Farc?

Não digo que seja um dos objetivos; como analista, pergunto: se normalmente uso a mesma munição que o resto da América Latina e os EUA e produzo essa munição, por que agora estou mudando para uma munição que somente serve para as minhas armas, que comprei, e para Cuba e as Farc? É uma pergunta.

O senhor vê algum acerto no governo Chávez?

Há muitos acertos, primeiro do ponto de vista político, porque há espaço de participação para setores que haviam sido excluídos previamente. Segundo, porque Chávez desenvolveu uma série de programas sociais muito importantes, que tiveram impacto positivo. A venda de produtos de consumo a preços mais baixos que os de mercado, os programas de educação, as missões de assistência médica, a assistência cubana. São todos efeitos muito positivos, que têm impacto importante na população.

Recentes medidas como a Lei Habilitante, pela qual Chávez pode governar por decreto, configuram um sistema ditatorial?

A nacionalização de empresas não tem por que ser necessariamente ditatorial. O que é ditatorial é impor por 6 ou 18 meses o governo por decreto presidencial. O que pode ser ditatorial é suprimir um canal de TV porque é um canal particularmente de oposição. Essas são medidas ditatoriais.

Andrés Serbin, professor titular da Universidade Central da Venezuela.

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