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 | Marcos Tristão / O Globo
| Foto: Marcos Tristão / O Globo

Autor de uma biografia considerada por muitos como o relato definitivo sobre a vida de Ernesto Che Guevara, Jon Lee Anderson avalia que Cuba está próxima do fim de uma era. Para contar a história do guerrilheiro, o jornalista passou três anos na ilha, onde teve acesso a documentos inéditos, e passou por Bolívia e Argentina. Nos últimos anos, escreveu ao menos três ensaios sobre a situação política em Cuba.Famoso por mergulhar profundamente nos cenários que retrata em livros e em reportagens para a revista New Yorker, o jornalista norte-americano, de 55 anos, se notabilizou com a cobertura de conflitos em países como Iraque, Afeganistão, Angola e Líbano, entre outros. Anderson tem uma for­­te relação com a América Latina, onde iniciou sua carreira, em 1979, no Lima Times, no Peru. Na década de 1980, cobriu a região para a revista Time. Nascido na Califórnia, o jornalista, filho de diplomata, foi criado em países como Coreia do Sul, Colômbia, Taiwan, Indonésia, Libéria e Reino Unido.Com o lançamen­­to de uma edição atualizada da biografia pela editora Objetiva, Anderson reflete sobre o alcance do mito de Che na política latino-americana e sobre o futuro da região num cenário de ascensão de governos de esquerda.

O senhor diz que Cuba está mais próxima do fim de uma era. Para a nova geração de cubanos, mais do que o ícone em camisetas ou a figura em cartazes em Havana, o que ainda significa o mito de Che?

Em Cuba, a juventude está dividida quanto a Che Guevara. Para alguns, é o maçante símbolo de uma "revolução do poderia", apregoada por velhos homens que ainda dominam o país usando a retórica do socialismo. Para outros, apesar de tudo, ele permanece uma figura potente, admirável, como um George Washington revolucionário ou a figura de Gandhi – um pai fundador do sistema único de nacionalidade determinista de Cuba, alguém para imitar em sentido abstrato, em um senso de inalcançável. Algo como Cristo.

Como reconhecer a influência de Che na política da América Latina?

A influência pode ser vista em uma geração de líderes – mais notavelmente Hu­­go Chávez e Evo Morales, mas também Daniel Ortega, Fernando Lugo, Rafael Correa e até mesmo [Cristina] Kir­­chner – para quem o perigo de uma invasão militar norte-americana diminuiu, apesar de qualquer política de confrontação que tenham adotado. Da mesma forma que Fidel sempre foi visto como uma fonte de orgulho nacionalista para a América Latina por sua atitude de desafio em relação aos EUA – mesmo entre políticos conservadores – Che é um santo padroeiro conveniente. Ele também pode ser usado astutamente como chamariz por políticos cujas credenciais revolucionárias são praticamente nulas, como forma de apelo à juventude irrequieta.

Um governo socialista pode ter uma transição suave para o capitalismo?

Transição suave? Duvido. A questão da propriedade por si só em Cuba é altamente complicada; existem muitos cubanos vivendo em casas compartilhadas com outros e que não foram compradas, mas que são legados dos confiscos de bens dos que fugiram. Desde o colapso da União Soviética, há um florescente mercado negro de imóveis, que se estende a estrangeiros "comprando" casas e usando inquilinos cubanos como laranjas. Dependendo das salvaguardas que a revolução adotar, existe a possibilidade de redes de criminosos surgirem nesse mercado. De outro lado, as vicissitudes do socialismo cubano nas últimas décadas prepararam seus cidadãos para um mundo empreendedor de cada um por si. Com o controle, isso deve permitir a emergência de uma nova classe média. Mas é possível perguntar como os jovens e os velhos se sairão.

Qual é a situação da e­­­co­­­­­­nomia?

O açúcar está quase morto em Cuba. Há um pouco de petróleo, pesca e turismo, mas a agricultura está em péssimas condições e não há exportações suficientes para se falar além de rum, migrantes cubanos e tabaco. Isso é nada. No fim, há o turismo e uma economia de serviços que, infelizmente para os cubanos, inclui uma próspera indústria do sexo e um traço nacional de trapaça como modo de sobreviver. Muito precisa ser feito para evitar que Cuba se transforme num tipo de sociedade criminosa organizada que temos visto em tantos outros Estados socialistas. Isso vai depender em grande parte de atitudes e políticas dos próprios governantes cubanos.

A Igreja pode ser essa espécie de parceira e, ao mesmo tempo, oposição amigável ao regime?

Sim, é uma possibilidade. Quan­­do o Papa João Paulo II visitou Cuba, em 1998, foi um momento significativo no qual os Castro pareceram estar dispostos a permitir que a Igreja atuasse como uma espécie de garantidora de alguma abertura política. Essa janela foi fechada em 2003, quando [Geroge W.] Bush invadiu o Iraque e os Castro se sentiram ameaçados por uma mudança de regime inspirada pelos EUA. A insegurança aumentou com a doença de Fidel e os primeiros anos de Raúl no poder. O fato de Chávez ter surgido na última década como um benfeitor tornou a repressão viável. É possível que estejamos diante de um recomeço desse processo, que começou sob João Paulo II e foi depois congelado. Os líderes da Igreja cubana se adaptaram à revolução e adotaram uma visão de longo prazo. Isso é a chave para que ela seja uma intermediária confiável.

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