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O ditador da China, Xi Jinping| Foto: EFE

Um estudo do Citizen Lab, um centro de pesquisa da Universidade de Toronto, no Canadá, divulgado no começo de fevereiro, revelou a existência de uma rede operada a partir da China de mais de 100 sites de notícias locais, que estavam espalhados por 30 países, entre eles o Brasil, que serviam para disseminar desinformação e ataques pessoais contra opositores do regime comunista de Pequim.

O estudo, intitulado “Paperwall: sites chineses que se passam por mídia local visam públicos globais com conteúdo pró-Pequim”, revela como a campanha, que também foi batizada pelo grupo de pesquisa como Paperwall, usa técnicas de engenharia social e manipulação de conteúdo para influenciar a opinião pública sobre temas sensíveis para o regime comunista chinês, como a origem da Covid-19, a situação de Hong Kong e Taiwan, e as críticas ao Partido Comunista.

O estudo foi desenvolvido após uma matéria do jornal italiano Il Foglio revelar a existência de seis sites de notícias locais que estavam sendo usados no país para disseminar propaganda de origem chinesa. Tais sites não estavam devidamente registrados como veículos de comunicação - conforme exigido pela legislação italiana. Antes dessa matéria do Il Foglio, em novembro do ano passado, o governo da Coreia do Sul também havia divulgado um relatório identificando 18 sites de notícias locais envolvidos na promoção significativa de propaganda pró-Pequim.

Ao analisar todas as informações disponíveis, o estudo conduzido pelo Citizen Lab revelou a existência de, ao todo, 123 sites de notícias locais aparentemente autônomos, distribuídos por 30 diferentes países. Segundo o grupo de pesquisa canadense, nenhum dos mais de 100 sites eram de fato independentes, como se apresentavam, mas sim controlados por uma empresa de relações públicas sediada em Shenzhen, na China, conhecida como Shenzhen Haimaiyunxiang Media Co., Ltd., ou somente Haimai. Fundada em 2019, a Haimai é especialista em oferecer serviços de disseminação de conteúdo promocional em vários idiomas, incluindo o português.

O estudo aponta que esses sites, que formam a chamada rede Paperwall, publicavam em seus espaços uma mistura de conteúdo copiado de fontes legítimas das mídias locais dos países onde estavam hospedados com comunicados de imprensa de cunho comercial e conteúdo político alinhado com as visões de Pequim. Nos sites, o estudo aponta que era comum ver ataques pessoais contra figuras reconhecidas como hostis pelo regime chinês, como a virologista Li-Meng Yan, que alega que o vírus da Covid-19 foi criado em um laboratório chinês, e Li Hongzhi, fundador e líder do movimento religioso Falun Gong, que é banido e perseguido na China desde 1999.

O estudo também mostrou que os sites da rede chinesa reproduziam, sem tradução, artigos de mídia estatal da China, como a CGTN e Global Times, e veiculavam propagandas e teorias da conspiração sobre supostas experiências biológicas dos Estados Unidos no sudeste asiático, ou acusações de interferência estrangeira nos protestos pró-democracia que ocorreram em Hong Kong, os quais foram duramente reprimidos pela ditadura chinesa.

Em um dos sites, o Citizen Lab encontrou a notícia contida nesta imagem, que fala sobre supostas experiências americanas com humanos na froteira entre a Tailândia e Mianmar
Em um dos sites, o Citizen Lab encontrou a notícia contida nesta imagem, que fala sobre supostas experiências americanas com humanos na froteira entre a Tailândia e Mianmar | Reprodução/Citizen Lab

Alguns sites que faziam parte dessa rede chegaram a difundir notícias controversas que falavam que cientistas americanos teriam criado e vazado o coronavírus. Muitas dessas informações, conforme aponta o estudo, se concentravam em meio a bastante propaganda de criptomoedas, que sempre encaminhava os usuários para sites criptografados.

Entre os domínios identificados pelo estudo do Citizen Lab também constam sete sites voltados para o público brasileiro, que estavam hospedados aqui mesmo no Brasil e possuíam nomes de cidades ou estados nacionais, muitas vezes nomes bastante genéricos como “brasilindustry.com” ou “goiasmine.com”. A Gazeta do Povo apurou que todos esses sites estão atualmente fora de rede e recomenda que eles não sejam acessados, uma vez que podem estar infectados por vírus.

Notícias "efêmeras"

Uma característica peculiar da rede de sites de notícias falsas, segundo o Citizen Lab, era a “natureza efêmera de seus componentes mais agressivos”, isto é, os artigos que atacavam os críticos de Pequim eram “rotineiramente removidos dos sites algum tempo depois de serem publicados”.

Segundo o estudo, essa tática, de excluir o conteúdo, visava dificultar a detecção e a exposição da campanha, ao mesmo tempo em que queria aumentar a amplificação inadvertida desse conteúdo por parte da mídia local e do público-alvo.

O estudo atribui a rede chamada de “Paperwall” à empresa Haimai com base em evidências de infraestrutura digital que ligam os sites da rede ao site oficial da empresa chinesa, o hmedium.com, e a um site secundário relacionado a ela, o sun-sem.com. Ambos os sites utilizam o mesmo identificador do Google AdSense que os dois primeiros domínios registrados da rede Paperwall, que foram identificados como “updatenews.info” e “wdpp.org”, conforme apontado pelo Citizen Lab.

O estudo também identificou uma conexão entre a rede Paperwall e o site de notícias Times Newswire, que foi previamente vinculado a outra operação de influência atribuída à China, chamada de HaiEnergy, revelada por meio de um relatório divulgado em 2023 pela empresa de cibersegurança Mandiant. O estudo do Citizen Lab aponta que o site de distribuição de notícias Times Newswire é uma fonte frequente de conteúdo político pró-Pequim, geralmente o mesmo conteúdo que também era disseminado pela pelos sites da rede Paperwall.

Alberto Fittarelli, autor principal do estudo, afirma que a campanha Paperwall é um exemplo de uma “operação de influência que serve tanto a interesses financeiros quanto políticos, e que está em sintonia com a agenda política de Pequim”.

“Ao observar o tráfego mínimo em direção aos sites da rede que é mensurável por meio de ferramentas de código aberto, e a falta de cobertura da mídia tradicional ou de amplificação nas redes sociais, podemos avaliar o impacto da campanha como insignificante até agora”, aponta, acrescentando que, no entanto, essa avaliação não deve ser tomada como indicativo de que tal campanha é inofensiva.

“Semear pedaços de desinformação e ataques direcionados dentro de grandes quantidades de conteúdo irrelevante ou até impopular é uma prática conhecida no contexto de operações de influência, que pode eventualmente render enormes dividendos quando um desses fragmentos é eventualmente captado e legitimado pela imprensa tradicional ou por figuras políticas”, explica ele no estudo.

Fittarelli também destaca o papel e a proeminência das empresas privadas na criação e gestão de operações de influência.

“Desde os primeiros dias de pesquisa nesse campo, a indústria de desinformação por encomenda cresceu, levando a descobertas e interrupções em países ao redor do mundo. A China, previamente exposta por ter recorrido a esse tipo de intermediário em grandes operações de influência, incluindo a citada HaiEnergy, está agora se beneficiando cada vez mais desse modelo operacional, que mantém um véu fino de plausível negação, enquanto garante uma ampla disseminação da mensagem política. É seguro supor que Paperwall não será o último exemplo de uma parceria entre o setor privado e o governo no contexto de operações de influência chinesas”, conclui ele.

Por meio de sua conta no X (antigo Twitter), Fittarelli disse que seu estudo “confirma mais uma vez o papel que as empresas privadas chinesas desempenham na repressão transnacional de dissidentes/críticos por parte de Pequim, bem como na condução das Operações de Influência no contexto internacional de forma mais ampla”.

“As operações pró-Pequim estão se tornando mais audaciosas e estão experimentando mais com localização e efemeridade. Isso é especialmente preocupante, já que os Estados Unidos se encaminham para as eleições de 2024”, disse em sua conta no X John Scott-Railton, também pesquisador da Universidade de Toronto.

À Reuters, a embaixada da China nos EUA criticou o estudo do centro de pesquisas, afirmando que “como princípio, é um viés típico e duplo padrão alegar que o conteúdo e os relatórios pró-China são 'desinformação', e chamar os anti-China de 'informação verdadeira'".

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