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Yang Jiechi (C), diretor do Gabinete da Comissão Central de Relações Exteriores, e Wang Yi (de máscara), Ministro das Relações Exteriores da China, conversam com seus homólogos americanos em um encontro bilateral no Alasca| Foto: Frederic J. BROWN / POOL / AFP

O governo comunista da China vem intensificando campanhas, dentro e fora do país, para rebater as acusações do Ocidente e para desacreditar os Estados Unidos, seu principal rival no cenário geopolítico que está se estabelecendo no século XXI.

O esforço mais recente é um relatório da Sociedade Chinesa de Estudos de Direitos Humanos, grupo controlado pelo Estado e responsável pela propaganda externa do regime, que acusa os Estados Unidos de terem causado desastres humanitários por meio de suas “guerras agressivas”, alegando que os norte-americanos foram responsáveis por 80% dos conflitos mundiais entre 1945 e 2001.

“A maioria das guerras agressivas foi lançada pelos EUA unilateralmente. Elas resultaram em mortes em massa e destruição de propriedades e levaram a terríveis catástrofes humanitárias. Essas intervenções estrangeiras desnudam o egoísmo e a hipocrisia da América ”, disse o relatório, revelado pelo South China Morning Post.

Na lista de guerras “unilaterais” o relatório inclui: a Guerra da Coreia, a Guerra do Vietnã, a Guerra do Golfo, a Guerra do Kosovo, a Guerra do Afeganistão (desencadeada após os ataques de 11 de setembro de 2001), a Guerra do Iraque e a Guerra da Síria.

Não é preciso ser um especialista em história ou geopolítica para afirmar que, apesar das controvérsias, considerar todas essas guerras “unilaterais” é, no mínimo, um exagero.

O relatório também coloca em xeque a preponderância norte-americana no cenário geopolítico mundial: “A crise humanitária causada por ações militares decorre da mentalidade hegemônica dos EUA […] Dada a contradição inerente entre humanitarismo e hegemonia, é pedir que se siga contra seus próprios interesses esperar uma hegemonia defender os direitos humanos em outros países”.

No ano passado, a China já havia promovido um relatório semelhante sobre direitos humanos nos Estados Unidos. Na época, o porta-voz do Ministério das relações Exteriores da China, Zhao Lijian, disse que os EUA usavam “dois pesos e duas medidas” para condenar abusos, citando o que a China considera “pecados” relacionados aos direitos humanos nos EUA, como racismo, colonialismo e interferência em assuntos internos de outros países.

Gu Su, cientista político da Universidade de Nanjing ouvido pelo SCMP, acredita que esses movimentos fazem parte da campanha do Partido Comunista para tomar posse da narrativa dos direitos humanos. Essa questão tem sido cada vez mais importante para o governo chinês devido às críticas e sanções internacionais envolvendo a etnia muçulmana Uigur.

No mês passado, EUA, Canadá, Reino Unido e União Europeia impuseram sanções coordenadas contra autoridades de Xinjiang por causa dos abusos cometidos contra os uigures na província – um ato bastante significativo, porque a UE não aplicava sanções à China por questões de direitos humanos desde o massacre na Praça da Paz Celestial em 1989. A China, obviamente, retaliou, visando não somente políticos, mas também pesquisadores.

Nesta semana, o país asiático criticou um levantamento australiano que identificou 380 locais de detenção de uigures em Xinjiang. Autoridades da província disseram que de todos esses lugares, 343 eram escolas, prédios de governo, hospitais, centros comerciais ou blocos residenciais – embora não tenham revelado o que eram os outros 37 prédios identificados pelo Instituto Australiano de Política Estratégica. “Esses chamados bancos de dados relacionados a Xinjiang são todos fundados por organizações anti-China, pessoal ou elementos do 'Turquestão Oriental' e apoiados pelos Estados Unidos e pelas forças anti-China ocidentais”, queixou-se o porta-voz do governo da província, Xu Guixiang.

Além de rebater acusações, a China também começou a promover com mais intensidade uma campanha para tentar mostrar que os uigures vivem bem no país. Com frequência, uigures aparecem em eventos do governo chinês e na imprensa estatal dando declarações de como são bem tratados pelas autoridades – embora relatos de uigures dissidentes sugiram uma realidade completamente diferente.

Essa narrativa do governo chinês também está presente nos cinemas. O musical "Wings of Song", que estreou no fim de março na China, por exemplo, conta a história de três homens de diferentes etnias – Han (maioria dos chineses), Uigur e Cazaque – que trabalham juntos para realizar o sonho de fazer um musical. “O filme apresenta uma imagem de harmonia étnica altamente estilizada em contraste com a paisagem idílica de Xinjiang, mas em que marcadores culturais e religiosos, como o idioma e lenços de cabeça, foram apagados”, avalia Eleanor Albert, pesquisadora de política externa e interna da China.

Pandemia

A agressividade da China no trato com críticos ficou muito mais evidente no ano passado, com a pandemia de Covid-19, quando a imagem do país ficou manchada por causa da lentidão do governo em responder ao surgimento da doença, permitindo que ela se espalhasse globalmente.

Para resolver esse problema, o governo chinês criou uma narrativa acusando os Estados Unidos de ser o principal culpado pela pandemia da Covid-19 e de mostrar como seu regime foi eficaz no combate à pandemia.

Ainda em março de 2020, quando a pandemia estava apenas começando, Pequim lançou um livro que mostrava quão brilhante o país foi na luta contra o vírus: A Battle Against Epidemic: China Combatting Covid-19 in 2020 [Uma batalha contra a epidemia: O combate da China contra a Covid-19 em 2020]. O livro compila vários relatos da mídia estatal chinesa sobre a liderança heroica do presidente Xi Jinping, o papel vital do Partido Comunista e a superioridade do sistema chinês na luta contra o vírus.

Na época já havia indícios que o regime estava alegando que o vírus teria se originado nos EUA. Segundo uma reportagem da Foreign Policy, havia uma teoria na China que afirmava que as mortes ligadas aos cigarros eletrônicos nos EUA eram uma ocultação à Covid-19. Não se sabia exatamente se o governo central espalhava essa notícia, mas certamente não as reprimia em seu território.

Em 12 de março do ano passado, o diretor-adjunto e porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, afirmou em sua conta no Twitter que o "exército dos EUA pode ter trazido" o coronavírus à cidade de Wuhan, epicentro da pandemia, mostrando o envolvimento de Pequim em uma campanha para culpar os EUA pela pandemia.

Em contrapartida, os esforços da Organização Mundial da Saúde em investigar a origem da Covid-19 em solo chinês não encontraram apoio irrestrito do governo chinês. As negociações entre a OMS e Pequim para o envio da missão responsável por investigar as origens do Sars-CoV-2 levaram quase um ano, por exemplo. Além disso, um documento interno da OMS datado de 10 de agosto de 2020, obtido pelo jornal The Guardian, afirmava que as autoridades chinesas fizeram “pouco” em termos de investigação epidemiológica sobre as origens da Covid-19.

As investigações da OMS feitas no início deste ano na China não foram conclusivas sobre a origem da pandemia, porém um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China não deixou a oportunidade passar e pediu também que os EUA “convidem os especialistas da OMS para um estudo sobre o rastreamento da origem” da pandemia em solo americano.

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