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Há pelo menos dois governos, a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) vive uma relação perigosa com as associações de sem-teto espalhadas pelo estado. Há o combinado e o praticado. No papel, o modelo vigente é o de gestão comunitária, que prevê que os líderes locais administrem as obras, o que inclui movimentação de recursos financeiros repassados pelo estado. Não é o que acontece. As associações passam procuração para a Cohapar, dando-lhe acesso às contas bancárias dos grupos, fazendo da gestão comunitária nada mais do que uma palavra bonita. A inversão de papéis abre espaço para irregularidades na administração, como compras sem concorrência pública.

Alguns sinais de fumaça foram dados. Uma carta anônima, assinada por "José da Silva" – o que deu origem às investigações da Gazeta que estão sendo feitas há mais de um mês –, circulou dentro da Cohapar há pouco mais de três meses, denunciando que as associações estariam sendo usadas como fachada para que as compras de material de construção e contratação de mão-de-obra fossem centralizadas na empresa, que até dia 31 de março tinha como presidente Luiz Cláudio Romanelli. Ele se afastou do cargo para disputar uma vaga de deputado estadual. O Ministério Público investiga o caso desde o dia 18 de abril. A própria empresa abriu auditoria interna no dia 30 de janeiro, quando os rumores começaram.

O promotor de Justiça Wilde Soares Pugliese analisa a legalidade das parcerias com as associações, argumento de defesa usado pela Cohapar. "Dependendo das investigações, pode-se até chegar a atos de improbidade administrativa, que incorre em perda de cargo, ressarcimento de prejuízos, sem exclusão de eventual responsabilidade criminal", explica o promotor.

A Gazeta do Povo confirmou irregularidades de gestão comunitária em três projetos de casas populares: Vila Zumbi dos Palmares, em Colombo; Rio Negro, na divisa com Santa Catarina; e Jardim Angico, em Fazenda Rio Grande. A Constituição Federal prevê autonomia das associações, mas o modelo de estatuto das entidades – repassado pela Cohapar – prevê "outorga" de poderes à companhia de habitação para realizar atividades típicas das associações.

Nos últimos três anos, tomando como base o custo de construção do governo estadual, foram aplicados pelo menos R$ 2,1 bilhões para erguer 17.219 moradias populares, em parceria com 842 associações. Também foram concluídas 7.950 casas inacabadas, erguidas no governo anterior, segundo informações da empresa. A Cohapar não revela quanto investiu nas parcerias. O valor acima foi estimado pela reportagem, que fez cálculos a partir do menor valor praticado pela empresa – R$ 304,19 o metro quadrado, compatível com a construção de uma casa com 40 m2.

As fontes dos recursos são o governo estadual, bancos estatais e internacionais e os trabalhadores (por meio dos recursos do FGTS). Os programas estaduais são a Casa da Família, o Lote da Família, a Auto-construção Familiar, o Direito de Morar, a Casa da Família Rural e Casas Indígenas. Procurações emitidas pelo 12.º Tabelionato de Curitiba mostram que o uso de associações dessa natureza ocorre pelo menos desde 1997, na gestão do então governador Jaime Lerner – Rafael Dely era o presidente da Cohapar na época. O esquema foi mantido na gestão de Roberto Requião, com Luiz Cláudio Romanelli à frente da companhia. Atualmente, a Cohapar é presidida por Rosângela Curra Kosak.

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