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Comandante Ancizar “Monazo”, das Farc: guerrilha perdeu vários líderes, mortos no conflito | Carlos Villalon/AFP
Comandante Ancizar “Monazo”, das Farc: guerrilha perdeu vários líderes, mortos no conflito| Foto: Carlos Villalon/AFP

Entrevista

"Recuperar a confiança entre ambas as partes é muito difícil"

Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.

O que está em jogo nessa negociação?

A paz no país é o que está em jogo. É a retomada de tentativas anteriores para as Farc deporem as armas e aceitarem participar do jogo político por meios pacíficos. Isso já foi alcançado com o extinto grupo M-19, mas, em outras vezes que se tentou isso com as Farc, houve uma série de assassinatos de ex-membros que tinham aceitado a proposta. Por isso, conseguir recuperar a confiança entre ambas as partes é muito difícil.

São as mesmas reivindicações que movem os guerrilheiros das Farc há quase 50 anos?

Quando as Farc surgiram em meados da década de 1960, os ideais do grupo eram de esquerda, apoiavam e recebiam apoio da extinta União Soviética. Com o desaparecimento desta, o grupo se ligou definitivamente ao narcotráfico. Eles ainda mantêm um certo discurso de igualdade e acesso à terra para os camponeses, mas não mais como na época da Guerra Fria. Hoje, são basicamente um grupo narcoguerrilheiro que quer chegar ao poder.

Um dos desafios dos guerrilheiros hoje é manter a unidade entre as várias facções das Farc?

Como disse antes, as Forças Armadas colombianas, com ajuda do governo norte-americano, via Plano Colômbia, passou a ser capaz de localizar e atacar as principais lideranças guerrilheiras. Assim, manter a comunicação ficou cada vez mais difícil: a comunicação segura e a coordenação das ações.

Há a possibilidade de as Farc ingressarem na política colombiana? Que consequências isso pode ter?

Assim como o M-19 aceitou depor as armas e se tornou um partido político nos anos 1980, é possível que o mesmo processo seja levado a efeito com as Farc. Contudo, superar as desconfianças entre os dois lados não será um processo fácil. Se ocorrer, será uma grande mudança econômica, política e estratégica para a Colômbia e seus vizinhos. Se o país conseguiu prosperar em plena guerra civil, sua economia terá tudo para crescer muito mais caso ocorra um processo de paz. Do ponto de vista político, os defensores da proposta de enfrentamento militar da guerrilha ganharão peso, tanto no país como na região. E, por fim, com a diminuição da ameaça interna, a Colômbia poderá transformar suas Forças Armadas de combate à guerrilha em forças militares tradicionais, o que afetará o equilíbrio estratégico na América do Sul.

Irinêo Baptista Netto

As Forças Armadas Revolu­­cionárias da Colômbia (Farc) estão mais fracas do que nunca. A observação é feita por analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

E é esse enfraquecimento, resultado também da ofensiva do governo anterior, comandado por Álvaro Uribe, a principal diferença entre a negociação de paz atual e as anteriores que fracassaram.

Em quase meio século de conflitos entre a guerrilha e o governo colombiano, hoje é o mais próximo que os dois lados estão de colocar um fim no embate.

Há razões políticas do presidente Juan Manuel Santos, disposto a tirar seu governo da sombra do mandatário anterior, Álvaro Uribe. Santos foi ministro de Defesa de Uribe, mas mudou drasticamente a maneira de lidar com as Farc, largando as armas para contemplar uma saída política – uma postura criticada com veemência por Uribe.

Dimas Floriani, coordenador acadêmico da Casa Latino-americana (Casla), analisa que Santos busca­­ "colher frutos políticos" com a negociação atual. "A diferença maior, em relação aos momentos anteriores, é o contexto sócio-político atual, mais favorável a esse tipo de iniciativa, por parte do governo", diz.

"Hoje, nos últimos 30 anos, é o momento em que a guerrilha está mais fraca", diz Marco Antônio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos. "A Co­­lômbia tem uma cultura política marcada pela guerra. Romper com este passado é fundamental. Não é tarefa fácil. E tem atores políticos que não aceitam a convivência democrática. Continuam pensando a política como guerra."

A oportunidade que se delineia hoje, na Colômbia, é histórica, nas palavras de Floriani, e a primeira com chances efetivas de acontecer. "Não por virtudes governamentais ou por motivações puramente éticas, nem pelo desejo da guerrilha de selar um acordo de paz", diz o coordenador da Casla, e sim "pelo cansaço e pela falta de alternativa".

"Em política, nada é definitivo", diz Floriani sobre o rompimento de Santos e Uribe. O que move o atual presidente é um cálculo político em defesa de seu projeto pessoal para se distanciar do antecessor, seu ex-aliado.

Política

Especula-se que um acordo para o fim das Farc pode significar a entrada dos guerrilheiros na política, a exemplo do que aconteceu em outros países latino-americanos. No Brasil, um caso notório é o da presidente Dilma Rousseff.

"Não será nada fácil, pois para isso é necessário que o Estado garanta espaços efetivos, com salvaguardas adequadas", diz Floriani.

Villa também considera o ingresso na política algo difícil de acontecer. "O fracasso eleitoral (inevitável) pode abrir caminho para voltar à guerrilha", diz.

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