Entre esta sexta-feira (15) e domingo (17), a Rússia realiza sua eleição presidencial, uma mera formalidade para que Vladimir Putin permaneça no poder até 2030.
Com opositores de verdade mortos, presos ou impedidos de participar da disputa, o atual mandatário russo terá pela frente apenas três adversários de fachada: Leonid Slutsky, do Partido Liberal Democrático da Rússia; Vladislav Davankov, do partido Novo Povo; e Nikolai Kharitonov, do Partido Comunista.
Com a vitória certa, Putin vai consolidar seus poderes, embora, na prática, ele já seja um ditador há muito tempo. Confira os motivos para essa constatação:
Perpetuação no poder
Putin está no poder desde agosto de 1999, quando se tornou primeiro-ministro do governo de Boris Iéltsin. No final daquele ano, se tornou presidente interino com a renúncia de Iéltsin e em 2000, foi eleito para a presidência.
Em 2008, impedido pela Constituição russa de tentar um terceiro mandato consecutivo, colocou um fantoche, Dmitri Medvedev, para presidir o país. Este, obviamente, nomeou Putin como primeiro-ministro para que continuasse dando as cartas.
Em 2012, Putin voltou à presidência. Para evitar o teatrinho de 2008, em 2020 ele realizou um referendo no qual foi aprovada uma mudança na Constituição para que pudesse concorrer nas eleições de 2024 e 2030 (os mandatos presidenciais passaram a ser de seis anos após Medvedev).
Se completar o mandato daqui a seis anos, Putin vai ultrapassar três décadas no poder e superar o ditador Josef Stálin (1924-1953), o mais longevo líder russo desde o fim da monarquia no país.
Cooptação das instituições
Putin domina o Legislativo russo, onde há apenas opositores de fachada – na prática, todos os projetos de lei encaminhados pela presidência passam na Assembleia Federal, o congresso nacional russo.
Isso acontece porque o órgão eleitoral da Rússia, a exemplo do que ocorre no pleito presidencial, barra todos os candidatos ao Legislativo que Putin considera indesejáveis.
Um exemplo foi a eleição da Duma, a câmara baixa do Parlamento russo, em 2021, quando apoiadores do líder opositor Alexei Navalny foram impedidos de concorrer porque seriam “extremistas”.
O Judiciário russo também é totalmente subserviente a Putin: Navalny, que morreu numa prisão no Ártico em fevereiro, cumpria penas que somavam mais de 30 anos de prisão.
Em 2022, uma corte de Moscou manteve uma decisão do órgão de fiscalização das comunicações do país, o Rozkomnadzor, que fechou a Novaya Gazeta, do jornalista vencedor do Nobel da Paz Dmitri Muratov e um dos poucos periódicos independentes da Rússia.
Em 2021, a Suprema Corte da Rússia havia determinado o fechamento da organização Memorial, que investigava os crimes do comunismo no país e que no ano seguinte também venceria o Nobel da Paz.
Perseguição a opositores, imprensa e sociedade civil
Os casos da Memorial e da Novaya Gazeta ilustram a perseguição a vozes dissidentes na Rússia, onde as mortes misteriosas de ex-aliados e opositores viraram motivo de piada na comunidade internacional.
Outro exemplo famoso de restrição à liberdade de imprensa foi a prisão do jornalista americano Evan Gershkovich, detido na Rússia no ano passado por acusações de espionagem.
Para calar críticas à guerra contra a Ucrânia, Putin fez passar no Legislativo russo penas severas para quem espalha supostas fake news (é claro que é o Kremlin que decide quais informações são verdadeiras ou não) sobre as forças armadas do país, como até 15 anos de prisão e confisco de bens.
Eleições sem transparência
Como em toda ditadura, as eleições russas sempre dão o resultado que o líder supremo do país espera. Em setembro de 2022, referendos realizados em quatro regiões da Ucrânia ocupadas pela Rússia (Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhzhia) apontaram que a maioria dos habitantes queria que esses oblasts fossem incorporados à Federação Russa.
Em Kherson, 87% manifestaram essa vontade, enquanto nas demais regiões a aprovação foi de mais de 90%, o que foi denunciado como uma óbvia manipulação. Relatos apontaram que moradores dos oblasts foram coagidos a votar “sim”, assim como ocorreu no referendo constitucional russo de 2020.
Em 2021, o uso de um sistema de votação pela internet nas eleições da Duma gerou acusações de fraude e manipulação de votos. Apesar das críticas, o sistema será usado em 29 regiões na eleição presidencial que começa na sexta-feira.
A observação independente é cerceada na Rússia. Em agosto do ano passado, num gesto de intimidação, autoridades russas prenderam Grigory Melkonyants, líder do Golos, único grupo de observação eleitoral independente da Rússia. O Golos relatou indícios de fraude na eleição presidencial de 2012 e em 2013 foi classificado como “agente estrangeiro” pelo governo russo.
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos (ODIHR), que acompanhou dez eleições nacionais russas nas últimas décadas, disse em janeiro que não enviaria observadores devido à “deterioração” das “condições” na democracia russa.
Militarismo e busca de inimigos externos
Nenhum ditador resiste à tentação de criar inimigos externos para “unir” o país e desviar a atenção de problemas internos.
É o que se vê atualmente na Venezuela, onde o ditador Nicolás Maduro, amigo de Putin, ameaça invadir a vizinha Guiana para tomar a rica região do Essequibo.
Putin adora grandes eventos e paradas militares, herança da União Soviética, e seu ato mais extremo na criação de um inimigo externo foi a guerra da Ucrânia, deflagrada por uma invasão em grande escala em 2022 e que foi precedida, oito anos antes, pela anexação da província da Crimeia e pelo apoio a separatistas em Donetsk e Lugansk.
Putin faz com frequência ameaças de ataques nucleares contra os países da OTAN e alega que seus objetivos na Ucrânia são “desmilitarizar” e “desnazificar” o país.
No entanto, nazistas ajudaram os russos na agressão ao país vizinho: Dmitri Utkin, fundador do grupo Wagner, era um nazista convicto e batizou sua horda de mercenários com o nome do renomado maestro alemão apenas porque este era o compositor favorito de Adolf Hitler.
Utkin morreu no ano passado, na queda de avião que também vitimou Yevgeny Prigozhin, líder do Wagner que havia caído em desgraça ao liderar um motim contra Putin.
Ou seja: combater o nazismo não passa de conversa fiada do atual ditador russo – que, a exemplo de Stálin, só pretende deixar o cargo quando morrer. Por ora, nada indica que ele não vá atingir essa meta.
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