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O ministro do Interior do Paraguai, Juan Ernesto Villa-mayor, em seu gabinete na capital, Assunção, 15 de novembro | SANTI CARNERI / 
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O ministro do Interior do Paraguai, Juan Ernesto Villa-mayor, em seu gabinete na capital, Assunção, 15 de novembro| Foto: SANTI CARNERI /  NYT

Nem o ministro da agência antidrogas do Paraguai acreditou no que estava ouvindo: em outubro, seus subordinados revelaram que tinham frustrado um plano que usaria um carro-bomba com 85 quilos de explosivos para libertar da cadeia um chefão do tráfico.

Dias depois, homens fortemente armados ameaçaram, em vídeo, matar o procurador-geral do país. "Sua cabeça está a prêmio", alertaram eles. 

Aí vieram dois assassinatos de arrepiar: uma advogada que representava chefões do tráfico foi morta ao sair de uma reunião, e uma jovem foi morta a facadas enquanto visitava um traficante na cadeia. 

"Esses últimos incidentes parecem coisa que só se vê em filme", lamenta Arnaldo Guizzio, chefe da agência antidrogas do Paraguai. 

Os dois crimes têm uma coisa em comum: são resultado da violência que vem do Brasil. Depois de gerar um nível recorde de violência no maior país da América do Sul, a guerra do tráfico está ultrapassando suas fronteiras, ameaçando as instituições já fragilizadas do vizinho Paraguai. 

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E grande parte do caos na região é fomentada por armas norte-americanas. Aliás, o volume de armamentos enviados por aquele país é tão grande que autoridades dos EUA tomaram a rara medida de interromper a exportação para o Paraguai este ano. 

Elas optaram pela suspensão depois de notar que os fornecedores já tinham enviado quase 35 milhões de peças e munição para a pequena nação em 2017, mais que o triplo dos números do ano anterior, segundo dados oficiais obtidos pelo "The New York Times". 

Grande parte desse volume era então contrabandeada para as áreas nas duas maiores cidades brasileiras – São Paulo e Rio de Janeiro – controladas pelas gangues do tráfico, onde se encontram milhares de "soldados". 

O Paraguai compartilha uma fronteira de 1.365 quilômetros com o Brasil e, há tempos, é uma região de contrabando e lavagem de dinheiro. O país é um grande produtor de maconha, tem um mercado aquecido de armas e serve de entreposto para a cocaína que vem da Bolívia. 

Agora, para piorar, gangues brasileiras poderosas passaram a explorar suas leis de armas frouxas, a corrupção policial e o sistema judiciário fraco para estabelecer uma presença mais sólida ali. "Essas organizações criminosas já não nos tratam mais como um país estrangeiro, mas sim como parte de seu domínio", explica Guizzio. 

Erradicar essa influência representa um desafio institucional imenso e significativo, como dizem as autoridades locais. 

"O crime organizado toma conta do Paraguai. A única forma de combater isso é com leis, com um judiciário forte. Acontece que esse é justamente o poder mais corrupto do país", lamenta a senadora Georgia Arrúa, representante do estado fronteiriço que se tornou um campo de batalha mortal, com diversas facções brigando pelo controle das rotas do tráfico. 

O ministro do Interior, Juan Ernesto Villamayor, que supervisiona e controla das forças policiais, disse que o presidente Mario Abdo Benítez, cujo mandato teve início em agosto, assumiu o controle da guerra do governo contra a corrupção. 

"Pôr a casa em ordem resulta em eliminar vários peixes grandes do sistema", compara. 

Os sinais que mostram que o Paraguai enfrenta uma piora na questão do crime organizado vêm aumentando há anos. 

Em abril de 2017, criminosos incendiaram carros em vários pontos de Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil e a Argentina, para desviar a atenção da polícia enquanto invadiam uma empresa de carros-fortes espanhola, usando uma bomba para explodir o cofre. Depois de roubar milhões de dólares, alguns dos assaltantes fugiram de barco, atravessando o rio e entrando no Brasil. 

Mas nada deixou tão claro o tamanho do desafio de segurança e o nível da fragilidade de suas instituições como os eventos resultantes da detenção de Marcelo Pinheiro Veiga, narcotraficante brasileiro responsável, em grande parte, por esse tumulto. 

Conhecido como Marcelo Piloto, ele estava foragido desde 2007, quando fugiu da cadeia depois de cumprir dez anos de uma pena de 26 – e se tornou o alvo principal das autoridades brasileiras e norte-americanas ao entrar no Paraguai, em 2012, para aumentar o contrabando de armas e drogas para as áreas de diversas cidades brasileiras controladas pelo Comando Vermelho. 

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Nas últimas semanas de 2017, depois de meses ouvindo a comunicação interceptada e reunindo provas de diversas fontes, agentes do DEA (órgão de combate às drogas dos EUA) no consulado do Rio de Janeiro descobriram que Veiga operava em uma casinha discreta em Encarnación, uma cidadezinha no sul do Paraguai. 

Passaram as coordenadas da casa para os colegas paraguaios e ficaram esperando pelo desfecho. 

Em treze de dezembro do ano passado, membros da divisão antidrogas deram batida na casa de Veiga e o encontraram na sala, agachado perto da árvore de Natal. Algemaram-no sem maiores incidentes. Os oficiais comemoraram a prisão no consulado norte-americano do Rio, que, de uns anos para cá, assumiu um papel mais assertivo, ainda que invisível, na guerra brasileira ao narcotráfico. 

"Foi uma festa só. Afinal, foi superimportante para nós aqui", vibrou um oficial dos EUA que não estava autorizado a falar publicamente sobre a operação. 

A agência de combate ao tráfico declarou a captura "um momento crucial na luta contra o crime organizado", mas tanto as autoridades brasileiras como as norte-americanas começaram a ficar impacientes quando o pedido de extradição de Veiga – que foi detido com documentos falsos – pareceu emperrar. 

No início de novembro, Veiga concedeu uma coletiva na tentativa de embolar ainda mais a operação – que, de repente, tinha se tornado prioridade para os paraguaios, principalmente depois de terem descoberto o plano para libertá-lo. Cercado por um grupo de jornalistas, ele negou veementemente qualquer cumplicidade no plano de ataque ao presídio onde estava sendo mantido. 

Depois revelou uma série de crimes que disse ter cometido no Paraguai, em uma admissão de culpa que parecia ter sido pensada para evitar sua extradição para o Brasil. Acusou um comandante da polícia do alto escalão de ser seu aliado, confessou ter traficado armas durante anos e também admitiu ter matado muita gente ali. 

Em entrevista concedida em sua cela, vários dias depois, Veiga afirmou que o Paraguai estava ansioso para se livrar dele porque julgá-lo ali revelaria o forte conluio que há entre os políticos, as forças de segurança e os traficantes. 

Confessou-se também resignado com o fato de que passaria muito tempo atrás das grades, embora as condições da prisão no Paraguai – onde estava sendo mantido em um cômodo pequeno com geladeira, TV e banheiro particular – eram muito superiores ao que teria em uma cadeia de segurança máxima no Brasil. 

"Sou traficante, mas, como eu, há muitos. Sou peixe pequeno, posso ser substituído com a maior facilidade no esquema. Eles não querem é encontrar os bambambãs", afirmou, misterioso, referindo-se aos políticos. 

Pouco depois do fim da entrevista, ao meio-dia, Lidia Meza Burgos, de 18 anos, natural de um vilarejo pobre no sul do país, assinou o livro de visitantes e foi levada à cela de Veiga. Segundo as autoridades locais, trabalhava como prostituta. 

Assim que a porta se fechou, Veiga esfaqueou a moça. Foram 16 golpes no pescoço e no tórax, que se provaram fatais. 

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O crime foi descrito como uma tentativa audaciosa de forçar os paraguaios a suspender sua extradição, julgando-o por homicídio – mas o governo fez justamente o contrário. Abdo Benítez evocou um mecanismo legal que dá ao Estado o direito de expulsar um criminoso alegando ameaça à segurança nacional. 

Dois dias depois, Veiga foi levado para o Brasil para cumprir o resto da pena de 26 anos e provavelmente enfrenta uma longa lista de novas acusações. 

Explicando sua decisão, Abdo Benítez disse apenas: "Que nosso país não sirva como terra de impunidade para ninguém." 

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