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Como navios fantasmas da Coreia do Norte burlam as sanções impostas ao país

Navio de Hong Kong é detido brevemente na Coreia do Sul suspeito de transferir produtos petrolíferos para a Coreia do Norte em 29 de dezembro de 2017, violando as sanções da ONU | Foto: Divulgação Coreia do Sul/AFP
Navio de Hong Kong é detido brevemente na Coreia do Sul suspeito de transferir produtos petrolíferos para a Coreia do Norte em 29 de dezembro de 2017, violando as sanções da ONU | Foto: Divulgação Coreia do Sul/AFP (Foto: )

Em abril de 2018, um navio transportando US$ 3 milhões em carvão adentrou nas águas da Indonésia com seu transmissor de identificação desligado e sua bandeira escondida da vista.

Por causa de um aviso, a Marinha da Indonésia deteve o navio, que se identificou como o "Wise Honest", de Serra Leoa. Quando os inspetores subiram a bordo, porém, encontraram duas dúzias de membros da tripulação e documentos de registro indicando um país de origem diferente - a Coreia do Norte.

A interdição, detalhada em um relatório de 5 de março feito por monitores das sanções da Organização das Nações Unidas (ONU), faz parte de um aumento preocupante nas exportações de carvão da Coreia do Norte - exportações que violam as sanções da ONU e ajudam a financiar o programa de armas nucleares do ditador Kim Jong-un, segundo os monitores.

Pyongyang está se tornando mais ousada em sua evasão de sanções, em parte porque muitos países – e seus bancos, seguradoras e negociadores de commodities – há muito tempo não cumprem adequadamente as medidas, de acordo com especialistas em Coreia do Norte. E alguns analistas temem que sinais mistos da administração Trump possam comprometer ainda mais a aplicação das sanções globalmente.

"É anarquia", disse Hugh Griffiths, coordenador dos monitores da ONU, em uma entrevista. "Essas enormes lacunas na governança marítima e financeira proporcionarão ao chefe Kim uma linha de vida econômica por meses, se não anos por vir".

Embora Washington tenha tradicionalmente liderado o policiamento global das sanções da ONU e dos EUA, as recentes ofertas do presidente Donald Trump a Kim e sua ordem no mês passado de retirar as sanções do Departamento do Tesouro da Coreia contra a Coreia do Norte trazem "um tremendo senso de incerteza na comunidade global", disse Elizabeth Rosenberg, funcionária do Departamento de Sanções do Tesouro de 2009 a 2013.

A Casa Branca e o Departamento do Tesouro se recusaram a comentar. Trump este mês disse que não queria aumentar as sanções dos EUA "por causa do meu relacionamento com Kim Jong-un" e porque ele acreditava que "algo muito significativo vai acontecer" em suas conversas com Kim sobre a desnuclearização da península coreana.

Como atuam os navios fantasmas

A Coreia do Norte conduz seu comércio ilícito com uma frota de navios fantasmas que pintam nomes falsos em seus cascos, roubam números de identificação de outros navios e executam seus negócios passando as cargas de navio a navio em alto mar, a fim de evitar olhares indiscretos nos portos.

Os parceiros comerciais de Pyongyang incluem redes criminosas que conscientemente fecham os olhos para a lei de sanções, disse Griffiths. "Se eles virem que o carvão norte-coreano é mais barato de comprar porque é ilegal, há uma margem de lucro maior", disse ele. Outros comerciantes involuntariamente entram em contato com as transações porque não estão examinando seus negócios de perto o suficiente, explicou ele. Além das exportações de carvão, as importações ilegais de petróleo para a Coreia do Norte também estão em alta.

A maioria dos navios que negociam com Pyongyang navegam sob as chamadas bandeiras de conveniência, o que significa que estão registrados em países como Panamá, Togo e Dominica, que fornecem pouca supervisão. Mas embarcações e empresas em países mais desenvolvidos também estão sob suspeita.

No final de março, os departamentos do Tesouro e do Estado acrescentaram dois petroleiros da Coreia do Sul e Cingapura a uma lista de vigilância de embarcações que "acreditavam ter se envolvido" em comércio ilegal com a Coreia do Norte. E os monitores da ONU descobriram que uma empresa sul-coreana era a destinatária do carvão que estava sendo carregado no Wise Honest.

Autoridades de Cingapura disseram que estão investigando o petroleiro e que assumem "muito seriamente" suas obrigações de aplicar sanções. A Coreia do Sul disse que vai "conduzir uma investigação completa" sobre possíveis violações de sanções.

Como o Wise Honest burlou as sanções

No caso do Wise Honest, um vendedor norte-coreano chamado Jong Song-ho realizou reuniões na embaixada de Pyongyang em Jacarta, Indonésia, para organizar o carregamento. No final de 2017, ele apareceu em um desses encontros e foi apresentado a um comerciante de commodities indonésio chamado Hamid Ali.

Jong deu a ele um cartão de visita apresentando-se como presidente do Jinmyong Trading Group e do Jinmyong Joint Bank em Pyongyang – o último dos quais os EUA sancionaram em 2017.

No início de 2018, Ali e Jong se encontraram novamente em Jacarta e discutiram um "transbordo de carvão", segundo Ali contou aos monitores. Jong então conseguiu enviar US$ 760 mil para Ali, por meio de uma empresa chamada Huitong Minerals. O JPMorgan Chase ajudou a facilitar esse pagamento agindo como banco correspondente em transferências, de acordo com registros de transferência bancária obtidos pelos monitores.

Parte desse dinheiro foi um pagamento de comissão para ajudar a organizar a venda do carvão Wise Honest, Griffiths disse.

Ali não respondeu aos pedidos de comentários do Washington Post. Jong e a Huitong Minerals não foram encontrados para comentar.

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Em 11 de março de 2018, um Estado membro da ONU capturou uma foto da Wise Honest sendo carregada com carvão em um porto em Nampo, na Coreia do Norte.

Depois que a Indonésia deteve o navio em abril de 2018, autoridades disseram aos monitores que uma empresa sul-coreana, a Enermax Korea, era o "destino final/destinatário" do carvão, segundo o relatório.

A Enermax disse aos monitores que "simplesmente recebeu uma oferta de carvão proveniente da Indonésia de alguém que parecia ser um corretor local na Indonésia". A empresa, porém, não respondeu aos pedidos do Post para comentários.

Como é o trabalho dos monitores

O Conselho de Segurança da ONU proibiu as exportações norte-coreanas de carvão – a maior fonte de receita externa do país – em agosto de 2017, depois que Pyongyang realizou vários lançamentos de mísseis. Logo depois, o Conselho de Segurança proibiu todas as transferências de carregamentos para navios norte-coreanos e restringiu severamente as importações de petróleo da Coreia do Norte, em parte para privar seus militares de combustível.

Griffiths e sua equipe de sete pessoas são os principais monitores de conformidade das sanções, trabalhando em uma "localização não revelada" perto da sede da ONU em Nova York – não revelada depois que ataques cibernéticos contra os monitores levantaram preocupações sobre sua segurança.

A equipe examina fotos e imagens de satélite – algumas fornecidas pelos Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Reino Unido – e bombardeia os parceiros comerciais de Pyongyang com e-mails exigindo que eles expliquem sua atividade.

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"Não temos poder de intimação", lamenta Griffiths, um britânico que passou sua carreira investigando crimes internacionais em órgãos da ONU, da União Europeia e dos EUA. E o grupo lamentavelmente está com falta de pessoal para o tamanho da tarefa, contando com mesmo número de monitores que uma equipe da ONU que examina as sanções contra a Somália, apesar de ter cinco vezes mais restrições para rastrear.

Ainda assim, a equipe de Griffiths tem algumas ferramentas: pode recomendar que o Conselho de Segurança imponha sanções a empresas e navios que violem as regras, uma punição que pode prejudicar sua capacidade de negociar.

Algumas das explicações que os monitores recebem são exageradas. Depois que o petroleiro Shang Yuan Bao foi fotografado transferindo carga através de mangueiras para um navio norte-coreano em maio de 2018, Griffiths contatou uma empresa de gestão sediada em Taiwan, ligada ao navio. De acordo com o relatório, a empresa respondeu que usou as mangueiras para fornecer água potável ao navio norte-coreano, "com base na ajuda humanitária".

Dado que as mangueiras do navio são normalmente usadas para o petróleo, a explicação "não é credível", disse Griffiths. "Qualquer um que tenha tentado beber água contaminada com petróleo dirá a você, você automaticamente vomita", disse ele.

Jeitinho

Alguns navios continuam negociando mesmo depois que o Conselho de Segurança impõe sanções a eles.

Em março de 2018, a ONU sancionou um navio registrado na Dominica chamado Yuk Tung, juntamente com a empresa de Cingapura que o administrou, depois que ele negociou com um navio norte-coreano. Essa punição baniu o Yuk Tung de todos os portos do mundo e efetivamente proibiu que outros navios negociassem com ele.

Para continuar operando no Mar da China Oriental, o Yuk Tung pintou um novo nome e um número de identificação roubado em sua popa. Enquanto isso, o legítimo proprietário dessa identidade estava ancorado no Golfo da Guiné, a mais de 11 mil quilômetros de distância, de acordo com os monitores.

Essas táticas permitiram ao Yuk Tung se passar por Maika e receber US$ 5,7 milhões em petróleo em outubro de 2018 de um petroleiro de Cingapura controlado por uma das maiores comerciantes de commodities da região, a Hin Leong Trading, disse Griffiths. Um Estado membro da ONU disse à equipe de Griffiths que acreditava que o petróleo estava destinado à Coreia do Norte.

Os monitores disseram que a Hin Leong Trading, fundada pelo bilionário de Cingapura Lim Oon Kuin, cooperou com a investigação e parecia ser uma "parte involuntária" de uma transação ilícita.

Pouca disposição

Muitos países concordam que uma Coreia do Norte com armas nucleares representa uma grave ameaça à segurança global. Mas aplicar as sanções requer mais tempo e dinheiro do que muitos estão dispostos a gastar, disse Griffiths.

Apesar da interceptação do Wise Honest, a Indonésia desafiou recentemente as instruções dos monitores da ONU para apreender o carvão, permitindo que ele fosse transferido para outro navio que prontamente partiu para a Malásia. Griffiths disse que isso era uma "clara violação" das sanções e pediu que a Malásia investigue o caso. As autoridades indonésias e malaias não responderam imediatamente aos pedidos de comentários.

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Parar o comércio ilícito de Pyongyang envolveria manter vigilância atenta nas embaixadas da Coreia do Norte e expulsar diplomatas que facilitem a evasão de sanções.

Também exigiria que os países impulsionassem a regulamentação de seguradoras, bancos e traders de commodities para garantir que eles analisem melhor os embarques e transações que apoiam, afirmam os monitores.

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