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O presidente russo, Vladimir Putin: analistas concordam que há risco real de Moscou usar armas nucleares táticas na Ucrânia, mas não há consenso sobre como seria a resposta
O presidente russo, Vladimir Putin: analistas concordam que há risco real de Moscou usar armas nucleares táticas na Ucrânia, mas não há consenso sobre como seria a resposta| Foto: EFE/EPA/ILYA PITALEV/SPUTNIK/KREMLIN

Na semana passada, ao anunciar a mobilização de 300 mil reservistas para lutar na Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, voltou a fazer ameaças de utilizar armas nucleares no conflito iniciado em fevereiro.

O líder russo disse que esses armamentos poderiam ser usados para “defender” o território do país, já antevendo as anexações que estão sendo votadas em referendos no leste e no sul ucraniano que terminam nesta terça-feira (27). A Ucrânia e o Ocidente já adiantaram que não vão reconhecer os resultados dessas consultas, marcadas por denúncias de irregularidades e coação.

Essa ameaça do Kremlin desperta algumas questões principais: trata-se de um risco real ou é um blefe de Putin? Caso a Rússia utilizasse armas nucleares, onde e como seriam esses ataques? E qual seria a reação do mundo?

Em um artigo para o New York Times, Jonathan Stevenson, membro sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, e Steven Simon, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), destacaram que o uso de armas nucleares táticas pela Rússia, que têm exponencialmente menos poder, mas que ainda podem produzir uma explosão de até 50 quilotons de TNT (o rendimento da bomba de Hiroshima foi de cerca de 15 quilotons), abriria um novo capítulo da história militar, de consequências imprevisíveis.

“As armas nucleares táticas [sua presença no arsenal das potências nucleares e o uso político da ameaça de sua utilização] estão desestabilizando o delicado equilíbrio da dissuasão. Elas reduzem as barreiras ao uso nuclear e tornam imprecisa a fronteira entre a guerra convencional e a nuclear”, explicaram.

Para o analista militar Alessandro Visacro, há chances reais de a Rússia usar armas nucleares táticas nos próximos meses, pelo fato de Moscou “precisar colher uma vitória” num conflito que o especialista aponta como sendo uma guerra “por procuração” com o Ocidente, e também pelo aumento nas tensões, em que nenhum lado busca uma desescalada.

“Progressivamente, estão sendo aumentadas as apostas, e essas apostas, numa diplomacia até mesmo irresponsável e inconsequente, já ultrapassaram vários limites. Só o fato de você ter um conflito armado hoje no leste europeu já é algo que é completamente desnecessário. Isso denota o desastre de uma diplomacia que ao longo das últimas décadas tem cometido erros gravíssimos”, destacou.

O também analista militar Paulo Filho concorda que o risco é real. “O uso de armamento nuclear é um tabu, só foi utilizado duas vezes, em Hiroshima e Nagasaki, pelos Estados Unidos, em 1945, e depois nunca mais. Mas é uma ação que não pode ser descartada. Se o Putin se sentir completamente sem saída, é possível que ele as use, o que escalaria o conflito num nível inimaginável”, alertou o especialista.

Se há certo consenso entre analistas militares de que Putin pode realmente usar armas nucleares táticas na Ucrânia, o mesmo não pode ser dito quando a questão é qual seria a reação caso esse ataque acontecesse.

No fim de semana, o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse em entrevista à CBS News que os Estados Unidos advertiram a Rússia a respeito dessa questão. “Comunicamos diretamente, em privado, em níveis muito elevados do Kremlin, que qualquer uso de armas nucleares terá consequências catastróficas para a Rússia, que os Estados Unidos e nossos aliados responderão decisivamente”, afirmou.

Richard K. Betts, professor na Universidade de Columbia e membro sênior adjunto do think tank americano Conselho de Relações Exteriores, apontou em artigo para a revista Foreign Affairs que os Estados Unidos poderiam responder de três formas: condenar o ataque nuclear, mas não fazer nada militarmente; usar também armas nucleares; ou entrar na guerra diretamente com ataques aéreos convencionais em larga escala e mobilização de forças terrestres, sem recorrer a armamento nuclear.

“Todas essas alternativas são ruins porque não existem opções de baixo risco para lidar com o fim do tabu nuclear. Uma resposta de guerra convencional seria a menos ruim das três porque evitaria os maiores riscos das opções mais fraca e mais forte”, argumentou, citando a “luz verde” que seria dada ao Kremlin pela primeira escolha e a escalada nuclear inimaginável que poderia resultar da segunda.

No caso de uma resposta também nuclear da OTAN, a aliança militar do Ocidente, Betts escreveu que a noção prevalente é que haveria um ataque “olho por olho”, ou seja, proporcionar à Rússia um estrago proporcional ao do primeiro ataque do Kremlin. A outra seria responder numa escala maior. Nesse caso, os riscos seriam as consequências para a população ucraniana, caso o ataque contra as tropas russas fosse dentro do país invadido, ou gerar uma “guerra ilimitada” se a resposta fosse em território russo.

Afastamento de China e Índia?

Paulo Filho, porém, não acredita que a OTAN entraria diretamente na guerra da Ucrânia mesmo após um ataque russo com armas nucleares táticas.

“Acho que eles [países da OTAN] aumentariam o apoio em armamento convencional, fornecendo alguns que ainda não foram oferecidos. Por exemplo, sistemas de armas Patriot, antiaéreos e antimísseis, mísseis de alcance superior a 70 km para o sistema lançador múltiplo de foguetes Himars, então, armamentos convencionais mais avançados para apoiar melhor o esforço de guerra ucraniano. E a OTAN também aumentaria a retórica contra a Rússia, o fornecimento de dinheiro e material [à Ucrânia], mas se envolver diretamente na guerra, não”, explicou, citando o fato de a Ucrânia não integrar a aliança militar.

O analista militar destacou que o uso de armas nucleares poderia levar até mesmo aliados a se distanciar de Putin.

“Se a Rússia usar uma arma nuclear tática na Ucrânia, eles [Kremlin] podem, por exemplo, usá-la num ponto remoto, pouco habitado, que causasse relativamente poucas baixas e pouca contaminação nuclear, apenas como uma forma de aviso, de que estariam dispostos a empregar esse armamento”, argumentou Paulo Filho.

“Agora, se fosse usada uma arma dessas em Kyiv, por exemplo, tentando eliminar o presidente [Volodymyr] Zelensky e seu governo, isso causaria uma comoção internacional muito grande e os russos ficariam completamente isolados. Não teriam apoio de ninguém, nem da China, nem da Índia. E isso seria uma postura claramente ofensiva, o que contrariaria toda a retórica russa de que somente utilizaria armas nucleares para se defender”, complementou o especialista.

Paulo Filho citou ainda que um ataque em território russo, tanto nuclear quanto convencional, “seria a Terceira Guerra Mundial”, por isso acredita que essa possibilidade não será considerada pelo Ocidente. Entretanto, isso não significa que Kyiv não continuará tentando recuperar as regiões ocupadas nos oblasts onde estão sendo realizados referendos de anexação pela Rússia.

“Quando o Putin faz esses referendos de anexação em Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia, está criando uma retórica para sua própria população, de que aquilo passou a ser território russo. Mas é claramente um truque, então, o Ocidente não se sentirá obrigado a considerar aquilo território russo e os ucranianos continuarão atacando”, explicou Paulo Filho.

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