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Opinião

Academia Sueca curte política, história e (um pouco de) literatura

Irinêo Baptista Netto, editor de Mundo

Sessenta e cinco anos é a média de idade dos escritores que vencem o Nobel de Literatura. É uma peculiaridade da categoria, premiar a terceira idade, enquanto outros nobéis parecem mais tolerantes com a meia-idade e com a juventude.

Na página oficial do Nobel, na internet, existem várias estatísticas relacionadas a todas as modalidades do prêmio. Há muitos jovens nas categorias científicas — o laureado mais novo foi Lawrence Bragg, que levou o Nobel de Física aos 25 anos em 1915.

No de Literatura, o mais moço foi Rudyard Kipling: 42 quando recebeu os milhões em coroas suecas a que tinha direito. O francês Patrick Modiano, dono do Nobel de Literatura 2014, tem 69 anos. Nesta década, a média de idade dos escritores aumentou para 73. Neste milênio, ela está pouco acima dos 70.

Existe uma ideia comum no meio literário de que os melhores trabalhos de um escritor são produzidos por volta dos 40 anos. Não é regra — e as exceções são notórias —, mas faz pensar no motivo que leva a Academia Sueca a premiar autores de idade avançada e, em alguns casos, que não escrevem há muitos anos (caso de Doris Lessing, premiada aos 88, em 2007).

Parece que os acadêmicos suecos estão mais preocupados em fazer justiça histórica (e política) que reconhecer proezas literárias. Não significa que os escritores sejam ruins, mas talvez Mo Yan tenha vencido em 2012 por ser da China e não por ser um poeta incrível (na verdade, John Updike disse que ele é xumbrega). Orhan Pamuk (2006), da mesma forma, por ser do Oriente Médio. E Naipaul, Kertész, Jelinek, Müller, Pinter, Le Clézio e Modiano, por serem... europeus.

Às vezes, os suecos surpreendem de um jeito bom, com Coetzee (2003), Vargas Llosa (2010) e Munro (2013). Ontem, a escolha de Modiano deixou meio mundo perguntando: "Quem?".

Calendário 2014

Academia Sueca atribui prêmios para seis categorias do conhecimento:

Medicina

John O’Keefe (anglo-americano), May-Britt Moser e Edvard Moser (noruegueses), pela descoberta das células que fazem parte do sistema de posicionamento geográfico que funciona no cérebro humano.

Física

Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shuji Nakamura (japoneses) — pela invenção do LED (diodo emissor de luz) da cor azul, sem o qual as fontes emissoras de luz branca — formada pela junção de LEDs vermelho, verde e azul —, mais econômicas e potentes, não seriam possíveis.

Química

Eric Betzig e William Moerner (americanos) e Stefan Hell (alemão) quebraram uma barreira na capacidade de observação de microscópios ópticos, permitindo aos pesquisadores observarem moléculas específicas dentro de células vivas.

Literatura

Patrick Modiano (francês) é autor de mais de 25 romances e foi escolhido "pela arte da memória com a qual evoca os destinos humanos mais incompreensíveis e descortina a ocupação [nazista na França]".

Hoje: Paz.

Segunda-feira: Economia.

Fonte: Nobelprize.org

15 franceses já ganharam o Nobel de Literatura, somando Patrick Modiano, agraciado ontem. A estatística reforça a posição de seu país como o que mais vezes ganhou esse prêmio, à frente de Estados Unidos (11) e Reino Unido (10). O poeta Sully Prudhomme foi o primeiro francês a receber o cobiçado prêmio, em 1901, e abriu uma relação na qual também se destacam nomes como os de Albert Camus e Jean-Paul Sartre. Frédéric Mistral (1904), Romain Rolland (1915), Anatole France (1921) e Henri Bergson (1927) vieram a seguir.

O francês Patrick Modiano, 69 anos, definido pela Academia Sueca como "uma espécie de Marcel Proust do nosso tempo", foi anunciado ontem como vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. O romancista, que como o autor de Em Busca do Tempo Perdido se destaca pelo trabalho de memória, é o 15º francês a receber o prêmio, apenas seis anos após Jean-Marie Gustave Le Clézio. Modiano receberá da Academia Sueca 8 milhões de coroas suecas (R$ 2,67 milhões).

Peter Englund, secretário permanente da Academia, disse que o autor foi escolhido "pela arte da memória com a qual evoca os destinos humanos mais incompreensíveis e descortina a ocupação [nazista na França]". A imprensa francesa não demonstrou surpresa com a notícia. O jornal Libération lembrou que o nome de Modiano figurava havia anos na lista de favoritos à premiação - na véspera, ele aparecia em sexto lugar na bolsa de apostas da britânica Ladbrokes.

Conhecido pela dificuldade em se expressar em público, sempre com frases incompletas, Modiano concedeu ontem uma entrevista coletiva na sede de sua editora, a Gallimard, em Paris. Ao lado do editor Antoine Gallimard, contou que só ficou sabendo da premiação após o anúncio, durante o almoço (em geral, os agraciados são informados meia hora antes), e comentou que escrever lhe é muito custoso.

"É como um pato cuja cabeça se cortou e que continua a andar até o fim do livro. Isso é estranho, porque faz perder a excitação do sonho, mas é preciso ir adiante", disse Modiano. O autor citou a influência de Raymond Queneau (1903-1976), autor de Zazie no Metrô, em sua obra - do amigo, que lhe abriu as portas literárias, herdou o estilo elíptico pelo qual é conhecido. Além de escritor, Modiano é roteirista. Co-assinou, com Louis Malle, o roteiro de Lacombe Lucien (1974).

História ligada ao nazismo se tornou obsessão temática

Folhapress

Patrick Modiano nasceu no final da Segunda Guerra, em 30 de julho de 1945, em Paris, filho de um judeu de origem grega ligado ao crime organizado e à Gestapo. A história familiar criou o ambiente para a obsessão temática que acompanha toda a sua obra.

Seu primeiro romance foi publicado quando o autor tinha 22 anos, com o título La Place de l’Etoile (o lugar da estrela), referência à marca de ódio infligida aos judeus e que o pai não teve de usar por colaborar com os nazistas. Sobre a temática de sua obra, disse que "não se pode escapar da sua época". "Somos prisioneiros do nosso tempo, é como operar um sismógrafo da sua época", afirmou.

Sucesso

Seu 28º romance, Pour que Tu Ne te Perdes Pas dans le Quartier (para que você não se perca no bairro), foi publicado na França há uma semana e já era sucesso de vendas antes da premiação. Nele, dois jovens entram em contato com o escritor Jean Daragane ao encontrar sua caderneta de endereços. O verbete destinado a um certo Guy Torstel será a senha para um regresso à Paris dos anos 1950 e 1960. Em resenha, o crítico do jornal Le Monde Eric Chevillard comparou Modiano a Le Clézio.

No Brasil

Modiano é traduzido em 36 idiomas. No Brasil, seis de seus livros, como Ronda da Noite e Dora Bruder, foram publicados pela Editora Rocco entre 1985 e 2003 - estão hoje fora de catálogo. A única obra disponível no país é o infanto-juvenil Filomena Firmeza (Cosac Naify), ilustrada por Sempé. "É um texto que, mesmo delicado, leve e bem humorado, retrata os personagens com profundidade rara. Transporta o leitor para o ambiente parisiense sem precisar de frases descritivas", diz a tradutora Flávia Varella. Modiano já ganhou outros prêmios importantes, incluindo o francês Goncourt, em 1978, por seu romance Rue des boutiques obscures.

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