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Londres (AG) – A minoria dos muçulmanos que adere ao extremismo tem poder financeiro até para atividades como o treinamento de clérigos. Esse fator, para o italiano Gabriele Marranci, professor de Antropologia das Religiões na Universidade de Aberdeen, Escócia, tem sido ignorado pelos governos ocidentais, sobretudo os da Europa – onde a população muçulmana cresce significativamente. Em entrevista, Marranci critica a insistência de políticos como o premier Tony Blair em focar no aspecto ideológico do combate ao extremismo.

AG – Desde o 7 de julho tem se falado demais no combate ao extremismo religioso, sobretudo numa ação mais incisiva dos setores moderados muçulmanos. Como o senhor vê os passos a serem tomados?

Gabriele Marranci – É uma pena que Tony Blair não esteja interessado na opinião dos acadêmicos especializados. Eu e muitos colegas diríamos que esse combate deveria ocorrer muito mais do ponto de vista econômico que ideológico. Não se pode pensar em mudar a interpretação das pessoas de sua religião, ainda mais quando o Islã não é a única crença que conta com setores mais radicais. Cristãos contrários ao aborto, por exemplo, já mataram médicos nos Estados Unidos. A questão é diminuir o poder financeiro que grupos extremistas têm sobre a comunidade muçulmana.

– Quais seriam os exemplos desses grupos?

– O grande exemplo é o fato de a família real saudita financiar a construção de mesquitas, escolas religiosas e o treinamento de clérigos em diversos países do mundo. E sua ligação com o ramo wahabita do Islã, conhecido pela interpretação radical do Corão, tem permitido que idéias extremistas se propaguem com mais força e resistência do que os esforços ideológicos por moderação. Não é por acaso que os jovens britânicos envolvidos no 7 de julho estiveram expostos a tal tipo de influência.

– O senhor concorda com as teorias de que radicalização de jovens muçulmanos se dá por uma mistura de fatores econômicos e sociais mais do que religiosos?

– Estudo as chamadas comunidades euroislâmicas há mais de 10 anos e já presenciei situações em que os jovens aparentemente mais fervorosos tinham apenas um conhecimento básico do Islã. O radicalismo é uma voz de conforto para uma geração em crise, dividida entre a tradição religiosa e as dificuldades da vida de minoria em grandes cidades européias. Veja os indicadores sociais no Reino Unido, por exemplo, e você vai perceber que os maiores níveis de desemprego estão na comunidade muçulmana. Uma situação que também afeta os moderados. Em alguns casos, a religião se transforma em alternativa profissional. A abordagem sugerida por Blair está errada, pelo menos no momento. O social é mais importante que o religioso.

– Como ganhar corações e mentes?

– Não será através da vigilância pura e simples. Como se pode controlar, apenas no Reino Unido, quase dois milhões de habitantes que falam várias línguas e dialetos diferentes? O primeiro passo é descobrir quem está financiando o quê e daí trabalhar de maneira coordenada com os setores moderados em termos de apoio financeiro para que a influência radical seja contra-atacada de maneira realmente eficaz. Uma comunidade em que haja uma mesquita financiada com dinheiro saudita certamente pode estar vulnerável ao radicalismo. É importante que os governos europeus também prestem mais atenção às necessidades de suas minorias. O terrorismo não será derrotado apenas com polícia ou revista de bagagens.

– O senhor não considera irônico que a mesma Arábia Saudita que financia o radicalismo também é aliada de países-alvo como os EUA e o Reino Unido?

– Essa situação não é desconhecida dos governos americano e britânico, mas existe o pequeno detalhe do petróleo. Daí o paradoxo.

– Qual a sua avaliação dos argumentos de que o Islã enfrenta um desafio de transformação semelhante ao do cristianismo no século XVI?

– Essa discussão é por demais ocidentalizada. Como disse antes, há movimentos radicais em várias religiões. Mesmo as crenças secularizadas são violentas. E o Islamismo não pode ser analisado nos mesmos termos porque não tem uma estrutura tão hierarquizada quanto a da Igreja Católica, por exemplo. Não há Papa, e a ênfase na interpretação religiosa ocorre num nível muito mais individualizado.

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