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O primeiro-ministro Narendra Modi quer que a Índia lidere os países em desenvolvimento, mas fatores internos e externos podem atrapalhar essa pretensão
O primeiro-ministro Narendra Modi quer que a Índia lidere os países em desenvolvimento, mas fatores internos e externos podem atrapalhar essa pretensão| Foto: EFE/André Coelho

Resumo da reportagem

  • A Índia pode ultrapassar a China como o país mais populoso ainda este ano e se tornar o próximo grande fenômeno na geopolítica mundial
  • A economia indiana deve crescer 5,9% em 2023 e 6,3% em 2024, mais que o dobro da variação global. A chinesa cresceu somente 3% em 2022
  • Os desafios da Índia: gerar empregos para aumentar sua taxa de participação da força de trabalho de apenas 46% e responder aos questionamentos de violação dos direitos humanos


Após décadas em que a China foi o grande ator emergente do planeta, a ponto de se tornar a segunda economia do mundo e rivalizar com os Estados Unidos, o próximo grande fenômeno de crescimento na geopolítica mundial pode ser a Índia.

Com mais de 1,4 bilhão de habitantes, o país deve ultrapassar a China este ano como o país mais populoso do mundo, segundo projeções. Além disso, se tornou no ano passado a quinta maior economia do planeta.

Estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgadas na semana passada apontaram que o Produto Interno Bruto (PIB) indiano crescerá 5,9% em 2023 e 6,3% em 2024, mais que o dobro da variação global, que deve ser de 2,8% este ano e de 3% no ano que vem.

Esse cenário acontece ao mesmo tempo em que a China parece entrar em decadência: no ano passado, pela primeira vez desde 1961 houve queda no número de habitantes no país, e o envelhecimento da população vem diminuindo a produtividade chinesa.

Esses fatores, aliados aos efeitos dos lockdowns severos da política Covid Zero (abolida a partir do final de 2022) e ao aumento da interferência estatal na economia desde a chegada de Xi Jinping ao poder, há dez anos, fizeram com que a economia da China crescesse somente 3% no ano passado, segundo pior resultado desde 1976 – o desempenho mais fraco foi o incremento de 2,2% de 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19.

No final de 2022, quando assumiu a presidência do G20, a Índia anunciou a intenção de liderar os países em desenvolvimento. “A presidência do G20 da Índia trabalhará para promover um senso universal de unidade. Daí o nosso tema, 'Uma Terra, Uma Família, Um Futuro'”, declarou o primeiro-ministro Narendra Modi.

Estaria a Índia no caminho de se tornar um player global, nos moldes do que a China se transformou nas últimas décadas? Não necessariamente.

Apesar do crescimento recente, o país enfrenta dificuldades para gerar empregos, principalmente que ofereçam bons salários, o que acaba fazendo com que muita gente (especialmente os mais jovens) desista de procurar trabalho.

Dados de 2021 do Banco Mundial mostraram que a taxa de participação da força de trabalho da Índia, ou seja, o percentual de pessoas ocupadas ou buscando emprego entre a população com mais de 15 anos de idade, era de apenas 46%, enquanto na China e nos Estados Unidos os índices ficaram em 68% e 61%, respectivamente.

Chandrasekhar Sripada, professor da Indian School of Business, afirmou em entrevista à CNN que a Índia “está sentada em uma bomba-relógio”. “Haverá tensão social se não for possível criar empregos suficientes em um período de tempo relativamente curto”, alertou Sripada, que pontuou que o alto desemprego na Índia é resultado da educação de baixa qualidade.

O professor elogiou mudanças recentes em políticas públicas na educação indiana, que estão colocando “ênfase razoável no desenvolvimento de habilidades agora”, mas que tais medidas levarão anos para gerar impactos significativos no mercado de trabalho.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Igor Macedo de Lucena, economista, doutorando em relações internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política, destacou que a Índia vem passando por um crescimento “robusto”, mas aquém do que a China conseguiu antes da chegada de Xi ao poder.

Apesar de provavelmente ser ultrapassada em termos populacionais, a China deve fechar 2023 com um PIB de US$ 19,3 trilhões, muito superior ao indiano, que deve ser de US$ 3,7 trilhões.

Lucena citou que outros fatores podem impedir a Índia de se tornar um player global – entre eles, o próprio perfil da sua política externa.

“A Índia tem conflitos internos mais acirrados que a China, um problema geopolítico com o Paquistão e também tem muito essa visão do Brasil de não se intrometer na questão específica de conflitos [entre outros países]. Então, alguns pontos da Índia a tornam muito mais uma potência regional do que de fato uma superpotência, como Estados Unidos ou China”, explicou o especialista.

“Não há uma grande agenda indiana de um plano internacional, como a Nova Rota da Seda chinesa [programa de investimentos em infraestrutura em outros países] e iniciativas americanas. A economia da Índia é muito focada nos serviços e estes são atrelados a empresas, indústrias e bancos internacionais”, explicou o economista, que citou o grande número de produtos voltados para o mercado interno indiano, que não conseguem ir além das fronteiras do país, enquanto o foco chinês recaiu fortemente sobre as exportações.

Amizade russa

Outra questão que pode atrapalhar a Índia é que suas relações externas questionáveis e seus problemas internos de direitos humanos já estão sendo observados pela comunidade internacional.

Embora não apoie a Rússia na guerra contra a Ucrânia, o país não condenou Moscou e segue mantendo laços estreitos com o país de Vladimir Putin.

A Rússia é o maior fornecedor de armas da Índia e as importações indianas de petróleo bruto russo cresceram desde a invasão do Kremlin à Ucrânia, a ponto de agora representarem mais que a soma das compras do produto vindo do Iraque e da Arábia Saudita.

Na questão de direitos humanos, a Índia é condenada internacionalmente pela violência contra as mulheres e a perseguição contra muçulmanos e cristãos: a organização Portas Abertas colocou o país em 11º lugar na sua lista mais recente da opressão a adeptos do cristianismo no mundo.

“Esses problemas diminuem as ambições da Índia de longo prazo”, apontou Lucena.

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