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Teste nuclear dos EUA no Pacífico, em 25 de julho de 1946: navios que se encontravam nas proximidades foram contaminados pela radiação e tiveram de ser afundados. Fotógrafos ficavam a 3 km de distância para registrar as explosões | Departamento de Defesa dos EUA
Teste nuclear dos EUA no Pacífico, em 25 de julho de 1946: navios que se encontravam nas proximidades foram contaminados pela radiação e tiveram de ser afundados. Fotógrafos ficavam a 3 km de distância para registrar as explosões| Foto: Departamento de Defesa dos EUA

Washington - Eles arriscaram suas vidas para registrar, em película, centenas de flashes ofuscantes, bolas de fogo em ascensão e nuvens de cogumelo. A força de uma detonação ar­­rastou um homem, e sua câmera, para uma vala. Quando ele conseguiu se levantar, uma nova onda o derrubou novamente.

Enquanto a maioria dos cientistas que fabricaram bombas atômicas durante a Guerra Fria ganhou fama, os homens que filmavam o que acontecia quando essas bombas eram detonadas se tornaram um grupo secreto.

Sua existência e a natureza de seu trabalho emergiram das sombras apenas após o governo dos EUA ter se empenhado em um esforço de liberar e tornar públicas as filmagens que eles registraram, projeto esse iniciado há 12 anos. No total, os cinegrafistas produziram cerca de 6,5 mil filmagens secretas, de acordo com funcionários do governo norte-americano.

Hoje, o resultado desse trabalho, além de mostrar os resultados da explosão através de imagens que podem ser exibidas em televisões e telas de cinema, também aumenta o conhecimento do público so­­bre os cinegrafistas.

Poucos fotógrafos e cinegrafistas de bombas nucleares sobreviveram. "A maio­­ria morreu de câncer. Não há dúvida de que a doença foi resultado dos testes", relata George Yoshitake, 82 anos, um dos sobreviventes.

Os cinegrafistas registraram a maioria das imagens a partir de testes nucleares no Pacífico e no estado de Nevada.

A base operacional dos cinegrafistas, localizada em Hollywood Hills, era protegida por cerca elétrica. O prédio discreto, localizado na Av. Wonderland, em Laurel Canyon, possuía um estúdio, salas de projeção, laboratórios, equipamentos de animação, cofres e uma equipe de mais de 250 produtores, diretores e cinegrafistas – todos com passes ul­­trassecretos.

Na sua versão original, os filmes serviam como fonte vital de informações pa­­ra que os cientistas investigassem a natureza das armas nucleares e a seu poder destruidor. Alguns filmes também po­­diam ser utilizados como tutoriais para líderes federais e do congresso.

Um livro de 2006, How to Photograph an Atomic Bomb (Como Fotografar uma Bomba Atômica), explora a natureza da empreitada secreta dos cinegrafistas.

"Eles são como patriotas que não fo­­ram reconhecidos. As imagens que captaram serão, por um bom tempo, um retrato de como foi nosso último século", diz Peter Kuran, autor do livro e cinegrafista de efeitos especiais em Hollywood.

Após inaugurar a era nuclear e detonar duas bombas atômicas no Japão durante a Segunda Guerra Mundial, os EUA se dedicaram expandir seu arsenal nuclear. Novos projetos requeriam testes para garantir que funcionavam adequadamente. Entre 1946 e 1962, o país realizou mais de 200 detonações atmosféricas.

A unidade cinematográfica secreta, criada em 1947, era conhecida como o Laboratório Lookout Moun­­tain. A base, localizada a alguns minutos da Sunset Strip, atraía talentos e tecnologia de Holly­­wood para atingir seus fins clandestinos.

Historiadores de cinema dizem que a unidade testou muitas tecnologias adotadas posteriormente por Hollywood, in­­cluindo lentes, câmeras, películas e técnicas de projeção avançadas.

Os cinegrafistas foram enviados para locais de testes governamentais no Pací­­fico-Sul e no deserto de Nevada. Seu trabalho era registrar a fúria da época. Eles ficavam a cerca de 3 km do local das explosões.

Os registros visuais ajudaram os cientistas a estimar o tamanho das detonações nucleares e medir seu poder destrutivo. Cidades maquete eram destruídas.

Yoshitake relembra ter documentado o que aconteceu com alguns porcos (cuja pele se parece com a humana) após uma explosão violenta. "Alguns ainda estavam grunhindo. Era possível sentir o cheiro da carne queimando. Era de dar enjoo. Que coisa terrível!"

Os cinegrafistas podiam apenas testemunhar, jamais fotografar, as primeiras explosões da bomba de hidrogênio, que eram cerca de mil vezes mais poderosas que as explosões atômicas. O objetivo era deixá-los acostumados com o grau de violência.

"O brilho púrpura no céu era tão assustador. E não estávamos nem perto da ex­­plosão, cerca de 40 quilômetros dali. Ela enchia todo o céu", relembra Yoshitake.

Washington viu muitos dos filmes. Mem­­bros do Congresso, que controlavam a apropriação dos fundos atômicos, ti­­nham direito a sessões de exibição especiais. Algumas das melhores filmagens eram exibidas para o Congresso, relembra Charles P. Demos, ex-agente do Departa­­mento de Energia, órgão responsável pela administração do programa de armas nucleares dos EUA. "Elas provavelmente influenciaram muitas decisões."

O empreendimento de filmagens das explosões perdeu sua finalidade em 1963, quando as superpotências acordaram em realizar subterraneamente todos os testes de armas nucleares, dando fim ao espetáculo das explosões atmosféricas e o que os governos mundiais começaram a perceber como um sério risco a saúde humana devido aos efeitos da radiação.

Em 1997, Hazel R. O´Leary, secretário do Departamento de Energia durante o mandato de Bill Clinton, almejou liberar a divulgação dos vídeos antigos.

As liberações foram interrompidas em 2001. O advento da administração Bush e o surgimento de um frisson atômico após os ataques em Nova Iorque e no Pentágono contribuíram para a interrupção do programa. Atualmente, o Departamento de Ener­­gia declara que liberou e tornou pú­­blicos mais de 100 vídeos de seu acervo, controlado pelo Exército.

Na audiência dos filmes encontra-se o presidente Barack Obama. Em abril, ele organizou uma exibição de Nuclear Tip­­ping Point na Casa Branca. O documentário traça o perfil de um grupo bipartidário de ex-oficiais que estão promovendo uma visão do mundo livre de armas nu­­cleares.

Yoshitake, o cinegrafista, defende que a liberação e restauração das imagens é algo sadio, visto que sua divulgação pode melhorar a compreensão do público so­­­bre a ameaça nuclear. "É bom mostrar o horror", diz. E reflete sobre o porquê das na-­­ ções mais desenvolvidas ainda terem mais de 20 mil das mais mortais de todas as armas. "Precisamos de todas essas bombas? É assustador."

Tradução: Thiago Ferreira

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