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A “libreta”, usada por 11,2 milhões de moradores da ilha para comprar arroz, sal, legumes, batatas, pão, ovos, açúcar e carne: quantidade de alimentos não é suficiente | Panorâmio.com/Google
A “libreta”, usada por 11,2 milhões de moradores da ilha para comprar arroz, sal, legumes, batatas, pão, ovos, açúcar e carne: quantidade de alimentos não é suficiente| Foto: Panorâmio.com/Google

Havana - Cuba está prestes a dizer adeus à "libreta". O sistema permite a todos os moradores da ilha, desde o médico até o varredor de rua, a comprar todo mês comida racionada a preços subsidiados pelo governo, desde 1962.

Pelo menos é o que sugere um recente artigo publicado no jornal Granma, o principal porta-voz do governo na ilha. "A ‘libreta’ foi uma necessidade num de­­terminado momento, mas agora tem se tornado um impeditivo para as decisões coletivas que a nação necessita tomar", escreveu Lázaro Barreto Medina, editor do jornal, em editorial publicado recentemente.

A "libreta" é um dos principais pilares do sistema socialista im­­plementado na ilha por Fidel Castro. No entanto, segundo o artigo – intitulado "Ele É Pater­­nalista, Você É Paternalista, Eu Sou Paternalista" –, o sistema tem impedido que o governo to­­me medidas necessárias para mudanças econômicas.

Ainda no artigo, o jornalista diz que o governo não deve baixar decreto nesse sentido, mas sugeriu aos leitores que comecem a se preparar para viver sem o sistema.

As palavras do editor não carregam peso político imediato, mas tamanha franqueza empregada pode ser um presságio de que mudanças podem estar a ca­­minho, só não se sabe exatamente quando.

O sistema racionado para comprar alimentos básicos necessários à sobrevivência tem sido alvo de queixas da própria população, por conta da escassa quantidade disponível. Pela "libreta", os 11,2 milhões de moradores da ilha podem comprar arroz, sal, legumes, batatas, pão, ovos, açúcar e alguma carne (frutos do mar ou frango). A maioria reclama que a quantidade disponível é suficiente para dez a 15 dias.

Moedas paralelas

Na economia cubana há duas moe­­das vigentes: o peso cubano e o CUC (acrônimo de Peso Cuba­­no Conversível).

O peso é a moeda usada pelos habitantes da ilha; o CUC – cuja relação é de 1 CUC para 24 pesos cubanos – é usada pelos turistas.

E é com os pesos que os cubanos pagam pela comida comprada na "libreta". Para garantir o sustento do resto do mês, a população é obrigada a comprar o excedente em CUC, o que gerou uma contradição na ilha, que é a criação de um "mercado negro".

Muitos cubanos correm atrás dos pesos conversíveis na informalidade, fato que o governo sabe da existência, mas faz vistas grossas.

A ideia sugerida pelo editorial de Barredo soa tão transcendental que virou conversa nas ruas, dividindo opiniões. "Eu nasci e cresci sob a revolução e não tenho ideia de como seria comprar co­­mida no supermercado", diz a cética Silvia Alvarez, de 50 anos. "Parece-me que, nesses tempos difíceis, deveríamos mantê-la por mais tempo."

O economista Antonio Jorge também tem suas dúvidas. Ele, que já ocupou o posto de vice-ministro das Finanças da ilha e agora é professor emérito da Uni­­versidade Internacional da Fló­­rida, em Miami (EUA), não consegue imaginar "com que propósito a medida seria implementada". "Como eles viverão? Como eles se proverão?", questionou o economista, salientando que metade da população cubana não tem acesso a valores remetidos por parentes que vivem no exterior, especialmente nos Estados Unidos.

Muitas vezes, o presidente Raúl Castro disse que a "libreta" custa muito e provém pouco. O subsídio à comida custa US$ 1 bilhão por ano ao governo cubano. Desde que assumiu o poder no lugar de seu irmão, Fidel Cas­­tro, em fevereiro de 2008, Raúl tem criticado o sistema pa­­ter­nalista cubano, de que prover a vida dos cidadãos não os incentiva a trabalhar.

Com uma economia golpeada fortemente pela falta de crédito externo, especialmente pelo em­­bargo americano, e ainda se recuperando de três furacões que ar­­ruinaram boa parte do território no ano passado, Raúl tem buscado formas de cortar os custos do Estado, enquanto implora aos agricultores que produzam mais.

Enquanto os cubanos sobrevivem com uma média salarial equivalente a 20 dólares ao mês, o Estado subsidia aproximadamente tudo para a sobrevivência deles – desde educação, saúde, moradia e transporte. Até mesmo a lua-de-mel dos recém-casados e os brinquedos dados às crianças eram subsidiados pelo governo até alguns anos atrás. Agora, não mais.

No mês passado, o governo anunciou planos de fechar o comércio, como as cafeterias, onde os cubanos também po­­dem comprar café mais barato. Castro também sugeriu outras grandes mudanças, como a du­­plicidade de moedas, que co­­loca muitos produtos importados fora do alcance da maioria dos cidadãos.

Ele também prometeu reformar a política salarial, permitindo que os melhores trabalhadores ganhem mais. Raúl ainda tem feito pequenas mudanças para abrir a economia aos empreendedores.

No entanto, descartar a "libreta" seria, de longe, a mudança mais fundamental ao sistema comunista igualitário implementado por Fidel.

Economia de mercado

Na opinião de Antonio Jorge, o ex-vice-ministro das Finanças, se o governo acabar com o sistema, terá de se esforçar para segurar os preços dos produtos no mercado livre, o que pode comprimir ainda mais a já pobre população cubana.

"Se você permitisse que o mercado definisse os preços, eles subiriam rapidamente imediatamente. Ideologicamente, o regime verá que o livre mercado é impensável. Mas, como economista, não vejo outra saída possível", avalia.

Por outro lado, alguns acreditam que é tempo de o governo fazer com que os cidadãos te­­nham mais responsabilidades por suas próprias vidas, como acontece na maior parte do resto do mundo.

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