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Reforma parcial

Cuba libera viagens ao exterior, mas não para “cérebros” e opositores

Regime socialista da ilha teme roubo de talentos por parte dos EUA e de seus aliados e restringe saída de pesquisadores, médicos e atletas

Em Havana, cubanos formam fila para buscar visto na embaixada espanhola, no dia em que o governo anunciou a flexibilização das leis migratórias | Desmond Boylan/Reuters
Em Havana, cubanos formam fila para buscar visto na embaixada espanhola, no dia em que o governo anunciou a flexibilização das leis migratórias (Foto: Desmond Boylan/Reuters)

Na mais importante mudança migratória em 50 anos, o governo de Cuba anunciou ontem que eliminará, a partir de janeiro, restrições para que cidadãos possam viajar ao exterior, mas deixará aberta a possibilidade de manter o veto a pesquisadores, médicos, atletas e opositores.

A nova lei, que entra em vigor em 14 de janeiro, permitirá aos cubanos viajar sem necessidade de obter a autorização prévia do governo, o chamado "cartão branco".

Precisarão, no entanto, de novos passaportes a serem emitidos no ano que vem, o que pode ser usado como novo filtro político.

Os candidatos a viajantes também não mais terão de apresentar uma "carta-convite" de pessoa ou instituição de fora de Cuba.

O período em que o viajante pode permanecer legalmente no exterior passa dos atuais 11 meses para dois anos, renováveis.

As novas regras são mais um importante passo na série de reformas que o ditador Raúl Castro vem implementando desde 2008.

Elas têm fundo econômico: com mais cubanos fora da ilha, aumentam as remessas de divisas.

Não há números oficiais, mas estimativas mostram que entre US$ 1 bilhão e US$ 2,5 bilhões são injetados por ano na economia por essa via.

A título de comparação, Cuba conseguiu US$ 1,2 bilhão com a venda de níquel em 2010, seu principal produto de exportação.

A reforma migratória, prometida por Raúl há dois anos, mantém as restrições para médicos e outros profissionais liberais e funcionários públicos, já que o texto diz que a ilha comunista atuará para "preservar a força de trabalho qualificada" e "preservar a segurança e proteção oficial".

"Enquanto existam as políticas que favorecem o roubo de cérebros, direcionadas a tirar nossos recursos humanos imprescindíveis para o desenvolvimento econômico, social e científico do país, Cuba é obrigada a manter medidas para se defender", informou o governo, em editorial do jornal Granma.

Os Estados Unidos mantêm regime migratório especial para Cuba. Os cubanos que chegam a terra firme americana –vindos de barco ou cruzando a fronteira com o México, por exemplo– têm direito a cidadania.

Importância das reformas é relativa, dizem especialistas

Irinêo Baptista Netto

A reforma migratória anunciada por Cuba tem uma im­­por­­­­­­tân­­cia "relativa" na opi­­nião­­­­ do cientista político­­ Di­­­­­­mas­­­­­­­­ Floriani, coordena­­dor­­ ­­aca­­­­­­dêmico da Casa Lati­­no-Ame­­­­­­­­­­ri­­cana (Casla), em Curi­­ti­­­­­­ba.

Embora as mudanças­­ be­­­­ne­­­­fi­­ciem, por exemplo,­­ os­­ que­­ têm familiares moran­­do­­ no­­ exterior – cuja­­ maio­­ria­­ vi­­ve nos EUA –,­­ elas não se estendem às eli­­tes inte­lec­­tual­­ e esportiva da­­ ilha, li­­mi­­­­tadas ainda às res­­tri­­ções do­­ governo.

Cuba admite mudanças porque sofre pressões interna e externa. "As restrições políticas e econômicas sempre andam juntas", diz o coordenador da Casla. São elas que respondem pela pressão que o regime cubano sente. As mudanças são uma forma de eles se prepararem para uma grande transição, processo que é hoje indiferente à morte de Fidel Castro.

"Observando historicamente, dá a impressão que Cuba não tem como resolver o processo migratório decretando uma liberdade total de ir e vir", diz Floriani.

Se eles permitissem a saída da mão de obra qualificada que trabalha no país – o que os norte-americanos chamam de brain drain, ou "drenagem de cérebros" –, "teriam de fechar o país", diz o analista.

Luciana Worms, professora de Geopolítica no Dom Bosco, afirma também que a importância da reforma é relativa exatamente por não contemplar atletas, médicos e pesquisadores. "Porém, a maior parte da população cubana não é de atletas, médicos e pesquisadores", diz. "E eles terão a possibilidade de ir e vir."

Para Luciana, as burocracias fazem isso antes de desmoronarem. "Para mostrar boa vontade, mostrar que estão participando do processo", diz. O "processo", no caso, de mudança das características do governo. Mas ela observa que a circulação livre de cubanos pode beneficiar a população da ilha, de forma semelhante à esperada por Mikhail Gorbachev, quando anunciou a glasnost, uma política de abertura dentro do regime soviético.

"Reformas econômicas, de migração e envolvendo as liberdades individuais são questões sensíveis", diz Floriani, "mas não estamos mais no contexto dramático dos anos 90", quando as privações impostas à população cubana tornou a rotina na ilha quase insuportável.

A reforma migratória é, enfim, diz Floriani, "uma mistura de componentes internos com jogo geopolítico".

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