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Na década de 1960, Fidel Castro disse que homossexuais não teriam condições de ser “verdadeiros revolucionários”; no domingo, Cuba vota em referendo legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo
Na década de 1960, Fidel Castro disse que homossexuais não teriam condições de ser “verdadeiros revolucionários”; no domingo, Cuba vota em referendo legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo| Foto: Wikimedia Commons

No próximo domingo (25), os cubanos vão às urnas para decidir se aprovam ou rejeitam um novo Código das Famílias, que, entre outros pontos, autorizaria o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por casais com esse perfil.

É uma questão que toca uma ferida aberta na história de Cuba, onde a ditadura comunista promoveu uma perseguição à comunidade LGBT+ na década de 1960.

“Nunca acreditamos que um homossexual possa personificar as condições e exigências de conduta que nos permitem considerá-lo um verdadeiro revolucionário. Um desvio dessa natureza entra em choque com a concepção que temos do que deve ser um militante comunista”, declarou o ditador Fidel Castro à época.

Um documentário lançado na França em 1984, chamado “Conduta Imprópria”, mostrou a vida nos campos de trabalhos forçados para onde homossexuais eram levados em Cuba – trabalho de sol a sol em plantações de fumo e cana, áreas delimitadas por cercas eletrificadas, ofensas, torturas e agressões por parte dos guardas e uma infame inscrição nos portões de entrada: “O trabalho os fará homens”, uma referência ao “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”) dos campos de concentração nazistas.

Porém, os homossexuais não eram os únicos encaminhados para essas prisões, chamadas de Unidades Militares de Ajuda à Produção (Umaps) e para onde também eram levados hippies, cristãos, prostitutas, dependentes químicos, agricultores que recusavam as políticas de coletivização da ditadura castrista e dissidentes políticos.

Segundo relatos reunidos em uma pesquisa publicada em 2013 pela Universidade de Delaware, dos Estados Unidos, havia pouca comida e para não morrer de fome os internados eram muitas vezes obrigados a comer gatos, galinhas e cobras que capturavam enquanto trabalhavam nos campos.

Mesmo trabalhando durante todo o dia debaixo de sol forte, os presos de uma das Umaps recebiam apenas três copos de água por dia e acabavam bebendo água contaminada que encontravam acumulada nos campos. As condições de vida eram tão ruins que suicídios se tornaram frequentes.

Héctor Santiago, um ex-detento das Umaps, relatou que a “reeducação” dos presos homossexuais envolvia, além dos trabalhos forçados, experimentos médicos para “curar” a homossexualidade.

“Eles davam um choque de insulina e um choque elétrico enquanto mostravam fotos de homens nus e depois, enquanto nos davam comida, davam charutos, mostravam filmes de sexo heterossexual. Achavam que assim conseguiriam nos converter em heterossexuais”, afirmou o ex-preso.

“Às vezes, nos deixavam sem comida e água por três dias e depois mostravam fotos de homens nus, e depois davam comida enquanto mostravam fotos de mulheres. Se você não era diabético, eles aplicavam uma injeção de insulina, isso dava um choque, você urinava, defecava e vomitava... Choque elétrico... você perdia a memória e dois ou três dias depois você não sabia quem era, estava catatônico e não conseguia falar”, relatou Santiago.

O escritor Reinaldo Arenas (1943-1990), que era gay e conseguiu deixar Cuba (morreu no exílio, nos Estados Unidos), colaborou na produção do documentário francês e contou sobre sua própria experiência nos campos e o ostracismo a que foi relegado depois de recuperar a liberdade.

“Quando escritores vindos do exterior perguntavam sobre mim, as autoridades diziam que não havia nenhum escritor chamado Reinaldo Arenas. Tornei-me um personagem orwelliano, uma não-pessoa”, relembrou.

Sobrinha de Fidel virou ativista LGBT+

Os campos, para onde foram levadas cerca de 35 mil pessoas, funcionaram entre novembro de 1965 e julho de 1968. A homossexualidade só foi descriminalizada em Cuba em 1979.

Em 2010, seis anos antes de morrer, Fidel Castro chamou a perseguição à comunidade LGBT+ nos primeiros anos da ditadura comunista de “uma grande injustiça” e alegou que à época não deu atenção ao assunto por estar preocupado com outras questões, como as “tentativas dos Estados Unidos” de assassiná-lo.

“Fugir da CIA, que comprava tantos traidores, às vezes entre o próprio povo cubano, não foi uma coisa fácil. Mas, de qualquer forma, se você tem que assumir a responsabilidade, eu assumo. Não vou jogar a culpa nos outros”, afirmou o ditador.

Por ironia, uma sobrinha de Fidel, Mariela Castro (filha do ex-ditador Raúl Castro), hoje é uma das líderes do movimento pelos direitos LGBT+ em Cuba.

Criticado pelas igrejas evangélicas e pela Igreja Católica local (que argumentou em comunicado que “a introdução em nossa legislação de conteúdos da chamada ‘ideologia de gênero’, que sustenta muitas das propostas, não beneficia a família cubana”), o novo Código das Famílias proposto é evidentemente apoiado por ativistas cubanos, que, no entanto, criticam a ditadura comunista por submeter o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção por esses casais a referendo.

O ativista Daniel Triana disse ao site independente Cubanet que, num país “onde há 63 anos não há tradição democrática de nenhum tipo e onde as decisões políticas são verticais”, a comunidade LGBT+ está sendo usada para render dividendos políticos à ditadura castrista (o chamado pinkwashing) e vender a imagem de que há democracia em Cuba.

“Há uma tentativa muito visível de apagar a memória histórica de décadas sombrias da comunidade LGBT+ em Cuba. Uma ferida que ainda está aberta”, criticou Triana.

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