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Eric Reeves, especialista em Sudão | Arquivo pessoal
Eric Reeves, especialista em Sudão| Foto: Arquivo pessoal

Horas depois de o Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia emitir a ordem de prisão contra o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, na última quarta-feira, 13 organizações humanitárias que atuavam na região de Darfur foram expulsas pelo governo, acusadas de colaborar com a Corte de Haia.

Ontem, durante visita a Darfur – a primeira depois da decisão do TPI –, Bashir subiu ao palanque e novamente usou o discurso do "neocolonialismo ocidental" para ameaçar de expulsão outras ONGs e diplomatas no Sudão. O ditador foi condenado por crimes de guerra e contra a humanidade, mas não por genocídio, acusação pela qual também respondia.

Para o americano Eric Reeves, especialista em Sudão e autor do livro Um Dia Longo está Morrendo: Momentos Críticos no Genocídio de Darfur (tradução livre), é hora de a comunidade internacional mostrar que está realmente interessada em proteger os deslocados de Darfur.

Segundo ele, sem ajuda, milhões de vidas estão em perigo. "É a grande crise que o mundo vive no momento."

Apesar da reação do governo sudanês, esperada por muitos, Reeves apoia a ordem de prisão para um presidente em exercício – a primeira na história – e acredita que a decisão servirá de exemplo para outros ditadores. Confira entrevista feita com ele na última sexta-feira, por telefone.

A decisão do TPI foi uma vitória para ativistas dos direitos humanos?

Sem nenhuma dúvida. Está claro que não existe impunidade para crimes contra a humanidade. As evidências contra Bashir foram reunidas não apenas pela Comissão de Inquérito da ONU, não só pelo promotor Luis Moreno-Ocampo, mas também por dezenas de relatórios de direitos humanos. Nos últimos seis anos, ficou claro que esse homem (Bashir) é de fato culpado por crimes contra a humanidade. E o fato de ele ser presidente de um regime ilegítimo, que derrubou um governo democrático para chegar ao poder, só agrava a situação. Acho que essa é a mensagem que será enviada com a decisão do TPI. Não é um assunto só relativo ao Sudão ou a Darfur: o mundo todo vai saber que ninguém poderá cometer crimes contra a humanidade e ficar impune.

Faz muita diferença que ele não tenha sido condenado por genocídio?

Há duas coisas a dizer sobre isso. Uma é que o promotor Moreno-Ocampo cometeu um grave erro. A responsabilidade por um genocídio pode ser estabelecida de várias maneiras. Moreno-Ocampo escolheu a mais difícil: fazer Bashir individualmente responsável. Existe um conceito que emergiu durante o contexto dos Balcãs e em processos subsequentes chamado "Joint Criminal Enterprise". Seria muito mais fácil estabelecer que Bashir fazia parte de uma operação criminal para cometer genocídio do que culpá-lo individualmente. Também há um grave erro do painel de juízes que analisou o caso. Um dos juízes votou por pedir a prisão de Bashir por genocídio. Os outros dois, no entanto, de maneira muito estranha, e de fato errada, decidiram que não há diferença étnica entre os grupos vítimas de Darfur. Você não precisa saber muito sobre Darfur para saber que isso é ridículo. É claro que há diferenças étnicas significativas entre árabes e não-árabes nas populações africanas. Dizer que não há diferenças raciais óbvias, o que é verdade, não quer dizer que não pode haver diferenças étnicas substanciais. Diferenças étnicas foram especificadas na convenção da ONU de 1948 de prevenção e punição a crimes de genocídio. Diz que grupos nacionais, raciais, étnicos e religiosos devem ser protegidos num evento de uma política de extermínio. O que nós tivemos foi uma política de extermínio diretamente contra os Fur, Massaleet e Zagawa, e a ideia de que eles não são etnicamente distintos é besteira. Foi a primeira vez que vimos um argumento desses.

E por que os juízes tomaram essa decisão?

Existe muita politicagem na questão do genocídio. Não sei o suficiente para dizer que foi isso que ocorreu neste caso. Mas posso dizer que é uma decisão bastante peculiar dos juízes dizerem que não há diferenças étnicas entre os Fur, Massaleet e Zagawa e outros grupos árabes em Darfur. Não faz sentido. Antropológica e sociologicamente, não há nenhuma lógica.

A decisão do TPI pode desestabilizar o Sudão ainda mais?

Eu escrevo regularmente sobre Darfur. Por mais de meio ano, tenho avisado a comunidade internacional e as publicações mais proeminentes que devemos levar a sério as ameaças vindas de Cartum dirigidas contra agentes humanitários ou soldados de paz da ONU. Mas no último dia 4 de março, quando 13 organizações foram expulsas, a comunidade internacional foi pega completamente despreparada. E ainda hoje (sexta-feira, 06), dois dias depois, não há uma estratégia clara para assegurar a readmissão desses grupos no Sudão. Esse é um problema realmente sério, e também um crime de guerra e um crime contra a humanidade. Não se pode negar assistência humanitária para pessoas que estão em crítica necessidade de comida, água limpa e cuidados médicos essenciais. Agora, se a comunidade internacional na responder, então as pessoas em Darfur estão condenadas. O status quo vai prevalecer indefinidamente. A comunidade internacional vai valer nada mais do que palavras. Temos uma situação bem delicada. Darfur é a grande crise que o mundo vive no momento. O Conselho de Segurança da ONU, a União Africana, a Liga Árabe, todos deveriam explicitamente exigir que Cartum permita a volta das organizações humanitárias. Isso é absolutamente essencial.

Bashir vai ser punido?

Em nenhum lugar do mundo, um ditador ou um tirano pode agir sabendo que sairá impune. Com a decisão do TPI, se você é um tirano ou um ditador ou parte de um regime brutal, você vai pensar duas vezes antes de cometer crimes contra a humanidade. Cedo ou tarde, eu lhe garanto, Bashir vai estar no banco dos réus em Haia. Não sei dizer quando nem como. Mas um dia ele estará lá. Muitos acreditavam que Charles Taylor (ex-ditador da Libéria) não iria para Haia, e lá está ele. É uma mensagem forte. Não só para os membros do regime do Sudão, mas para outros governos tirânicos em todo o mundo.

Qual é o próximo passo que a comunidade internacional deve dar?

Todas os esforços devem ser concentrados na readmissão das organizações humanitárias em Darfur. É tudo o que importa agora. Existem 4,7 milhões de pessoas afetadas pelo conflito; 3 milhões estão deslocadas, 2,7 milhões internamente e quase 300 mil refugiados no leste do Chade. Temos dados incríveis sobre o risco que essas pessoas estão correndo. Só posso esperar que a comunidade internacional encontre uma voz em comum e fique pronta para tomar medidas para que essas organizações retornem a Darfur.

Como Bashir pode ser preso?

Não acho que isso vai acontecer logo. Mas é possível que outros membros do Congresso do país queiram se livrar dele. A Arábia Saudita também já ofereceu asilo a Bashir. Mas ninguém sabe o que vai acontecer. Ninguém está defendendo uma invasão para prender Bashir. Mas ele sabe que é um homem marcado. A qualquer lugar que ele vá, poderá ser preso. Ele sabe que Ahmed Haroun, hoje secretário de Estado de Assuntos Humanitários do Sudão, um dos maiores responsáveis pelo genocídio e por crimes contra a humanidade em Darfur, teve emitida uma ordem de prisão pelo TPI em 2007. Ele estava pronto para entrar num avião para ir para a Arábia Saudita, mas recuou no último momento. Se ele tivesse embarcado, aquele avião teria sido redirecionado pela Interpol e ele teria sido preso e mandado para Haia. Eu não sei se algo desse tipo está sendo contemplado para Bashir, mas ninguém imaginava aquele plano contra Haroun. Pode ter certeza de que a Interpol, que agora tem a responsabilidade de prendê-lo, junto com os outros países signatários do TPI, o estará vigiando.

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