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Guardas ucranianos vigiam enquanto moradores tentam atravessar ponte destruída pelos russos
Guardas ucranianos vigiam enquanto moradores tentam atravessar ponte destruída pelos russos| Foto: EFE/EPA/MIKHAIL PALINCHAK

Em 2014, um analista de segurança nacional afirmou que o Exército ucraniano estava “caindo aos pedaços” e que a Marinha do país estava em “um estado lamentável”. O general ucraniano Victor Muzhenko, ex-comandante das forças armadas da Ucrânia, chegou a dizer que as forças armadas estavam “literalmente em ruínas”.

No entanto, oito anos depois, após a invasão russa que começou em 24 de fevereiro de 2022, o desempenho das forças armadas da Ucrânia foi surpreendentemente forte contra as forças russas, que são maiores e melhor equipadas.

A forte resistência dos ucranianos é resultado de quatro fatores significativos.

O primeiro foi o esforço comprometido do governo ucraniano em 2016 para reformar as forças armadas. O segundo foram os milhões de dólares em ajuda e equipamentos militares do Ocidente.

O terceiro fator foram as mudanças importantes no pensamento militar ucraniano, que agora permite que líderes subalternos tomem decisões no campo de batalha. Até recentemente, esses líderes precisavam pedir permissão para alterar as ordens dadas pelos comandantes, mesmo que houvesse mudanças rápidas nas condições em campo.

O último fator significativo, e sem dúvida o mais importante, ocorreu no povo ucraniano: surgiu uma cultura nacional de voluntariado militar. Como resultado, foi criada uma agência governamental para organizar e treinar civis na defesa contra ataques militares.

De 2016 a 2018, ajudei a Ucrânia a reformar a defesa do país. Durante esse tempo, também conduzi uma pesquisa de campo na Geórgia para estudar a guerra russo-georgiana de 2008. Com base nessa pesquisa, constatei que as táticas russas usadas para invadir a Ucrânia não foram nada surpreendentes.

O que surpreendeu mesmo foi o desempenho do exército ucraniano.

Reforma geral da defesa

Em 2014, o governo ucraniano deu início uma revisão geral da segurança nacional e da defesa militar. Foi identificada uma série de problemas que resultaram diretamente em um mau desempenho de combate.

As deficiências variavam desde a incapacidade de enfrentar ataques cibernéticos até a má prestação de assistência médica. A corrupção era desenfreada, as tropas não eram pagas e os suprimentos básicos sempre faltavam. A logística geral e o comando também eram ineficientes.

Para remediar essas falhas, o então presidente Petro Poroshenko, em 2016, dirigiu reformas em cinco categorias: comando e controle, planejamento, operações, medicina e logística e desenvolvimento profissional da força.

Foi um plano ambicioso que estabeleceu uma meta de conclusão para apenas quatro anos. Um verdadeiro esforço hercúleo na época em que os ucranianos travavam uma guerra contra os separatistas russos no Donbass.

O que motivou as autoridades ucranianas e acelerou essas reformas foi o medo profundo de que a Rússia pudesse iniciar uma invasão. Embora todas as reformas ainda não tenham sido implementadas, melhorias significativas ocorreram nos últimos seis anos.

A evidência disso foi vista na resposta à invasão russa.

Ajuda militar dos EUA

Para apoiar as reformas militares ucranianas, os EUA aumentaram a ajuda financeira à Ucrânia logo após a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia em 2014 e seu apoio aos separatistas no leste da Ucrânia.

Em 2014, o governo Obama forneceu US$ 291 milhões em recursos e, até o final de 2021, os Estados Unidos haviam doado um total de US$ 2,7 bilhões em treinamento e equipamentos.

Como parte dessa assistência, os Estados Unidos ajudaram a treinar soldados ucranianos na base militar de Yavoriv. A base rapidamente se tornou um centro de treinamento de alto nível, onde cerca de cinco batalhões treinam anualmente desde 2015.

Em 2016, Poroshenko pediu a altos conselheiros de defesa dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Lituânia e Alemanha para aconselhar a Ucrânia na modernização das forças armadas com o objetivo de alcançar os padrões, regras e procedimentos da Otan até 2020.

Uma dessas regras da Otan era um requisito para o controle civil das forças armadas; na época, o ministro da Defesa da Ucrânia também era um general da ativa. Outro padrão importante foi garantir que a Ucrânia pudesse integrar seu apoio logístico com outras unidades da Otan.

O apoio ocidental também incluiu várias armas e equipamentos, entre veículos militares, drones, rifles de precisão, radares que localizam a origem do fogo inimigo e miras térmicas que são usadas para identificar alvos no escuro.

A obtenção de melhores mísseis antitanque foi de grande interesse para os ucranianos. Quando a Rússia enviou tanques T-90 pela fronteira para apoiar os separatistas em 2014, as armas existentes da Ucrânia não conseguiram penetrar na blindagem dos veículos.

Em 2017, os Estados Unidos forneceram o primeiro conjunto de mísseis antitanque Javelin para a Ucrânia.

Uma vez que a invasão se tornou iminente, as nações ocidentais enviaram armas e munições adicionais para a Ucrânia, entre eles mísseis da Lituânia, da Letônia, da Estônia e do Reino Unido.

Tomada de decisão no campo de batalha

Em 2014, a cultura militar da Ucrânia impediu a tomada de riscos por líderes subalternos – os tenentes e capitães que conduziam os combates em campo. Eles foram proibidos de tomar decisões e obrigados a pedir permissão antes de agir, descartando assim a possibilidade do que se chama de “iniciativas disciplinadas”.

Dada a velocidade e letalidade da guerra moderna, iniciativas disciplinadas podem ser a diferença entre o sucesso e o fracasso.

Enquanto combatiam separatistas apoiados pelos russos e forças russas no Donbass em 2014, os ucranianos rapidamente aprenderam que os líderes de nível inferior, como líderes de pelotão e comandantes de companhia, não podiam esperar pela aprovação de um quartel-general superior para cada movimento. A batalha era simplesmente muito rápida.

Uma nova cultura emergiu. Os ucranianos estão lutando agora com uma versão atualizada dos fins justificam os meios: os resultados são mais importantes do que os processos.

Essa mudança cultural, combinada com oito anos de combate no Donbas, criou uma geração de oficiais prontos para o combate.

Uma nação de voluntários

Voluntários de toda a Ucrânia se reuniram no Donbass em 2014 para combater os separatistas apoiados pela Rússia. Havia tantos cadastrados que tiveram que ser criados novos batalhões.

Mas havia pouco tempo para treinar. Os voluntários foram jogados nesses batalhões improvisados, com uniformes de camuflagem incompatíveis com a guerra e enviados para a linha de frente com uma verdadeira mistura de armas.

No entanto, a Ucrânia ganhou tempo com esses civis. Eles ajudaram a manter a linha de defesa e impedir uma maior penetração russa na Ucrânia.

O país aprovou uma lei que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2022 para remediar os problemas na organização do esforço voluntário. A lei estabeleceu uma Força de Defesa Territorial como um ramo autônomo dentro das forças armadas. Algumas dessas posições são para soldados profissionais; outros são reservistas.

A força incluirá 10 mil posições de carreira em tempo de paz e organizará 120 mil reservistas em 20 brigadas.

A invasão russa começou antes que essa estrutura pudesse ser totalmente estabelecida. Mas ela se reorganiza à medida que a guerra acontece.

Determinação ucraniana

Apesar dessas reformas e da resistência da Ucrânia até o momento, a máquina de guerra da Rússia ainda supera a da Ucrânia.

Uma defesa bem-sucedida da Ucrânia contra a Rússia é um desafio assustador. Isso exigirá determinação, algo que os ucranianos demonstraram repetidamente nos últimos oito anos e nos primeiros dias da guerra atual.

Com base no meu tempo lá, posso dizer que os ucranianos são orgulhosos, patrióticos e preparados para fazer o que for necessário para defender a nação.

*Liam Collins é coronel aposentado do Exército dos EUA, onde serviu por 27 anos como oficial das Forças Especiais, diretor fundador do Modern War Institute da Academia Militar de West Point, bacharel em Engenharia Mecânica (Aeroespacial) pela Academia Militar dos Estados Unidos, mestre em Relações Públicas e PhD pela Escola de Relações Públicas e Internacionais da Universidade de Princeton.

©2022 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês
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