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Tudo azul em Teerã -Imagens recentes de discursos de Mahmoud Ahmadinejad revelaram algo curioso: em alguns casos, a bandeira iraniana atrás do presidente parece ter sido retocada, de forma a trocar o verde pelo azul. Seria uma forma de evitar a cor identificada com a oposição, que, desde as eleições de junho, organizam protestos pelas ruas? Para blogueiros que conseguem furar o cerco à mídia imposto por Teerã, o resultado é ainda mais contraditório por trazer as cores das bandeiras de países inimigos de Teerã, como EUA, Inglaterra e França. | Agência Fars
Tudo azul em Teerã -Imagens recentes de discursos de Mahmoud Ahmadinejad revelaram algo curioso: em alguns casos, a bandeira iraniana atrás do presidente parece ter sido retocada, de forma a trocar o verde pelo azul. Seria uma forma de evitar a cor identificada com a oposição, que, desde as eleições de junho, organizam protestos pelas ruas? Para blogueiros que conseguem furar o cerco à mídia imposto por Teerã, o resultado é ainda mais contraditório por trazer as cores das bandeiras de países inimigos de Teerã, como EUA, Inglaterra e França.| Foto: Agência Fars

Acirramento

Quando dissidentes revelaram a existência de instalações nucleares secretas no Irã e uma rede de tevê dos EUA mostrou imagens dos locais, em 2002, começou uma longa e nervosa batalha diplomática:

2003 – O Irã assina a adesão ao Protocolo Adicional do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), mas secretamente seu programa é mantido.

2004 – Fontes afirmam que o pai da bomba atômica paquistanesa, Abdul Qadeer Khan, poderia estar repassando tecnologia ao Irã.

2005 – O Irã anuncia que colocará em funcionamento a conversão de urânio na central de Isfahan.

2006 – O Irã anuncia que limitará o acesso da AIEA e que retomará seu programa de enriquecimento de urânio, e o presidente Mahmoud Ahmadinejad (eleito em 2005) confirma que o país enriquece urânio a 3,5%. O Conselho de Segurança da ONU aprova sanções contra o Irã.

2007 – A Inteligência dos EUA conclui que o Irã terá dentro de poucos anos, caso assim escolha, a "capacidade técnica" para produzir urânio altamente enriquecido em quantidade suficiente para fabricar uma bomba atômica.

2008 – Em campanha eleitoral, Barack Obama afirma que negociará com o Irã sem exigir contrapartidas.

2009 – Ahmadinejad é reeleito em votação com suspeitas de fraude e negocia o envio de urânio a outro país, que o devolveria enriquecido no nível necessário ao uso energético e medicinal.

2010 – O Irã faz novas ameaças e afirma estar enriquecendo urânio a 20% e ter tecnologia para elevar a porcentagem a 80%. A fabricação da bomba requer 90%. Depois de três levas de sanções ao país persa, EUA e UE pedem nova restrição.

Os argumentos brasileiros para apoiar o plano nuclear iraniano desmoronam diariamente e obrigam o país a rever seu apoio irrestrito ao governo de Mahmoud Ahmadinejad, como deve ocorrer hoje no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Na semana passada, o Irã elevou de um dia para o outro o grau de enriquecimento de urânio que, afirma, tem capacidade de atingir. E não foi pouca coisa: de 5% a 80% num piscar de olhos e, claramente, num blefe, conforme especialistas como Karim Pakzad, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris. Físicos nucleares afirmam que a distância entre o domínio da tecnologia para obter o enriquecimento a 20%, que o Irã anunciou num dia, e 80%, que propalou cinco dias depois, levaria de dois a três anos, até obter os temidos 90% necessários para fabricar a bomba.

Mesmo assim, o chanceler Celso Amorim manteve a seriedade com que trata cada declaração disparatada que parte de Teerã. Diante dos anúncios teatrais do presidente Ahmadinejad de que "poderia enriquecer urânio a 80% se quisesse, mas não quer", Amorim ainda tentou dar razão ao nonsense, afirmando que 20% ainda estaria dentro do Tratado de Não Proliferação Nuclear, mas 80% "já seria obviamente uma violação".

Apesar da teimosia, o Itamaraty foi obrigado a recuar em seu apoio irrestrito. Hoje, o país será obrigado a elevar o tom contra o parceiro iraniano em outro ponto, que vinha evitando: o abuso aos direitos humanos, mais e mais desrespeitados desde a Revolução de 1979.

O Conselho de Direitos Huma­nos da ONU faz hoje a revisão periódica universal do Irã, e a diplomacia brasileira deve se pronunciar mais duramente contra abusos no campo humanitário – isso depois de se abster de votar texto semelhante da Assembleia Geral da ONU, em dezembro, alegando não ser aquele o fórum adequado. Agora, o chanceler Celso Amorim afirma que as duas questões "não devem ser misturadas".

Como explicar as contradições nacionais? À Gazeta do Povo, o embaixador Rubens Barbosa, que serviu em Washington entre 1999 e 2004, afirmou que o Brasil superestima sua capacidade de influir na questão, sem se dar conta de quão fortes são as posições dos EUA e da Europa.

"O jogo (no Oriente Médio) é muito mais pesado que aqui na região", diz. No caso de Honduras, o Brasil também manteve uma posição contrária ao resto do mundo, e foi um dos poucos a não reconhecer o governo eleito.

Apesar da confusão que marca a atual diplomacia brasileira, os aliados do país na ONU (especialmente EUA e França) não parecem dar muita importância ao que dizemos ou deixamos de dizer. Até porque o presidente Lula respeita decisões do andar de cima. Caso sejam adotadas novas sanções, o Brasil, membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, afirma que irá acatá-las.A posição brasileira pelo diálogo com o Irã é considerada válida por Barbosa, contanto que haja "algo de que nós não sabemos". "O Itamaraty está fazendo (declarações), imagino, com base numa estratégia. Não posso admitir que a nossa posição seja só por afinidade ideológica, um apoio gratuito. Deve ter alguma coisa que o Irã está dizendo para o Brasil."

Seja o que for, Ahmadinejad poderá dizê-lo pessoalmente ao presidente Lula em maio, caso, apesar dos protestos, o brasileiro mantenha sua visita ao Irã.

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