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O cientista político venezuelano Rafael Villa espera que a divisão de poder no legislativo de seu país leve a um novo entendimento político | Augusto Júnior/Gazeta do Povo
O cientista político venezuelano Rafael Villa espera que a divisão de poder no legislativo de seu país leve a um novo entendimento político| Foto: Augusto Júnior/Gazeta do Povo

As eleições legislativas do último dia 26 na Venezuela foram marcadas pelo ressurgimento da oposição na cena política nacional. Apesar de manter a maioria absoluta da Assembleia Nacio­­nal, o presidente Hugo Chávez e seu partido PUSV perderam a maioria de dois terços dos deputados, condição essencial à aprovação de matérias extraordinárias no Legislativo. E o que, de fato, significa esse retorno da oposição?

Para Rafael Villa, professor ve­­nezuelano que leciona no De­­partamento de Ciência Política da USP, quem ganha com a volta dos opositores são as instituições democráticas, que saem fortalecidas após cinco anos de quase total ausência de contraponto no Poder Legislativo.

Em entrevista à Gazeta do Povo, por telefone, Villa fala do novo cenário político venezuelano, das possíveis dificuldades a serem enfrentadas por Chávez no Legislativo e dos planos de reeleição do presidente.

Qual a importância do ressurgimento da oposição na Vene­­zue­­la?

A principal característica desse ressurgimento é o impacto que a presença de uma oposição ao governo causa às instituições democráticas do país. Até porque é muito complicado pensarmos num governo democrático com um Parlamento sem oposição. Esse é o aspecto mais importante, já que ela volta a ocupar um espaço do qual ela mesma havia se ausentado quando decidiu não concorrer às eleições le­­gislativas de 2005. Ela mesmo havia se boicotado, fato que prejudicou sua posição política na Venezuela.

Foi uma decisão ruim não apenas para o país, mas também pa­­ra a própria oposição?

Muito ruim. Eu tenho conversado com políticos da oposição venezuelana e eles mesmos consideram terem dado um tiro no próprio peito. Eles decidiram não concorrer ao pleito de 2005 porque desconfiavam de irregularidades no processo eleitoral, mas estas supostas fraudes nunca foram confirmadas.

Nesta eleição, a oposição não conseguiu a maioria na As­­sem­­bleia, mas obteve êxito ao impedir que o PUSV, que é o partido do governo, conseguisse a maio­­ria de dois terços. O fato do go­­verno não ter atingido essa maio­­ria qualificada, parcela necessária à aprovação de al­­guns pro­­jetos na casa, pode causar al­­gum impedimento às re­­formas pretendidas por Chá­­vez?

As instituições democráticas fun­­cionam com base no princípio de equilíbrio dos poderes. Para uma vontade sempre há uma contravontade. Então é claro que daqui em diante será mais difícil para Chávez aprovar projetos de lei – como fez nos últimos cinco anos, época em que o Executivo se transformou no Legislativo, já que não havia ne­­nhuma resistência à vontade do presidente. Vale lembrar, po­­rém, que apesar de Chávez não contar com a maioria qualificada ele ainda tem a maioria absoluta – que é de 50% mais um. Mas o que menos se debate no Parlamento são as matérias ex­­traordinárias, ou seja, justamente aquelas que necessitariam de dois terços dos votos. Esses se­­riam casos isolados, co­­mo a re­­forma da Consti­­tuição, por exemplo.

Qual era a expectativa em relação ao desempenho da oposição nessas eleições? A conquista de cerca de 40% de opositores eleitos era esperada?

Esse número reflete a porcentagem de votos atingidos pela oposição nas eleições de 2002, ou seja, está dentro de uma média histórica. O governo, por sua vez, sempre elege o mínimo de 50% a 60% das cadeiras disponíveis no Parlamento. E isso aconteceu de novo. Então pode-se dizer que não era tão imprevisível esse desempenho da oposição. Na verdade já era esperado que a oposição refletisse essa mesma média histórica.

Na prática, como fica a divisão de forças entre situação e oposição?

A situação da oposição, embora não tendo conseguido a maioria absoluta, ainda é muito boa. Eles conseguiram 65 cadeiras, o que representa quase 40% do Parla­­mento. Mas o ideal seria que o governo e os parlamentares do PUSV utilizassem sua bancada majoritária para iniciar um diálogo político com a oposição. Até porque, se situação e oposição entrarem num confronto direto, é possível que se repita no país a crise política que dominou a Ve­­nezuela entre 2002 e 2005. Mas se eles aprenderam que esse tipo de confronto leva apenas à crise, isso poderá ser aproveitado co­­mo um novo início para o entendimento político entre situação e oposição no país. E isso seria extremamente positivo para o desenvolvimento democrático e político da Venezuela.

A não obtenção da maioria qualificada abala, de algum modo, a credibilidade ou a popularidade de Chávez?

A popularidade dele no mo­­mento é de cerca de 40%. O que surpreende é que mesmo com esse índice, que é mediano, Chávez consegue manter um certo eleitorado cativo em quase todos os pleitos. Então não há uma relação direta entre a po­­pularidade e o desempenho do partido governista. Só para ci­­tar um exemplo, Michelle Ba­­chelet (ex-presidente do Chile) deixou o governo com uma popularidade superior a 80%. Mas isso não foi suficiente para garantir o sucesso de seu partido ou mesmo do candidato go­­vernista nas eleições chilenas. Vale lembrar que Chávez tem muito poder convocatório quan­­do o assunto é eleições. Ele tem o poder de mobilizar a população e isso já foi provado várias vezes durante seu governo. E, no fim da história, é isso o que realmente conta.

O ressurgimento da oposição nessas eleições pode atrapalhar, de alguma forma, os planos de reeleição de Chávez pa­­ra 2012?

Em parte sim, à medida que a oposição pode colocar limites a certas iniciativas legislativas do governo. Mas o direito de Chávez concorrer a um terceiro mandato já foi decidido no referendo de fevereiro de 2009. Mesmo que fosse possível qualquer mudança na lei por vontade da oposição, seria difícil vencer Chávez no Parlamento. Eles teriam que tentar cooptar parlamentares do governo – talvez membros descontentes com os atuais rumos da política venezuelana. É um pouco difícil, já que os membros do partido governista estão muito centrados na figura de Chávez. Sendo assim, no momento, essa nem chega a ser uma estratégia possível.

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