Os resultados preliminares da eleição mostram que Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, provavelmente se tornará o próximo presidente do Egito. Mas mesmo que Morsi seja declarado o vencedor oficial, a primeira eleição presidencial popular do Egito não será um grande marco da democracia no país.
Com a dissolução do Parlamento por decisão da Suprema Corte e a declaração do Exército podando a autoridade da presidência, Morsi será uma figura desarmada sob a pressão de um conselho militar autoritário que não parece estar disposto a abrir mão do poder tão cedo.
O Conselho Supremo das Forças Armadas fechou o cerco no poder, dando a si mesmo o controle da legislação e do orçamento nacional, o direito de eleger uma assembleia para redigir uma nova constituição, a imunidade contra superintendência democrática e o poder de vetar uma declaração de guerra. Espera-se também que o novo presidente não tenha nada a dizer sobre políticas estrangeiras e relações com os Estados Unidos, que dão ao Egito um valor anual de US$ 1,3 bilhão em auxílio militar.
A indisposição do Exército em ceder seu poder e permitir a existência de um governo genuinamente democrático está clara há meses. Porém, os Estados Unidos continuam a apoiar o conselho de fato, bombas de gás lacrimogêneo de fabricação americana ainda estão sendo utilizadas por autoridades egípcias para suprimir manifestantes anti-militares.
Quando eu votei "não" no referendo sobre as ementas constitucionais no último mês de março, semanas após derrubarem a longa ditadura de Hosni Mubarak, foi um voto contra todo o processo de transição liderado pelos militares que deu início a essa contínua bagunça legislativa que culminou na dissolução recente de um Parlamento dominado pela Irmandade e na tomada de assalto dos poderes legislativos pelo Exército.
As ementas e o referendo marcaram o começo de um processo que levou os egípcios e o mundo todo a acreditar falsamente que o Egito estava se democratizando. Mas, na verdade, serviram para manter o povo distraído com a roupagem da democracia.
O regime de Mubarak jamais cedeu seu poder. Tudo permanece quase igual a antes da revolução. Os comandantes do Exército e os principais ministros do governo não mudaram; o Ministério do Interior continua violando os direitos humanos com a mesma força ferrenha de antes; milhares de egípcios comuns têm sido submetidos a julgamentos militares; e injustiças continuam sendo perpetradas contra cidadãos egípcios sob um novo decreto que dá à polícia militar e aos oficiais da inteligência o poder de prender civis.
Uma democracia que funcione não poderia de modo algum emergir de um processo que decidiu eleger um Parlamento e um presidente antes de estabelecer uma constituição que determinasse seus respectivos poderes e relação com o Exército.
A democracia só pode sobreviver agora onde há o poder da lei; ela não vai criar raízes num país atormentado pelo caos político e legal. As cortes egípcias têm sido consumidas por disputas sobre a legalidade do próprio Parlamento, sobre a assembleia redatora da constituição formada pelo Parlamento agora dissolvido, e sobre como e onde o novo presidente fará seu juramento na ausência de uma legislatura nacional.
Tradução de Adriano Scandolara.



