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Curitiba – Os direitos humanos não podem ser vistos como uma relação apenas entre o cidadão e o Estado. Estão presentes também em outros âmbitos sociais, como as relações estabelecidas em casa ou nas empresas, diz o professor espanhol de Direitos Humanos, David Sanchez Rubio, da Universidade de Sevilha. Rubio esteve esta semana em Curitiba para ministrar palestra na Unibrasil. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, ele afirma que cada vez mais é preciso implementar uma cultura de Direitos Humanos em todas as esferas sociais.

Gazeta do Povo – O senhor defende que a Declaração de Direitos Humanos não deveria ser estática por conta da mobilidade das relações sociais. Como o senhor explica esse conceito?

David Sanchez Rubio – Um país pode ter uma Constituição perfeita, que preveja os direitos fundamentais, mas viva um cotidiano de corrupção, discriminação e exclusão. É preciso questionar também o caráter eurocêntrico da Declaração de Direitos Humanos.

O primeiro-ministro espanhol José Luis Rodríguez Zapatero teve de voltar atrás quanto à sua política de abertura à imigração. Como o senhor vê a questão?

Este é um problema global. Se o modelo de desenvolvimento global é o de desigualdade social, o problema da imigração segue essa linha. A imigração é uma questão de responsabilidade tanto interna quanto externa. As pessoas são levadas a pensar que em países ricos vão encontrar o paraíso, mas o que se vê é a enorme dificuldade para se conseguir um trabalho. É o que ocorre na Espanha, muito procurada por ser próxima da África. No governo do ex-premier José Maria Aznar, do Partido Popular, havia pelo menos 800 mil imigrantes na Espanha. A política de Aznar foi de fechamento e não de reconhecimento dos direitos dos imigrantes. Com Zapatero se abriu a possibilidade de legalizar a situação dos que já estavam na Espanha. Segundo o Partido Popular, isso provocou um efeito multiplicador. É preciso desenvolvimento global para reduzir a desigualdade que fomenta a imigração. Do ponto de vista dos direitos humanos, todos os imigrantes teriam de ser aceitos.

Como o senhor vê o caso do Sudão, que tem sido considerado como o primeiro genocídio deste século com as mais de 200 mil mortes em três anos de conflito?

Muitas vezes ignoramos as razões que provocaram o conflito. Achamos que os africanos vivem em estados frágeis em meio a conflitos tribais. Esse é o nosso imaginário. Por trás disso, há interesses por recursos energéticos, diamantes e tráfico de armas. Esses elementos precisam fazer parte da análise dos conflitos, que não se resumem a combates étnicos. Às vezes é uma luta étnica fomentada por países ocidentais. Os tútsis e hutus eram unidos até serem envolvidos pela política do ódio. O caso do Sudão é semelhante. Quanto à intervenção, é uma questão polêmica saber até que ponto é legítimo usar força armada para garantir os direitos humanos, como no caso do Iraque. É uma contradição usar armas para salvar vidas. Outro problema é que não nos damos conta que o povo tem de desenvolver internamente sua própria luta pela dignidade.

O senhor acredita que a criação do Tribunal Penal Internacional para Ruanda foi positiva (o tribunal foi criado para julgar os responsáveis pelo genocídio de 800 mil tútsis em 1994)?

No contexto transnacional é cada vez mais importante que existam tribunais internacionais. É necessário equilibrar as relações jurídicas entre os países. Dizer que o Direito Internacional não existe é apoiar a política norte-americana da lei do mais forte. É preciso discutir também como se implementam e se constroem esses tribunais. No caso de Ruanda ocorreu uma situação de genocídio inacreditável, mas muitos dos países ocidentais foram responsáveis por se chegar ao genocídio. Na nossa cultura temos o defeito de só nos preocuparmos com fatos consumados. Não tomamos medidas preventivas para que não ocorram essas atrocidades.

Como o senhor analisa o problema das violações de Direitos Humanos na prisão de Guantánamo, mantida pelos EUA em Cuba?

É o exemplo claro da lei do mais forte, que apela para os direitos humanos apenas quando é conveniente. Além disso, em situações de insegurança, as pessoas ficam mais dispostas a renunciar aos seus direitos. Os atentados de 11 de setembro de 2001 serviram para os EUA potencializarem a política externa que já vinham adotando.

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