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O discurso que o Papa Bento XVI fará na abertura da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe é aguardado com ansiedade por bispos e padres. As palavras do pontífice devem ditar o rumo que a Igreja Católica deve seguir no continente, já que a última conferência na região aconteceu em 1992 e muitas mudanças aconteceram desde então. Aumentou na região a distância entre ricos e pobres, a desestruturação familiar ganhou amplitude e parte do rebanho católico foi seduzida por outras religiões, principalmente as evangélicas.

A síntese destas preocupações dos católicos está num documento preparado para a discussão dos bispos. Ao todo, 165 bispos dos países, eleitos, têm direito a voto na V Conferência. O documento lança um olhar sobre a realidade social e política da América Latina atual. São vários os problemas em comum. Eles vão desde a distribuição de renda, que é muito maior hoje do que nos encontros anteriores, até a pouca duração dos matrimônios, famílias incompletas, abortos e iniciação sexual precoce dos jovens.

Até agora, os sacerdotes latino-amnericanos, e mesmo os fiéis, identificaram nos discursos do Papa uma forte preocupação com a situação da Igreja Católica na Europa, seja durante o processo de formação da União Européia, que demandou tempo do Vaticano, ou com a indiferença religiosa dos povos do Primeiro Mundo. Com situação econômica e social estáveis, o católico europeu tem se distanciado de Deus.

Enquanto isso, na América Latina, nem mesmo a Teologia da Libertação, que prosperou até ser silenciada na década de 80 pelo Vaticano, serviria hoje como resposta aos anseios dos fiéis. A fé em Deus existe. Mas ele tem sido buscado em outros lugares.

Além de empobrecidos e oprimidos pela violência cotidiana, os fiéis latino-americanos estão aturdidos diante da desesperança provocada pelos governos de esquerda. Se a Teologia da Libertação via no discurso dos políticos de esquerda uma saída para a situação, hoje já não há mais essa certeza. Só há a constatação que, nos últimos 15 anos, os desafios continuam basicamente os mesmos. A democracia, é bem verdade, se fortaleceu e foi formalizada, mas a grande massa da população continua sem acesso aos mecanismos de participação e voz. A corrupção se instalou e a ameaça de caudilhos prossegue.

- Se as pessoas não vivem bem, é preciso superar essa dificuldade. O problema é que o Papa está na Europa, onde as pessoas estão se distanciando de Deus. Nos setores onde estão os mais pobres da população, o sentido social da igreja é maior - explica o padre Davi Gutierrez, assessor do Conselho Episcopal Latino-americano.

Nascido na Venezuela, padre Gutierrez está há um mês no Brasil para preparar a V Conferência. Durante todo o ano de 2006, comunidades católicas de todos os países fizeram suas contribuições para o encontro, que deverá votar quais serão as práticas da Igreja até a próxima conferência.

- Antes se pensava que a esquerda podia melhorar a situação, mas, lamentavelmente, não é assim. Veja o exemplo da Venezuela. Nosso presidente fala muito dos pobres, mas eles estão crescendo. O problema é que nem regimes de esquerda, nem de direita, provocam melhoria das condições de vida das pessoas - resume o padre.

Na última vez em que o Papa Bento XVI esteve no país estes dilemas já estavam em jogo. Em 1990, num curso que reuniu 96 bispos brasileiros no Rio de Janeiro, o então cardeal Joseph Ratzinger tinha como preocupação manter a unidade da Igreja Católica e distanciá-la do partidarismo político. Dezessete anos depois da visita, o elo com partidos políticos já não é forte. Nem por isso a situação da Igreja melhorou.

Ao contrário. A América Latina, que já respondeu por 60% dos católicos no mundo, tem hoje uma fatia em torno de 48% a 50%. O que é pior: o rebanho do Vaticano não cresceu no mundo, o que poderia relativizar a redução.

- Nossa igreja está diminuindo. A população católica não cresce na Europa até por conta do índice de natalidade. Na América Latina, embora crianças continuem nascendo, já não são em maioria católicos. Estão migrando para outras religiões - diz Gutierrez.

Onde está a fraqueza da Igreja Católica na evangelização? Como manter firme os católicos? É esse direcionamento que se espera da V Conferência. Até onde ir e por quais caminhos é o que se espera do discurso de Bento XVI. A sinalização que tanto pode ser dada diante dos 500 mil fiéis que participarão da missa de abertura do evento, no domingo (13), quanto na noite anterior, quando o Papa se reúne com os bispos na Basílica de Aparecida.

- As conclusões da V Conferência devem indicar os mecanismos para manter os católicos na igreja. A igreja latino-americana não é só um trabalho de culto, mas também na comunidade.

A igreja tem hoje práticas distintas na América Latina. A atuação depende muito de cada comunidade, de cada paróquia. Os trabalhos das comunidades eclesiais de base continuam muito fortes em toda a região. Em muitos casos, ainda orientados pelos princípios da Teologia da Libertação. No Brasil, as comunidades eclesiais de base tiveram forte envolvimento na formação do PT, por exemplo. Hoje, já não são assim tão próximos.

- Mas os adeptos da Teologia da Libertação não são os únicos que trabalham com os pobres. Ao contrário da Europa, temos interesse em investir em escolas, na formação de adolescentes e adultos. A igreja européia é ligada ao ritual. Lá, o católico vai à missa domingo sem necessidade de empenho nos problemas sociais.

Para o assessor do Celam, Bento XVI tem respondido às questões na Europa e suas mensagens são endereçadas à sociedade européia. Eleito para o cargo em 2005, o novo Papa tem agora sua primeira oportunidade de falar direto à América Latina, onde, afinal, ainda está quase metade dos católicos do mundo.

O discurso que o Papa faz na abertura de uma Conferência de bispos é muito importante. É forte o suficiente para colocar ou tirar alguns temas de discussão. Logo depois do discurso, uma comissão de bispos e teólogos se debruça sobre ele para reunir e sintetizar as idéias centrais de sua fala. Quando o Papa vai embora, o documento passa então a ser considerado nas discussões e votos dos bispos.

- O discurso que o Papa faz é muito importante. Não direciona tudo, mas coloca muitos temas em discussão.

A Igreja Católica é marcada pela diversidade. Dentro dela, há distintas maneiras de pensar e olhar a realidade. Ao lado de adeptos de uma fé politizada, há grupos como a Opus Dei, que reúne a elite das sociedades. Ou seja, os mais ricos. Identificados com a política de direita, mesmo eles têm sido obrigados a atuar com pé no chão na América Latina. Gutierrez cita como exemplo os Legionários de Cristo, fundação mexicana de orientação semelhante à da Opus Dei.

- Eles têm um trabalho social importante no México. Na Colômbia, esse grupo faz trabalho em favelas - explica.

A V Conferência terá 20 comissões de trabalho, divididas por temas. Um deles deverá incluir as discussões sobre a escassez do clero na América Latina. Há uma sensação de que, por ter um número maior de pastores, as igrejas evangélicas chegam a locais onde a católica não chega.

- Temos um processo muito longo de formação de padres. São sete a oito anos. Muitos dos pastores das igrejas evangélicas se formam em 4 ou 5 meses. A capacidade de multiplicação dos pastores é muito maior do que a nossa. Temos uma deficiência. Precisamos ver que coisa estamos fazendo mal ou deixando de fazer - resume.

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